segunda-feira, 14 de setembro de 2020

O apoio do Primeiro-Ministro à candidatura de Luís Filipe Vieira

 

António Costa, Chefe do Governo de Portugal, e Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, integram a comissão de honra da recandidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica nas eleições agendadas para outubro, como foi adiantado, a seu tempo, pelo Expresso e confirmado pelos respetivos gabinetes. E, entre as mais de 500 personalidades que apoiam Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica desde 2003, destacam-se ainda os nomes de Rui Pereira, antigo Ministro da Administração Interna, Duarte Pacheco, deputado do PSD, Telmo Correia, deputado do CDS, Joaquim Santos, presidente do Câmara Municipal do Seixal, ou António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal.

As reações não se fizeram esperar. Miguel Sousa Tavares diz que o Primeiro-Ministro está, assim, a assumir-se como testemunha abonatória de Vieira. Os adversários da recandidatura do atual presidente do clube estão indignados. Marques Mendes, comentador político, reprova a atitude de Costa. Ana Gomes, candidata às eleições presidenciais ao arrepio da direção do PS, considera a inconsequência do Primeiro-Ministro, que avisou, em tempos, que os membros do Governo não podem esquecer que o são, mesmo quando estão à mesa do café ou em casa. O PAN espera que António Costa volte atrás. E os líderes do PSD, CDS e BE acusam a nítida promiscuidade entre a política e o futebol, agora reforçada pelo Chefe do Governo.

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Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do FC Porto, é o mais recente nome a juntar-se aos muitos que vieram a público criticar a presença do Primeiro-Ministro na comissão de honra da candidatura de Vieira às eleições do Benfica. Em declarações ao jornal “O Jogo”, apontou, por um lado, o dedo à habitual presença de vários elementos do Governo nos jogos do Benfica e, por outro, questionou se será bom para Vieira ter na comissão de honra “o responsável pela destruição e falência dos portugueses”. E o líder dos ‘dragões’ atirou:

Estamos na linha da frente entre os países com maior carga fiscal da Europa e, mesmo sabendo que não temos receitas, por não ser permitido ter público, o Governo não baixa, nem suspende parcialmente, os altos impostos que caem sobre os clubes”.

Pinto da Costa vai mais longe ao dizer que o Primeiro-Ministro se arrisca a “ficar na história como o homem que asfixiou os clubes de futebol e matou as modalidades”, ao não permitir que o regresso dos adeptos aos estádios.

Ainda no âmbito das mesmas declarações, o dirigente portista frisou que só no Estádio da Luz vê a tão falada “promiscuidade” entre futebol e política, não sentindo essa promiscuidade nos outros estádios. E ironizou:

Raramente vejo políticos no futebol, tirando o camarote presidencial do Estádio da Luz. Nalguns jogos, parece que está a haver uma reunião do Conselho de Ministros. Se há promiscuidade, não é propriamente no futebol. Só ali.”.

Em entrevista à SIC Notícias, João Paulo Batalha, presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência, criticou a presença do Primeiro-Ministro e do presidente da Câmara Municipal de Lisboa na Comissão de Honra às eleições da candidatura de Luís Filipe Vieira, considerando uma “bizarria” esses apoios. Com efeito, o facto de o Primeiro-Ministro e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa integrarem a Comissão de Honra de Vieira às eleições é algo que, para João Paulo Batalha, “não faz sentido”, pelo que explicitou:

Confesso que já estou habituado a ver promiscuidades entre futebol e política, mas até eu estou perplexo com este caso. Isto é mau a três ou quatro níveis.”.

Entende como óbvio que António Costa e Fernando Medina, sendo sócios do Benfica, têm o direito de votar, mas “deviam abster-se de se envolverem na vida interna de um clube, ainda para mais numa eleição” por haver “relações institucionais entre os cargos que ocupam e o clube em questão”. Mais diz que “Vieira convida pessoas para uma Comissão de Honra em função das funções que ocupam, da importância pública que têm”, ou seja, “Vieira pediu emprestada a honra da Câmara Municipal de Lisboa e do Governo português para a sua candidatura”, o que foi aceite sem pejo.

E, perante os casos de Justiça que rodeiam o Benfica, Luís Filipe Vieira e o “buraco do Novo Banco”, João Paulo Batalha perorou:

António Costa não devia participar num processo eleitoral de um clube e muito menos na defesa deste candidato, lamento muito. Luís Filipe Vieira não foi condenado por coisa alguma ainda – acho que o será, apenas, quando deixar de ser presidente do Benfica, é essa a tradição – mas, quando o Primeiro-Ministro vem dizer que é preciso apurar o que aconteceu no Novo Banco… Luís Filipe Vieira é um dos responsáveis pelo buraco de centenas de milhões de euros. E isso não impede o Primeiro-Ministro de integrar uma Comissão de Honra? Isto é bizarro... A não ser que Luís Filipe Vieira mande mais no país do que aquilo que nós julgamos.” (Sublinhei).

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Costa garantiu não estar preocupado com os casos judiciais que envolvem dirigentes do Benfica, como Luís Filipe Vieira – arguido na Operação Lex – ou Paulo Gonçalves – mesma condição no caso dos e-mails e na operação E-Toupeira. Em entrevista à Visão, o Primeiro-Ministro não fugiu aos temas polémicos do momento. E disse:

Se estou preocupado com os casos judiciais que envolvem dirigentes do Benfica? Não (risos). Eu não sou adepto do meu clube por causa dos dirigentes. Num Estado de Direito ninguém está acima da lei e a tranquilidade de viver num país onde esse princípio se verifica é um fator de confiança no funcionamento da sociedade. (…) As autoridades devem agir sempre que se justifique porque ninguém está acima da lei.”.

Dado o clima de tensão que se vive no futebol português, o Chefe do Governo foi questionado sobre se o Governo não deveria intervir, manifestando “esperança” de que não seja necessário chegar a esse ponto e que “as pessoas tenham bom senso e não deem cabo de uma atividade onde Portugal tem enormes responsabilidades”. Aí, confessou:

Adoro o futebol dentro das quatro linhas, mas detesto tudo o que se passa fora das quatro linhas... Espero que o que se passa fora das quatro linhas não faça esmorecer o meu gosto e o gosto de milhões de adeptos pelo jogo.”.

E, confrontado com a decisão do Governo grego em suspender o campeonato local devido à violência, reconheceu que “aí houve um dirigente que entrou de pistola no meio do campo”, mas logo atalhou que “ainda não chegámos a esse ponto”.

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Tendo o Primeiro-Ministro dito e redito que este não é assunto relacionado com política, o Presidente da República não comenta, mas diz que vai falar com ele na audiência desta semana.

Na visita a Alcoutim, um dos jornalistas, segundo o Público, interpelou o Presidente:

Sei que é um adepto fervoroso do Sporting Clube de Braga. Se António Salvador [presidente do Braga] fosse candidatar-se amanhã aceitaria integrar a sua comissão de honra?”.

Marcelo Rebelo de Sousa respondeu:

Isso é uma maneira subtil de querer saber a minha opinião sobre a posição do Primeiro-Ministro relativamente às eleições do Benfica. O que eu sei é através da comunicação social e o que eu ouvi foi a explicação do senhor Primeiro-Ministro dada na comunicação social. Só saberei mais na audiência [com Costa] daqui por uns dias..

O Presidente da República disse que “se trata aqui é de uma situação concreta, envolvendo um titular dum órgão de soberania, um clube de futebol, um ato eleitoral dum clube de futebol, em determinadas circunstâncias, num contexto político e jurisdicional também determinado” – “muitas componentes para se fazer teoria abstrata”. E à TVI esclareceu que o que sabe o sabe apenas pela comunicação social, pelo que não vai fazer “especulações”. E apontou:

Não tive ocasião de falar com o senhor Primeiro-Ministro sobre a matéria. Poderei ou não falar subsequentemente, nomeadamente porque há sempre uma relação semanal à quinta-feira, é hábito em Belém uma audiência ao Primeiro-Ministro.”.

E, questionado pela TVI sobre se voltaria a fazer a parte da comissão de honra de um candidato à presidência de um clube – António Salvador, do Sporting de Braga – agora que tem um cargo político, respondeu quase como em Alcoutim:

É uma maneira hábil de perguntar a mesma coisa da mesma forma. Como a minha ideia é não comentar, se respondesse, estaria a fazer o contrário do que disse que é: não vou comentar.”.

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Excetuando o presidente da Associação Cívica Integridade e Transparência, a crítica deixa de fora Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa. E Pinto da Costa, que teve o presidente da Câmara Municipal do Porto como cabeça de lista ao Conselho Superior do clube portista, a que preside, critica António Costa por outras razões que não têm a ver com a promiscuidade entre política e futebol, que só existe no Benfica, em seu entender, mas pela atitude restritiva do Governo mantendo o público afastado dos estádios.

Ora, apesar de os membros da comissão de honra da recandidatura de Vieira serem sonantes, os mais problemáticos são obviamente Costa e Medina.

Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não precisava de dividir nem a cidade, que tem dois clubes de peso (Benfica e Sporting), nem as diversas candidaturas à eleição do Benfica.

Costa é o Primeiro-Ministro, ou seja, o chefe dum órgão de soberania. Por esse lado, a sua postura é divisionista e, quer ele o queira, quer não o queira, é eminentemente política. Se já não vale o aforismo costista “À justiça o que e da justiça e à política o que é da política”, porque os tribunais são órgãos do poder político, muito menos pode o Primeiro-Ministro separar o futebol, da política, visto que é ao nível dos executivos que se criam as maiores dependências e se esgrime o bolo maior do capital de relação. Depois, Costa agora engole o veneno que produziu, quando advertiu que os membros do Governo se devem lembrar sempre de que o são, mesmo no café ou em casa. Porque não quando estão no clube?

É certo que o código de conduta dos membros do Governo, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 184/2019, de 3 de dezembro, ao abrigo do art.º 19.º da Lei 52/2019 de 31 de julho, que aprova o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, não proíbe a promiscuidade entre o futebol (em especial o Benfica) e a ação governativa. Aliás, Costa nem parece estar abrangido pelo código de conduta, pois tudo o que é excecional é de reportar ao Primeiro-Ministro (vd texto do código). Porém, ele bem sabe como é prejudicial e descredibilizante a promiscuidade entre a ação governativa e o futebol, entre a política e a banca, ou entre a política e as empresas, pelo que não pode vir agora propalar Urbi et Orbi que isto nada tem a ver com a política. E é de lamentar que não esteja preocupado com os casos judiciais que envolvem dirigentes desportivos – do Benfica ou de outros clubes. Lá que não interfira nos processos, sim, mas que não esteja preocupado… é preocupante.

Marcelo não gostou. E, não comentando, comentou ao remeter “em público” para conversa com o Chefe do Governo. Porém, não censurou o apoio do Primeiro-Ministro na AutoEuropa à sua recandidatura presidencial ou a sua declaração ao Expresso de que seria dramático se o atual Presidente não se recandidatasse! Ora, nada é dramático em democracia. É óbvio que, ao menos para marcar a diferença, não iria apoiar o presidente do Braga, a menos que acordasse com a euforia futebolística em alta.

2020.09.14 – Louro de Carvalho

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