sábado, 5 de setembro de 2020

“Proclamarás a libertação a todos os habitantes da Terra”

 

Por ocasião do 50.º aniversário do Dia da Terra e a 5 anos da Encíclica Laudato Si’, o Papa assinalou, com uma carta o dia 1 de setembro como Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação e o início do Tempo da Criação, que termina na festa de São Francisco de Assis, a 4 de outubro, acentuando que, neste período, os cristãos em todo o mundo renovam a fé no Deus da Criação e unem-se em oração e trabalho para cuidar da nossa casa comum.

Apreciando que o tema escolhido pela família ecuménica para a celebração do Tempo da Criação de 2020 seja Jubileu pela Terra, acentua que, “nas Sagradas Escrituras, um Jubileu é um tempo sagrado para lembrar, retornar, descansar, restaurar e se alegrar”. Pelo que aponta a doutrina e faz os necessários a pelos para obviar aos sinais de alarme que o mundo apresenta.

Assim, lembra que “o destino final da Criação é entrar no sábado eterno de Deus”, pelo que temos de seguir a vocação original da Criação de existir e florescer como comunidade de amor, em relacionamento “com Deus o Criador, com os nossos irmãos e irmãs como membros de uma família comum, e com todas as criaturas de Deus dentro da nossa casa comum”. 

Por outro lado, há que “voltar atrás em arrependimento”, por termos rompido “os laços do nosso relacionamento com o Criador, com os nossos semelhantes e com o resto da criação” e “curar os relacionamentos danificados, que são essenciais para nos sustentar e a todo o tecido da vida”.

E este é “o momento de retornar a Deus, nosso amoroso Criador”, pois “não podemos viver em harmonia com a criação se não estivermos em paz com o Criador, que é a fonte e origem de todas as coisas”.  Por consequência, temos de pensar “em nossos semelhantes, especialmente os pobres e os mais vulneráveis” e recuperar “o plano original e amoroso de Deus da criação como uma herança comum, um banquete que todos os nossos irmãos e irmãs compartilham em espírito de convivência”, já que o Jubileu é um tempo para “libertar os oprimidos e todos aqueles que estão acorrentados nas algemas das várias formas de escravidão moderna, incluindo o tráfico de pessoas e o trabalho infantil”.

Simultaneamente, precisamos de ouvir “a própria terra, que as Escrituras chamam de adamah , o solo de que o homem foi feito e que nos admoesta “a retornar ao nosso lugar de direito na ordem natural criada”, gritando que “somos parte desta rede interconectada de vida, não seus mestres” e que “a desintegração da biodiversidade, a espiral de desastres climáticos e o impacto injusto da atual pandemia sobre os pobres e vulneráveis, tudo isso é um alerta diante da nossa ganância e consumo desenfreados”.

Como tempo para descansar, o Jubileu é ocasião para o povo de Deus descansar do seu trabalho usual e deixar a terra curar-se e reparar-se, “já que as pessoas consumiam menos do que o normal”, o que nos levará a “encontrar formas de vida justas e sustentáveis ​​que deem à Terra o descanso de que ela necessita, formas que satisfaçam a todos com suficiência, sem destruir os ecossistemas que nos sustentam”.

Mas diz o Papa que “um Jubileu é um momento para restaurar a harmonia original da criação e para curar relacionamentos humanos tensos”. Por isso, estamos convidados “a restabelecer relações sociais equitativas”, restaurando, no quadro da justiça restaurativa, a liberdade e os bens para todos e perdoando as dívidas uns dos outros. E, não esquecendo “a exploração histórica do Sul global que criou uma enorme dívida ecológica”, devido “à pilhagem de recursos e ao uso excessivo do espaço ambiental comum para a eliminação de resíduos”, Francisco reitera o apelo ao cancelamento da dívida dos países mais vulneráveis, reconhecendo os graves impactos das crises médicas, sociais e económicas que enfrentam em decorrência da covid-19. 

E, no âmbito da restauração da terra, o Pontífice declara que “precisamos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para limitar o aumento da temperatura média global abaixo do limite de 1,5° C consagrado no Acordo do Clima de Paris, pois ir além disso será catastrófico”, sobretudo “para as comunidades pobres em todo o mundo”, o que exige a luta comum pela solidariedade intrageracional e intergeracional neste momento crítico.  Por outro lado, é crucial a restauração da biodiversidade no contexto de perda sem precedentes de espécies e degradação de ecossistemas, pelo que é preciso “apoiar o apelo da ONU para salvaguardar 30% da Terra como habitats protegidos até 2030 a fim de conter a taxa alarmante de perda de biodiversidade”; e temos de garantir que “aqueles que viveram na terra por gerações possam recuperar o controlo sobre seu uso”. Assim, “as comunidades indígenas devem ser protegidas de empresas, especialmente empresas multinacionais, que “operam em países menos desenvolvidos de uma forma que nunca poderiam fazer em casa”, por meio da extração destrutiva de combustíveis fósseis, minerais, madeira e produtos agroindustriais. Com efeito, “esta má conduta corporativa é uma nova versão do colonialismo”. Por isso, importa “fortalecer a legislação nacional e internacional para regular as atividades das empresas extrativas e garantir o acesso à justiça”.

Como tempo de alegria, um Jubileu, inaugurado por toque de trombeta que ressoava por toda a terra, sugere que ouçamos com especial atenção o clamor da terra e dos pobres, que “se tornou ainda mais alto e doloroso nos últimos anos” e que testemunhemos “como o Espírito Santo está a inspirar indivíduos e comunidades em todo o mundo a unirem-se para reconstruir a nossa casa comum e defender os mais vulneráveis ​​em nosso meio”. Assim, é motivo de alegria “o surgimento gradual duma grande mobilização de pessoas de baixo e das periferias que trabalham generosamente pela proteção da terra e dos pobres”, tal como o é “ver como os jovens e as comunidades, especialmente as comunidades indígenas”, na resposta ativa à crise ecológica e ver “como o “Ano Especial do Aniversário de Laudato Si está a inspirar muitas iniciativas a nível local e global para o cuidado da nossa casa comum e dos pobres”, na linha da concretização do caminho da prática da ecologia integral nas famílias, paróquias e dioceses, ordens religiosas, escolas e universidades, instituições de saúde, negócios e agricultura.

Por fim, o Papa regozija-se por as comunidades de fé estarem a unir-se para criar um mundo mais justo, pacífico e sustentável, crescendo “na consciência de que todos vivemos numa casa comum, como membros de uma única família” e cuidando “da terra, que é também a casa de Deus, onde a sua Palavra “Se fez carne e viveu entre nós (Jo 1,14) e que se renova constantemente pela efusão do Espírito Santo”.

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Já, no vídeo de intenção de oração para o mês de setembro, Francisco apela ao cuidado da Criação “hoje, não amanhã, hoje” e “com responsabilidade”. E, enquanto pede oração para que os recursos do planeta “não sejam saqueados, mas partilhados de forma justa e respeitosa”, denuncia o enriquecimento de países e empresas com a exploração de dons naturais, gerando uma “dívida ecológica”. Pelo que se interroga sobre quem pagará essa dívida. A campanha pelo cuidado da Criação, além do novo Vídeo do Papa, com a intenção de oração de Francisco confiada a toda Igreja por meio da Rede Mundial de Oração do Papa (que inclui o Movimento Eucarístico Jovem – MEJ), reúne o trabalho de várias ONGs, em prol da transformação social e procurando melhorar a vida dos mais desfavorecidos. E a mensagem papal sobre o cuidado da Criação, acima referida, é contundente quando afirma que “estamos espremendo os bens do planeta, espremendo-os, como se fossem uma laranja”. É por isso que o Pontífice encoraja todas as pessoas a tomarem consciência da grave “dívida ecológica”, resultado da exploração dos recursos naturais e da atividade de algumas multinacionais que “fazem fora de seus países o que não é permitido nos seus”.

O Padre Frédéric Fornos, diretor internacional da Rede Mundial de Oração do Papa, declarou que, “nestes tempos de pandemia, estamos mais conscientes, como o Santo Padre já disse várias vezes, da importância de nossa Casa Comum, o que nos recorda a necessidade de cuidar dos bens do planeta”. E, encorajando à oração, junto com o Papa, declarou:

Hoje, mais do que nunca, temos que ouvir esse clamor e promover concretamente, com um estilo de vida pessoal e comunitário sóbrio e solidário, uma ecologia integral. Vamos rezar por isso porque é um caminho de conversão.”.

Por seu turno, o Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), no Dia de Oração pelo Cuidado da Criação, encorajou a comunidade eclesial daquele Continente a unir-se ao trabalho pelo bem da criação com compromisso e gestos concretos, recomendando a oração como elemento fundamental para o cuidado da casa comum e a releitura da Laudato Si’.

Assim, Dom Miguel Cabrejos Vidarte, presidente do CELAM, afirmou na sua mensagem:

Unidos às intenções do Papa Francisco, desde o Conselho Episcopal Latino-americano ratificamos o nosso compromisso com o cuidado da criação através da oração, bem como com a animação de tantas iniciativas já existentes no nosso Continente para promover o cuidado da casa comum”.  

O prelado recorda que o Papa enfatizou que este dia oferece a cada crente e às comunidades uma valiosa oportunidade para renovar o compromisso pessoal com a sua vocação de guardiães da Criação, elevando a Deus a ação de graças pelo maravilhoso trabalho que Ele nos confiou.

Laudato Si’, que este ano comemora seu 5.º aniversário, é para o presidente do CELAM uma fonte de inspiração para “refletir sobre a nossa obrigação moral de colaborar na busca de uma maior consciência de nossa responsabilidade em relação à Criação”. Daí o convite para reler esta encíclica e encontrar nela “a força e a esperança de seguir em frente”. Por fim, Dom Cabrejos reconhece que todos estamos conscientes de que a crise ambiental é uma consequência do modo de agir do homem diante da Criação, pelo que exorta a rezar para nos “desafiarmos e encorajarmos” com a força espiritual do Senhor para que se torne possível a conversão de cada pessoa e da sociedade diante da questão ecológica.

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Sobre o Tempo da Criação – celebração e preocupação ecuménicas – Cecilia Dall’Oglio, do Movimento Católico Global pelo Clima e do Comité Diretor Ecuménico do Tempo da Criação, em entrevista ao Vatican News, aborda os cursos online para “Animadores Laudato si” (já são 10 mil) e apresenta o Tempo da Criação, a celebração de oração e ação para proteger a Casa Comum, em que participam anualmente cristãos de todas as denominações.

Com efeito, a pandemia do novo coronavírus ocasionou que “tocássemos com as nossas próprias mãos o que significa o compromisso para “proteger os mais frágeis da nossa família”, sendo agora o momento de continuar nessa via, unidos numa “fraternidade humana global”, para “trilhar novos caminhos de ecologia integral”, promovendo com “criatividade” iniciativas “de oração, conversão comunitária e pessoal e de compromisso com o cuidado da Criação”.

O tema da edição deste ano é “Jubileu da Terra: novos ritmos, nova esperança”, explica Cecília Dall’Oglio. A memória deste ano foi dirigida ao momento de oração em tempo de pandemia, celebrado s 27 de março pelo Papa, do adro deserto da Basílica de São Pedro, quando Francisco salientou como numa “tempestade inesperada e furiosa” percebemos estar “no mesmo barco, todos frágeis e desorientados”, mas, ao mesmo tempo, como importantes e necessários, todos somos chamados a remar juntos”, todos necessitados de nos confortar.

A entrevistada esclareceu que  o tema foi escolhido pelo Comité antes do surgimento da pandemia, mas que esta lhe deu particular relevância. E sustenta:

Devemos acreditar, como nos diz a Laudato si’, que as coisas podem mudar, comunicando às nossas comunidades que é possível mudar de rumo, que todos nós podemos ter um novo começo juntos. O Tempo da Criação é, portanto, um tempo para percorrer esses novos caminhos da ecologia integral, passo a passo.”.

Por seu turno, o Movimento Católico apoia o Comité Ecuménico que dá vida ao Tempo da Criação, também através dum site em todos os idiomas, disponibilizado para quem quer mais informações sobre que tipo de atividades pode realizar e que tem um guia para a celebração, com orações e textos para reflexão, dando a possibilidade de se registar e também de registar as atividades que são promovidas, próprias e de outros. O site transforma-se numa praça onde podemos testemunhar publicamente o compromisso da nossa comunidade e através do qual também nos sentimos menos sozinhos, porque podemos celebrar o quão pode ser difundido esse compromisso no mundo. Existe um mapa onde se podem ver todas as atividades realizadas pelos cristãos das diversas confissões nos 5 continentes. E o Movimento procura promover nas diversas comunidades, nos meses de preparação, em julho e agosto, cursos de formação de ‘Animadores Laudato si’’. São pessoas já comprometidas nas suas realidades paroquiais, associativas e religiosas que sentem de modo particular o apelo à ecologia integral e a viver a Laudato si’, pelo que se colocam ao serviço das próprias comunidades.

O programa “Animadores Laudato si”, que oferece treinamento online no idioma do participante sobre os princípios da encíclica e a necessidade de agir urgentemente contra a crise climática, está em constante crescimento. Os cursos são realizados nos diferentes idiomas e seguem o modelo do “ver, avaliar e agir” (da Ação Católica). Cada curso é curto, normalmente de 4 encontros. Os Animadores são acompanhados na realização dum projeto operacional: explicam-se os princípios da Laudato si’ e a importância da conversão ecológica e enfatiza-se como o aspeto espiritual e de fé deve ser sempre mantido junto à conversão, também do próprio estilo de vida pessoal e comunitário, até ao compromisso político nas iniciativas de justiça social. O importante é que haja, trabalhando por um projeto comum, o caminho de animar a comunidade para o Tempo da Criação e que, juntos, tentemos unir as diversas realidades paroquiais e associativas, superando com criatividade o ‘sempre foi feito assim’. Então, cabe aos Animadores junto da comunidade compreender que passo tomar. Porém, “é importante demonstrar proximidade com quem mais sofre, com os mais vulneráveis, com ações e gestos simbólicos”. Além disso, “nesta época de fechamento e distanciamento social pela pandemia, é contínuo e forte o convite a rezar ‘na’ Criação, com passeios, caminhadas, missas ‘na’ Criação”.

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Assim, enquanto aguardamos a assinatura e a publicação da nova encíclica de Francisco, a “Fratelli tutti”, “sobre a fraternidade e a amizade social”, a 3 de outubro, contribuiremos para a realização da Escritura: “Consagrai o 50.º ano e proclamai a libertação por toda a terra a todos os seus moradores. Este será um ano de jubileu e cada um de vós voltará para a propriedade da sua família e para o seu próprio clã.(Lv 25,10).

2020.09.05 – Louro de Carvalho

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