quarta-feira, 29 de novembro de 2023

O papel da Europa no Mundo e as condições do alargamento da UE

 

De 24 a 26 de novembro, no palácio presidencial de Cascais, decorreu a primeira edição do Conclave Europeu, nova estratégia de encontro anual, lançada pela EuropaNova e, neste ano, sob o alto patrocínio do Presidente da República de Portugal. Evento transpartidário e transdisciplinar, reúne, em nome individual, 50 personalidades influentes da União Europeia (UE).

“Todo o participante trouxe uma visão única, essencial para a construção de uma Europa resiliente e inovador”, disse Guillaume Klossa, presidente executivo da EuropaNova, ex-conselheiro do grupo de reflexão sobre o futuro da Europa presidido por Felipe González, e iniciador do Conclave. O objetivo é identificar os assuntos conexos com o horizonte 2040 que não são fontes de prioridades europeias ou que são ainda insuficientemente considerados. O Conclave constitui, assim, um marco na reflexão estratégica sobre o futuro da Europa, para evitar que não seja replicada a atonia europeia de 2014, na Ucrânia, ou, de 2019, com a covid-19, duas crises em que não estava disponível uma política europeia suficientemente concreta. Por outro lado, o evento é uma ocasião única para reunir alguns dos espíritos mais brilhantes e influentes da Europa para, em conjunto, esboçarem os contornos de um “futuro comum”, contribuindo para “identificar e resolver bem as questões estratégias para uma Europa forte, unida e próspera no horizonte de 2040 nos domínios geopolítico, tecnológico, democrático e dos bens comuns”.

Maria João Rodrigues, membro do comité de organização, negociadora final da Estratégia de Lisboa, do Tratado de Lisboa e do Pilar europeu dos direitos sociais, avançou: “O Tratado de Lisboa e a Estratégia de Lisboa, dois marcos da História europeia recente, foram preparados durante as reuniões na região de Lisboa. Portugal continua a ser um país muito pró-europeu, e a região de Lisboa é uma fonte de inspiração, sempre que são necessárias novas visões para o projeto europeu.”

O Conclave proporcionou aos participantes uma reflexão, em ambiente sereno, com vista a elaborar um conjunto de propostas estratégias concretas e essenciais para o futuro da Europa. Como disse Daniela Schwarzer, “é muito fácil contar a história das crises permanentes na UE”, mas a Europa tem ideias, inovação e disposição assentes em bases económicas e democráticas sólidas. Assim, “devemos prevenir e combater as crises, libertar a energia positiva e construir projetos de futuro para os Europeus”.

No final do ano, os resultados do Conclave serão publicados em relatório detalhado, com vista a contribuir para debates antes das eleições europeias de junho de 2024 e fazer a agenda estratégia da UE. E Guillaume Klossa esclareceu que a missão do Conclave é contribuir para o debate no sentido de a Europa estar em melhor posição para antecipar os grandes desafios que se perfilam, mais do que sofrê-los ou do que reagir, como tem feito nos últimos 20 anos.

Na sessão de arranque, a conferência internacional do Primeiro Conclave reuniu líderes de fora da UE – da América, da Ásia e da África – para partilharem as suas perspetivas sobre a UE e oferecerem uma panorâmica global sobre os países europeus. Com efeito, o Conclave começou por avaliar a posição e o papel da Europa no Mundo, numa abordagem de fora para dentro, tida por necessária para identificar os desafios que os europeus enfrentam. “O diálogo intercontinental é vital. Enriquece a nossa compreensão da dinâmica mundial e deve reforçar a posição da Europa no mérito internacional”, precisou Philippe Etienne, embaixador de França na Alemanha (2013-2017) e dos Estados Unidos da América (EUA) (2019-2023) e antigo conselheiro diplomático do Presidente da República francês.

Philippe Étienne abriu a primeira sessão. “O futuro da UE não pode ser imaginado sem ouvir os nossos aliados e parceiros”, disse.

Maja Piscevic, vice-presidente do East West Institute e membro do Atlantic Council, frisou que o alargamento é investimento geopolítico na segurança europeia e que é preciso demonstrar os benefícios aos cidadãos. Na insegurança geopolítica, a influência da Rússia nos Balcãs poderá diminuir. A UE detém o potencial para a paz na região. As promessas feitas aos Balcãs Ocidentais devem cumprir-se; a vontade de aderir à UE persiste, mas pode não perdurar.

Anthony Gardner, antigo embaixador americano na UE, deixou claro: “Para os EUA, e esta é uma opinião partilhada por ambos os lados do Congresso, a nossa relação girará em torno do seguinte: a UE está connosco para enfrentar os desafios colocados pela China.”

Pedro Miguel da Costa e Silva, embaixador brasileiro na UE, sublinhou: “Aspiramos ter a UE como um parceiro de valores, um colaborador qualificado na construção de consensos.”

Aart de Geus, antigo ministro dos Assuntos Sociais dos Países Baixos e secretário adjunto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), apresentou a segunda sessão. “O sentimento em alguns países europeus pode não favorecer a migração, mas é um desafio que deve ser gerido de forma justa”, insistiu.

Trisha Shetty, presidente do Comité Diretor do Fórum da Paz de Paris, disse que a Europa é a maior democracia do Mundo e que democracia é reconhecer a autonomia e a soberania de todos. Por isso, a UE deve ver os Indianos não só como clientes, mas como cidadãos detentores de direitos. “As trocas com a Índia devem prosseguir, mas num quadro de fair play democrático.”

Rukia Bakari, Oficial Sénior de Programa do Instituto Gorée, recordou que a UE é tida como antiquada e paternalista. É hora de mudar de abordagem e de atitude, rumo à igualdade.”

Na sessão de encerramento por empresas, Jean-François van Boxmeer, presidente do Conselho de Administração da Vodafone e presidente da Mesa Redonda Europeia dos Industriais (ERT), referiu, no âmbito da dinâmica industrial, que, em 2000, a China representava 5% da produção industrial mundial, enquanto os EUA e a UE se mantinham estáveis ​​em torno de 20% e 21%, respetivamente. Em 2023, assistimos a uma transformação profunda: a quota da Europa diminuiu para 14,5%, a dos EUA para 16,5%, enquanto a China avançou.

Em termos de lacunas críticas, apontou que não há um mercado único para energia ou capital, quando “a dinâmica em evolução exige uma resposta estratégica e colaborativa”.

Quanto à ação, disse que a Europa, conhecida pela sua sociedade de bem-estar, precisa de base industrial sólida para financiar as suas aspirações, pelo que urgem esforços concertados para revitalizar e reforçar as nossas capacidades industriais”.

Olhando para 2040, vozes de diversas perspetivas ofereceram insights sobre o cenário em evolução que moldará o futuro da UE. 

Para Nadia Crisan, diretora executiva do Instituto Liechtenstein da Universidade de Princeton, os acontecimentos que se desenrolarão nos EUA em 2024 influenciarão os próximos quatro anos e deixarão duradoura marca no cenário global. “O poder dos nossos valores partilhados torna-se o nosso farol em tempos de mudança”, acentuou.

Jan Krzysztof Bielecki, economista, antigo primeiro-ministro da Polónia, alertou: “Os riscos na Ucrânia são elevados. Se a Europa não conseguir prevalecer, as ambições da Rússia poderão alargar-se ainda mais, representando uma ameaça aos próprios valores que prezamos. O resultado na Ucrânia é fundamental para a preservação dos nossos princípios partilhados.”

Stjepan Oreskovic, coproprietário do Grupo M+, preconizou: “Devemos envolver-nos uns com os outros, promovendo o diálogo não apenas sobre questões atuais, mas também sobre tecnologias emergentes que moldarão o nosso futuro coletivo.”

Oliver Röpke, presidente do Comité Económico e Social Europeu, perguntou: “Ainda partilhamos o mesmo conceito de democracia na UE? A inclusão é fundamental; não podemos comprometer os direitos fundamentais. Vamos participar em debates sobre a construção de uma união social e encontrar um terreno comum para garantir uma base democrática resiliente e inclusiva.”

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Os Balcãs têm o processo de adesão à UE atrasado, porque não fizeram o trabalho de casa e a UE tem sido negligente ou indecisa. A sérvia Maja Piscevic, membro sénior do grupo de reflexão Atlantic Council, defende que, com a invasão russa da Ucrânia, o alargamento passou a ser “um imperativo para a UE, porque a segurança se tornou um novo paradigma”. Em entrevista ao Expresso, por ocasião do arranque do primeiro Conclave da organização EuropaNova, apontou como o maior entrave à adesão do seu país de origem ao bloco comunitário “a falta de vontade política para aplicar o Estado de Direito e a democracia”. Belgrado tem dado sinais contraditórios a Bruxelas, quando continua em cima da mesa a adesão da Sérvia à UE.

Os movimentos de afastamento e de reaproximação da Rússia não ajudam a Sérvia, “nem ajudam a UE a considerá-la um membro credível”. Neste caso, “há muito trabalho a fazer, o que inclui, ou deveria incluir, a resolução da questão com o Kosovo”, destaca Piscevic.

Nos Balcãs Ocidentais, estão na fase de negociação quatro países – Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia e Albânia –, enquanto a Bósnia-Herzegovina é candidata desde 2022 e o potencial candidato Kosovo não é reconhecido por cinco Estados-membros da UE (incluindo Espanha), nem pela Sérvia.

Se a Sérvia aderisse à UE em 2030, quando é suposto a UE estar pronta para o alargamento, isso significaria começar ontem com as reformas, com os cortes drásticos que têm de ocorrer e com as medidas contra a corrupção e o crime organizado, além de questões bilaterais que têm de ser resolvidas. Mas a Sérvia não tem estado alinhada com a política externa da UE. Há, pois, muito trabalho a fazer pelos países dos Balcãs Ocidentais, se quiserem aderir até 2030.

Belgrado ainda não decidiu se pode acreditar na UE e no seu compromisso com o alargamento, na sua promessa de se preparar para ele. Ora, estas coisas já deviam ter sido feitas há muito tempo – se não a 25 de fevereiro (após a invasão russa da Ucrânia), então logo a seguir.

Segundo Volodymyr Zelensky, a Rússia tudo fará para “garantir que um país dos Balcãs lute contra outro”. Porém, Maja Piscevic não hipervaloriza esse aviso, pois a discussão vem da há muito. É do interesse da Rússia manter este tipo de situações. Por isso, a adesão deve ser resolvida, não só devido à influência russa, mas também a uma séria crise de segurança na Europa. Os Balcãs fazem parte da Europa, não da UE, mas fazem parte da Europa.

O exemplo da Croácia, membro da UE há 10 anos, não colhe, pois já passaram 20 desde a Cimeira de Salónica (que definiu a política de alargamento), com promessas não cumpridas. A culpa é dos dois lados: dos Balcãs e, em concreto, da Sérvia, que não fizeram o trabalho de casa, mas a UE tem sido negligente ou indecisa. A Sérvia e outros países da região enfrentam problemas graves, sobretudo nos domínios do Estado de Direito e dos princípios da democracia, que são as fundações da UE. No entanto, quando lemos o relatório anual, a linguagem mais forte fica-se pela referência a progressos limitados, eufemismo da situação no terreno, que não ajuda.

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A UE sabe que há problemas e tensões nos Balcãs, incluindo o problema do Kosovo, cuja independência não é aceite por todos. Bem pode a presidente da Comissão Europeia pregar a bondade da adesão da Ucrânia ou dos Balcãs à UE, que a adesão não acontecerá enquanto a guerra não chegar ao fim. O contrário é que seria de estranhar. Também os Balcãs não serão integrados na UE, enquanto não resolverem os problemas de vizinhanças e não forem todos considerados Estados soberanos. Assim, a UE faz o jogo do “empata”. Quanto à democracia e aos direitos humanos, espera-se que as coisas evoluam pela positiva. Mas isso é um risco. Há vários países da UE em que a democracia regrediu e outros em que a UE impôs a troca da democracia pelos fundos europeus (a Grécia, por exemplo). Triste sina, a de uma Europa que se diz fundada na democracia!

2023.11.28 – Louro de Carvalho

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