segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Preparação e vigilância são marcas de sabedoria e de previdência

 

Devemos estar preparados para a vida e vigiar pela vida. Não se trata da vida breve e mesquinha, mas da vida sublime, como Deus a sonhou para nós, e que não terá fim. É a preparação do caráter do homem que ama a Deus, para arriscar por Ele; é a vigilância pela defesa do caminho fortificado sobre o qual peregrinamos nesta vida e pela defesa das fortificações onde retemperamos o ânimo para a caminhada, por vezes, espinhosa.    

Congraçam-se, nesta perspetiva, os trechos da primeira leitura e do Evangelho da liturgia do 32.º domingo do Tempo Comum no Ano A, que instam à sabedoria e à previdência da vigilância, pois a segunda vinda do Senhor Jesus está no horizonte final da História humana, devendo nós, por isso, caminhar atentos ao Senhor que vem e com o coração preparado para O acolher.

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A primeira leitura (Sb 6,12-16) entende a sabedoria como dom gratuito de Deus ao homem, mostrando como Deus se preocupa com a felicidade dos homens, seus filhos, a cuja disposição coloca a fonte de onde jorra a vida infinda, restando-lhes estar atentos, vigilantes e disponíveis para o acolhimento, em cada instante, da vida e da salvação de Deus para todos.

O Livro da Sabedoria é o mais recente dos livros do Antigo Testamento (AT), surgido na primeira metade do século I a.C. O autor é judeu de língua grega, nascido e educado na Diáspora (quiçá em Alexandria), que, exprimindo-se em termos e conceções do mundo helénico, faz o encómio da sabedoria israelita, expõe a sorte que espera o justo e o ímpio no Além e descreve, com exemplos do Êxodo, as sortes diversas que tiveram os pagãos, idólatras, e os hebreus, fiéis a Javé. O objetivo é levar os compatriotas judeus, imersos no paganismo, na idolatria, na imoralidade, a redescobrirem a fé dos pais e os valores judaicos e levar os pagãos a verificarem o absurdo da idolatria e adorarem o verdadeiro e único Deus, pois, só Javé garante a sabedoria e a felicidade.

O trecho em evidência pertence à segunda parte do livro (Sb 6,1-9,18), em que o autor põe na boca do rei Salomão (embora não lhe refira) o elogio da sabedoria.

Salomão convida os outros reis a acolher a sabedoria, pois ela é bela, inalterável e garante a imortalidade e o reinado eterno.

A sabedoria, como arte de bem viver e de ser feliz, abarca um conjunto de princípios ou normas comportamentais, deduzidas da reflexão e da experiência, que orientam o homem sobre a forma de se conduzir na vida quotidiana, proporcionando-lhe uma vida harmoniosa, equilibrada, ordenada, cheia de êxito. Todavia, a reflexão israelita identifica a sabedoria com a Torah (Lei de Deus). Ser sábio é, pois, cumprir os mandamentos da Lei, pois na sabedoria revelada por Javé, está o caminho do êxito, pela superação dos obstáculos que a vida nos confronta. É neste sentido que se deve entender o convite à sabedoria.

A sabedoria não é, na ótica do hagiógrafo, algo misterioso e oculto que o homem tem dificuldade em encontrar. Antes brilha com brilho inalterável e atraente, que prende o olhar de quem a demanda. Não é preciso correr atrás dela, com cuidado e fadiga, Basta sentir interesse por ela e amá-la. Quem a ama nela tropeça facilmente, nas circunstâncias comuns da vida quotidiana: à porta da casa, nos caminhos e na intimidade dos pensamentos. Para que ilumine a vida do homem, só é precisa a disponibilidade para a acolher.

A sabedoria é, pois, um dom de Deus para que o homem saiba conduzir a sua vida ao encontro da vida e da felicidade. Deus não é adversário do homem, com ciúmes dele, preocupado em lhe impedir a felicidade e a realização, mas é cheio de amor, preocupado em oferecer ao homem todas as possibilidades de ser feliz e de se realizar plenamente. Deus é o Pai cheio de amor, preocupado com a felicidade dos filhos, sempre disposto a oferecer-lhes, gratuitamente, os seus dons e a orientá-los para a vida e para a salvação. Esta realidade postula uma atenção contínua, a fim de detetarmos e acolhermos os dons que Deus nos oferece a cada instante. Ao homem só é pedido que não se feche no egoísmo e na autossuficiência, mas abra o coração à graça de Deus.

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O Evangelho (Mt 25,1-13) adverte que estar preparado para acolher o Senhor é o mesmo que viver diariamente na fidelidade aos ensinamentos de Jesus e no compromisso com os valores do Reino. Com o exemplo das cinco jovens insensatas que não levaram azeite suficiente para se manterem acesas as lâmpadas, enquanto aguardavam a chegada do noivo, ficamos a saber que só os valores do Evangelho nos asseguram a participação no banquete do Reino.

Nos capítulos 24 e 25 do seu Evangelho, Mateus apresenta o quinto e último discurso de Jesus. Para o compor, reelaborou o discurso escatológico de Marcos e ampliou-o com três parábolas e com a impressionante visualização do juízo final. Enquanto o discurso em Marcos refere, especialmente, os sinais que precederão a destruição do Templo de Jerusalém, em Mateus aborda, sobretudo, o tema da segunda vinda de Jesus e a atitude que os discípulos devem ter na preparação dessa vinda. Esta mudança de agulha responde às necessidades da comunidade mateana.

Em fins do século I, passara a febre da escatologia e os cristãos já não tinham como iminente a vinda de Jesus. Sem o entusiasmo inicial, arrefecera a vida de fé e instalara-se a comunidade na rotina, no comodismo, na facilidade. Era preciso abanar os discípulos e despertá-los, de novo, para o compromisso evangélico. E Mateus, vendo que o discurso escatológico encerra poderosa interpelação, compõe, com ele, uma exortação aos cristãos. Recorda-lhes que a segunda vinda do Senhor está no horizonte da História, mas, enquanto não se realiza, os crentes são chamados a viver com coerência e entusiasmo a fé, na fidelidade aos ensinamentos de Jesus e comprometidos com a construção do Reino, isto é, a estar vigilantes, à espera do Senhor que vem.

A parábola em referência alude aos rituais dos casamentos judaicos. Segundo os costumes, a cerimónia do casamento começa com a ida do noivo a casa da noiva, para a levar para a sua nova casa. O noivo chega atrasado, porque, antes, discute com os familiares da noiva os presentes que lhes oferecerá. As negociações entre as duas partes são demoradas e têm importante função social. Os parentes da noiva mostram-se exigentes, sugerindo, desse modo, que a família perde algo de muito precioso, ao entregar a noiva a outra família. Também o noivo e os seus familiares ficam contentes com as exigências, pois mostram aos vizinhos e conhecidos o valor e a importância da mulher que entra na sua família. As testemunhas do convénio prontificam-se para avisar a noiva de que as negociações estão concluídas, pelo que o noivo vai chegar. Entretanto, a noiva, vestida a preceito, espera em casa do seu pai que o noivo venha ao seu encontro. As amigas da noiva esperam com as lâmpadas acesas, para acompanhar a noiva, entre danças e cânticos, à sua nova casa, onde terá lugar a festa do casamento.

A parábola das dez virgens, como saiu da boca de Jesus, era uma parábola do Reino (“o Reino dos Céus pode comparar-se…”). O Reino de Deus é comparado a uma das celebrações mais alegres e mais que os Israelitas conheciam: o banquete de casamento. As dez jovens, representam a totalidade do Povo de Deus, que espera a chegada do Messias (o noivo). Uma parte do Povo (as jovens previdentes) está preparada e, quando o Messias aparece, pode entrar a fazer parte da comunidade do Reino, ao passo que a outra parte (as jovens descuidadas) não está preparada e não pode entrar na comunidade do Reino. A parábola original era o apelo aos Israelitas a não perderem a oportunidade de participar na festa do Reino. Contudo, para obviar às necessidades da comunidade, a parábola foi convertida numa exortação à preparação e à vigilância com a mira na vinda do Senhor, que pode ocorrer no momento menos esperado.

A festa é a da segunda vinda de Jesus. O noivo que está para chegar é Jesus. As jovens representam a Igreja que, experimentando as históricas dificuldades e perseguições, anseia pela chegada da libertação definitiva. Uma parte (as previdentes) está preparada, vigilante, atenta e, quando o noivo chegar, entrará no banquete da vida; a outra parte (as descuidadas) não está preparada, porque, apostada nos valores mundanos, guiou a vida por eles e esqueceu os valores do Reino.

“Estar preparado para acolher a vinda do Senhor” significa, na lógica mateana, escutar a palavra de Jesus, acolhê-la no coração e viver de forma coerente com os valores evangélicos; significa viver na fidelidade ao desígnio do Pai e amar os irmãos até ao dom da vida, em todos os instantes da nossa existência.

A mensagem da parábola aos cristãos da comunidade mateana e aos cristãos de todas as comunidades cristãs de todos os tempos e lugares é: os crentes não podem afrouxar a vigilância e enfraquecer o compromisso com os valores do Reino. Com o tempo, as comunidades tendem a instalar-se no comodismo, no descuido, na vida de fé que não compromete, na religião de meias tintas, no testemunho pouco empenhado e pouco coerente. Por isso, urge renovar, diariamente, o compromisso com Jesus. A certeza de que Ele virá deve impulsionar o compromisso ativo com os valores do Evangelho, na fidelidade aos ensinamentos de Jesus e ao compromisso com o Reino.

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Na segunda leitura (1Ts 4,13-18), Paulo garante aos Tessalonicenses que Jesus virá de novo, para concluir a História humana e para inaugurar o mundo definitivo. Quem tiver aderido a Jesus e se tiver identificado com Ele irá ao encontro do Senhor e ficará com Ele para sempre.

Paulo teve pouco tempo para evangelizar Tessalónica. Após algumas semanas de pregação, por força de um motim preparado pelos Judeus, deixou precipitadamente a cidade, ficando atrás de si uma comunidade cristã fervorosa e entusiasta, mas insuficientemente preparada do ponto de vista catequético. O apóstolo foi para Bereia, depois para Atenas e Corinto. De Corinto, enviou Timóteo a Tessalónica, para verificar como se estava a aguentar a comunidade, face à hostilidade dos Judeus. No regresso a Corinto, Timóteo deu conta da situação da comunidade: vivia a fé com entusiasmo, embora tivesse dúvidas em questões de doutrina.

Um dos problemas teológicos que mais preocupava os Tessalonicenses era a questão da parusia (regresso de Jesus no fim dos tempos). Paulo e as primeiras gerações cristãs acreditavam que esse dia surgiria em curto espaço de tempo e que assistiriam ao triunfo final de Jesus. A este propósito, os Tessalonicenses questionavam-se sobre qual será a sorte dos cristãos que morrerem antes da segunda vinda de Cristo e sobre como sairão ao encontro de Cristo vitorioso, para entrarem com Ele no Reino de Deus, se já estão mortos.

O apóstolo confirma o que lhes havia ensinado: Cristo virá para concluir a História humana; e todo aquele que tiver aderido a Cristo e se tiver identificado com Ele, morto ou vivo, encontrará a salvação. Se Cristo recebeu do Pai a vida que não acaba, quem se identifica com Cristo está destinado a vida semelhante. Com efeito, a morte não tem poder sobre Cristo nem sobre os seus seguidores. Isto, enchendo de esperança o cristão, torna-o sereno e cheio de ânimo.

Quanto ao modo como os que já morreram assistirão ao triunfo final de Cristo, Paulo não é muito explícito, pois sabe que se trata de uma realidade misteriosa, que transcende a lógica e a linguagem humanas. Todavia, para descrever a passagem do homem velho para o estado do homem novo que vive, para sempre, junto de Deus, recorre ao género apocalítico, género literário que utiliza a imagem e o símbolo – a linguagem adequada para expressar uma realidade que nos ultrapassa e que não sabemos definir e explicar.

O quadro que Paulo traça é: os crentes que morreram ressuscitarão primeiro (“à voz do arcanjo”, “ao som da trombeta de Deus” – elementos da escatologia judaica); depois, em companhia de “nós, os vivos”, irão ao encontro do Senhor que vem na sua glória e permanecerão com Ele para sempre. Porém, o que está em causa não é o quadro fotográfico da última vinda do Senhor, mas tranquilizar os Tessalonicenses, assegurando que não haverá diferença ou discriminação entre os que morreram antes da vinda de Jesus e os que permanecerem vivos até esse instante: uns e outros encontrar-se-ão com o Senhor Jesus, partilharão o seu triunfo e entrarão com Ele na glória.

A certeza da ressurreição garante-nos que Deus tem um desígnio de salvação e de vida para cada homem e que está a realizar-se continuamente em nós, até à sua concretização plena, quando nos encontrarmos definitivamente com Deus. O presente não é, pois, um drama absurdo, sem sentido ou finalidade; é a caminhada tranquila, confiante – embora feita no sofrimento e na dor – em direção ao desabrochar pleno para essa vida total em que se revelará o Homem Novo. Isto não quer dizer que devamos ignorar as coisas boas deste Mundo, vivendo apenas à espera da recompensa futura, no céu; quer dizer que a nossa existência deve ser – já neste mundo – a busca da vida e da felicidade, o que implicará uma não conformação com o que nos rouba a vida e nos impede de obter a felicidade plena, a perfeição última, a nós e a todos os homens, nossos irmãos.

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Depois desta descoberta, a sabedoria da preparação vigilante leva-nos a viver sem medo. Comprometidos com o Reino de Deus, temos de nos comprometer na luta pela justiça e pela paz, certos de que a injustiça e a opressão não podem pôr fim à vida que nos anima; e, na medida em que nos comprometemos com o Mundo novo inaugurado por Criso e o construímos com gestos concretos, anunciamos a ressurreição plena do Mundo, dos viventes e das coisas.

2023.11.12 – Louro de Carvalho


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