António Costa, Chefe do Governo de Portugal, e
Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, integram a comissão
de honra da recandidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica nas
eleições agendadas para outubro, como foi adiantado, a seu tempo, pelo Expresso e confirmado pelos respetivos
gabinetes. E, entre as mais de 500 personalidades que apoiam Luís Filipe Vieira,
presidente do Benfica desde 2003, destacam-se ainda os nomes de Rui
Pereira, antigo Ministro da Administração Interna, Duarte Pacheco,
deputado do PSD, Telmo Correia, deputado do CDS, Joaquim Santos,
presidente do Câmara Municipal do Seixal, ou António Saraiva, presidente da
Confederação Empresarial de Portugal.
As
reações não se fizeram esperar. Miguel Sousa Tavares diz que o
Primeiro-Ministro está, assim, a assumir-se como testemunha abonatória de
Vieira. Os adversários da recandidatura do atual presidente do clube estão
indignados. Marques Mendes, comentador político, reprova a atitude de Costa.
Ana Gomes, candidata às eleições presidenciais ao arrepio da direção do PS,
considera a inconsequência do Primeiro-Ministro, que avisou, em tempos, que os
membros do Governo não podem esquecer que o são, mesmo quando estão à mesa do
café ou em casa. O PAN espera que António Costa volte atrás. E os líderes do
PSD, CDS e BE acusam a nítida promiscuidade entre a política e o futebol, agora
reforçada pelo Chefe do Governo.
***
Jorge Nuno
Pinto da Costa, presidente do FC Porto, é o mais recente nome a juntar-se aos
muitos que vieram a público criticar a presença do Primeiro-Ministro na
comissão de honra da candidatura de Vieira às eleições do Benfica. Em
declarações ao jornal “O Jogo”,
apontou, por um lado, o dedo à habitual presença de vários elementos do Governo
nos jogos do Benfica e, por outro, questionou se será bom para Vieira ter na comissão
de honra “o responsável pela destruição e falência dos portugueses”. E o líder
dos ‘dragões’ atirou:
“Estamos na linha da frente entre os países
com maior carga fiscal da Europa e, mesmo sabendo que não temos receitas, por
não ser permitido ter público, o Governo não baixa, nem suspende parcialmente,
os altos impostos que caem sobre os clubes”.
Pinto da
Costa vai mais longe ao dizer que o Primeiro-Ministro se arrisca a “ficar na
história como o homem que asfixiou os clubes de futebol e matou as modalidades”,
ao não permitir que o regresso dos adeptos aos estádios.
Ainda no
âmbito das mesmas declarações, o dirigente portista frisou que só no Estádio da
Luz vê a tão falada “promiscuidade” entre futebol e política, não sentindo essa
promiscuidade nos outros estádios. E ironizou:
“Raramente vejo políticos no futebol,
tirando o camarote presidencial do Estádio da Luz. Nalguns jogos, parece que
está a haver uma reunião do Conselho de Ministros. Se há promiscuidade, não é
propriamente no futebol. Só ali.”.
Em entrevista à SIC Notícias,
João Paulo Batalha, presidente da Associação Cívica Integridade e
Transparência, criticou a presença do Primeiro-Ministro e do presidente da
Câmara Municipal de Lisboa na Comissão de Honra às eleições da candidatura de
Luís Filipe Vieira, considerando uma “bizarria” esses apoios. Com efeito, o
facto de o Primeiro-Ministro e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa
integrarem a Comissão de Honra de Vieira às eleições é algo que, para João
Paulo Batalha, “não faz sentido”, pelo que explicitou:
“Confesso que já estou habituado a ver
promiscuidades entre futebol e política, mas até eu estou perplexo com este
caso. Isto é mau a três ou quatro níveis.”.
Entende como óbvio que António Costa e Fernando Medina, sendo sócios do
Benfica, têm o direito de votar, mas “deviam abster-se de se envolverem na vida
interna de um clube, ainda para mais numa eleição” por haver “relações
institucionais entre os cargos que ocupam e o clube em questão”. Mais diz que “Vieira
convida pessoas para uma Comissão de Honra em função das funções que ocupam, da
importância pública que têm”, ou seja, “Vieira pediu emprestada a honra da
Câmara Municipal de Lisboa e do Governo português para a sua candidatura”, o
que foi aceite sem pejo.
E, perante os casos de Justiça que rodeiam o Benfica, Luís Filipe Vieira e
o “buraco do Novo Banco”, João Paulo Batalha perorou:
“António Costa não devia participar num
processo eleitoral de um clube e muito menos na defesa deste candidato, lamento
muito. Luís Filipe Vieira não foi condenado por coisa alguma ainda – acho que o
será, apenas, quando deixar de ser presidente do Benfica, é essa a tradição –
mas, quando o Primeiro-Ministro vem dizer que é preciso apurar o que aconteceu
no Novo Banco… Luís Filipe Vieira é um dos responsáveis pelo buraco de centenas
de milhões de euros. E isso não impede o Primeiro-Ministro de integrar uma
Comissão de Honra? Isto é bizarro... A
não ser que Luís Filipe Vieira mande mais no país do que aquilo que nós
julgamos.” (Sublinhei).
***
Costa
garantiu não estar preocupado com os casos judiciais que envolvem
dirigentes do Benfica, como Luís Filipe Vieira – arguido na Operação Lex – ou
Paulo Gonçalves – mesma condição no caso dos e-mails e na operação E-Toupeira.
Em entrevista à Visão, o
Primeiro-Ministro não fugiu aos temas polémicos do momento. E disse:
“Se estou preocupado com os casos
judiciais que envolvem dirigentes do Benfica? Não (risos). Eu não sou
adepto do meu clube por causa dos dirigentes. Num Estado de Direito ninguém
está acima da lei e a tranquilidade de viver num país onde esse princípio se
verifica é um fator de confiança no funcionamento da sociedade. (…) As
autoridades devem agir sempre que se justifique porque ninguém está acima da
lei.”.
Dado o clima de tensão que se vive no futebol português, o Chefe do Governo
foi questionado sobre se o Governo não deveria intervir, manifestando “esperança”
de que não seja necessário chegar a esse ponto e que “as pessoas tenham bom
senso e não deem cabo de uma atividade onde Portugal tem enormes
responsabilidades”. Aí, confessou:
“Adoro o futebol dentro das quatro linhas,
mas detesto tudo o que se passa fora das quatro linhas... Espero que o que se
passa fora das quatro linhas não faça esmorecer o meu gosto e o gosto de
milhões de adeptos pelo jogo.”.
E, confrontado com a decisão do Governo grego em suspender o
campeonato local devido à violência, reconheceu que “aí houve um dirigente que entrou
de pistola no meio do campo”, mas logo atalhou que “ainda não chegámos a esse
ponto”.
***
Tendo o Primeiro-Ministro
dito e redito que este não é assunto relacionado com política, o Presidente da
República não comenta, mas diz que vai falar com ele na audiência desta semana.
Na visita a
Alcoutim, um dos jornalistas, segundo o Público,
interpelou o Presidente:
“Sei que é um adepto fervoroso do Sporting Clube de Braga. Se António
Salvador [presidente do Braga] fosse candidatar-se amanhã aceitaria integrar a sua
comissão de honra?”.
Marcelo Rebelo
de Sousa respondeu:
“Isso é uma maneira subtil de querer saber a minha opinião sobre a
posição do Primeiro-Ministro relativamente às eleições do Benfica. O que eu sei
é através da comunicação social e o que eu ouvi foi a explicação do senhor
Primeiro-Ministro dada na comunicação social. Só
saberei mais na audiência [com Costa] daqui por uns dias.”.
O Presidente
da República disse que “se trata aqui é de uma situação concreta, envolvendo um
titular dum órgão de soberania, um clube de futebol, um ato eleitoral dum clube
de futebol, em determinadas circunstâncias, num contexto político e jurisdicional
também determinado” – “muitas componentes para se fazer teoria abstrata”. E à TVI esclareceu que o que sabe o sabe apenas pela comunicação social,
pelo que não vai fazer “especulações”. E apontou:
“Não tive ocasião de falar com o senhor Primeiro-Ministro sobre a
matéria. Poderei ou não falar subsequentemente, nomeadamente porque há sempre
uma relação semanal à quinta-feira, é hábito em Belém uma audiência ao
Primeiro-Ministro.”.
E,
questionado pela TVI sobre se voltaria a fazer a parte da comissão de honra de
um candidato à presidência de um clube – António Salvador, do Sporting de Braga
– agora que tem um cargo político, respondeu quase como em Alcoutim:
“É uma maneira hábil de perguntar a mesma coisa da mesma forma. Como a
minha ideia é não comentar, se respondesse, estaria a fazer o contrário do que
disse que é: não vou comentar.”.
***
Excetuando
o presidente da Associação
Cívica Integridade e Transparência, a crítica deixa de fora Fernando Medina,
presidente da Câmara Municipal de Lisboa. E Pinto da Costa, que teve o
presidente da Câmara Municipal do Porto como cabeça de lista ao Conselho
Superior do clube portista, a que preside, critica António Costa por outras
razões que não têm a ver com a promiscuidade entre política e futebol, que só
existe no Benfica, em seu entender, mas pela atitude restritiva do Governo
mantendo o público afastado dos estádios.
Ora, apesar de
os membros da comissão de honra da recandidatura de Vieira serem sonantes, os
mais problemáticos são obviamente Costa e Medina.
Medina,
presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não precisava de dividir nem a
cidade, que tem dois clubes de peso (Benfica e Sporting), nem as diversas candidaturas à eleição do Benfica.
Costa é o
Primeiro-Ministro, ou seja, o chefe dum órgão de soberania. Por esse lado, a
sua postura é divisionista e, quer ele o queira, quer não o queira, é
eminentemente política. Se já não vale o aforismo costista “À justiça o que e
da justiça e à política o que é da política”, porque os tribunais são órgãos do
poder político, muito menos pode o Primeiro-Ministro separar o futebol, da
política, visto que é ao nível dos executivos que se criam as maiores
dependências e se esgrime o bolo maior do capital de relação. Depois, Costa
agora engole o veneno que produziu, quando advertiu que os membros do Governo
se devem lembrar sempre de que o são, mesmo no café ou em casa. Porque não
quando estão no clube?
É certo que o
código de conduta dos membros do Governo, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 184/2019, de 3 de dezembro, ao
abrigo do art.º 19.º da Lei 52/2019 de 31 de julho, que aprova o regime do exercício de funções por titulares
de cargos políticos e altos cargos públicos, não proíbe a promiscuidade entre o futebol (em especial o
Benfica) e a ação governativa. Aliás, Costa nem parece estar abrangido pelo
código de conduta, pois tudo o que é excecional é de reportar ao Primeiro-Ministro
(vd
texto do código). Porém, ele bem sabe como é prejudicial e
descredibilizante a promiscuidade entre a ação governativa e o futebol, entre a
política e a banca, ou entre a política e as empresas, pelo que não pode vir
agora propalar Urbi et Orbi que isto
nada tem a ver com a política. E é de lamentar que não esteja preocupado com os casos
judiciais que envolvem dirigentes desportivos – do Benfica ou de outros clubes.
Lá que não interfira nos processos, sim, mas que não esteja preocupado… é
preocupante.
Marcelo não
gostou. E, não comentando, comentou ao remeter “em público” para conversa com o
Chefe do Governo. Porém, não censurou o apoio do Primeiro-Ministro na AutoEuropa
à sua recandidatura presidencial ou a sua declaração ao Expresso de que seria dramático se o atual Presidente não se
recandidatasse! Ora, nada é dramático em
democracia. É óbvio que, ao menos para marcar a diferença, não iria apoiar o presidente
do Braga, a menos que acordasse com a euforia futebolística em alta.
2020.09.14
– Louro de Carvalho
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