sábado, 11 de novembro de 2023

António Costa pediu desculpa e explicou investimento empresarial

 

Não me move especial simpatia pelo atual primeiro-ministro (PM), aliás nem por nenhum dos outros, com exceção dos já falecidos Carlos Alberto da Mota Pinto e Maria de Lourdes Ruivo de Matos Pintasilgo, por motivos diferentes. Dedicaram à causa pública como se de um serviço de missão de tratasse, tomaram medidas corajosas e não tiveram tempo de abusar do poder.

No entanto, tenho-me surpreendido a falar bem de António Costa. Não está em causa a adesão às suas políticas, mas a desproporção das críticas de que elas são objeto, parecendo que se trata de uma ação concertada à esquerda e à direita, mas com pendor mais verrinoso da atual direita, quiçá pelo facto de os governos do atual PM lhe haverem tomado algumas das suas bandeiras, como as contas certas, a redução da dívida e do défice e o apoio empresarial.

É injusto, do meu ponto de vista, meter no saco de António Costa as críticas às três intervenções do Fundo Monetário Internacional (em 1977-1978, em 1983-1984 e em 2010-20011, não era membro do governo), bem como todo o alegado despautério do tempo de Sócrates. Porém, é certo que retirou o Partido Socialista (PS) das mãos de António José Seguro, sob o pretexto de as suas vitórias saberem a poucochinho, quando as de Costa também souberam a poucochinho, exceto a que outorgou ao PS a maioria absoluta, em 2022. Por outro lado, não resolveu o fantasma que a gestão política de Sócrates ficou a impender sobre a governação socialista, nem logrou expurgar do PS a tentação de “interesseirismo” nos departamentos governamentais, nos institutos públicos, nas empresas públicas e nas autarquias. Não soube (ou não quis) deixar de se rodear de gente com rabos-de-palha, alguma dela medíocre ou sem escrúpulos, e manteve na governação algumas personalidades durante demasiado tempo (é certo que o Presidente da República, nesse sentido, revelou uma andragogia inepta, ao questionar governantes, individualmente na praça pública). Além disso, vem cumprindo todas as promessas que faz, mas cujo cumprimento é bitolado por si.

Não obstante, governou o país de forma a fazer cicatrizar, a princípio, muitas das feridas sociais e económicas criadas pela crise de 2008, que acabou por induzir um programa de ajustamento económico e financeiro; descongelou a progressão das carreiras na administração pública (embora não como se queria); reforçou a universalidade da educação pré-escolar; e enfrentou a pandemia de covid-19, a economia pressionada pela guerra da Ucrânia e pelo conflito Israelo-Palestiniano, bem como a alta de juros, apoiando a investigação científica, as famílias e as empresas. Porém, a sua governação com maioria parlamentar absoluta, sob vigilância e pressão do Presidente da República (PR), que personalizou em António Costa a obtenção da maioria, ficou marcada por uma série de excessivos casos e casinhos, pelo protelamento da decisão sobre o local e tipologia do novo aeroporto internacional (depois de ter, inicialmente, preconizado a ideia da localização no Montijo), pelo ziguezague em relação à TAP e pelo atraso na concretização dos projetos da ferrovia, sobretudo na modernização de algumas linhas férreas e no desenvolvimento do sistema de comboios de grande velocidade (TGV).              

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Apesar de o PM ter insistido no refrão “à Justiça o que é da Justiça e à política o que é da política” e ter descurado o tratamento político dos casos de políticos acossados pela Justiça, agora que se encontra fustigado pela investigação judiciária que impende sobre colaboradores próximos (alguns dos quais se encontram detidos e outros constituídos arguidos) e se vê objeto de um inquérito crime por ter desbloqueado determinados negócios, não esperou que a Justiça se pronunciasse, mas apresentou, de imediato, o seu pedido de demissão, aduzindo que a suspeita não dignificava o exercício das funções de chefe do governo, como garantiu não se candidatar nas próximas eleições. Enfim, a Política não questiona a Justiça, mas esta derruba a Política!

Por mais que se diga o contrário, o inquérito judicial tirou o tapete político a António Costa.

Com o evoluir da situação, entendeu fazer, a 11 de novembro, uma comunicação ao país, a partir da residência oficial do primeiro-ministro, a propósito do processo que motivou a demissão, pedindo que se não confunda a responsabilidade individual com o exercício da ação governativa.

“A apreensão de envelopes com dinheiro no gabinete de uma pessoa que escolhi para comigo trabalhar, mais do que me magoar pela confiança traída, envergonha-me perante os Portugueses, e aos Portugueses tenho o dever de pedir desculpa”, afirmou. Era de esperar, mas fez bem.

Vincando a importância de não se confundir “a responsabilidade individual de quem quer que seja, que só à Justiça cabe investigar e punir, se for o caso, com o que é e deve ser o exercício da ação governativa”, disse falar ao país, “para que Portugal não desperdice oportunidades estratégicas para o seu desenvolvimento e, sobretudo, para que futuros governos não percam instrumentos de ação política que são essenciais à atração do investimento, à valorização dos nossos recursos naturais, e ao pleno aproveitamento das infraestruturas de que o país dispõe”.

Nesse sentido, o PM sublinhou três ideias fundamentais, que, a seguir, se sintetizam.

“Hoje e sempre o investimento empresarial é desejado, é bem-vindo e será bem acolhido.” É dever dos governos a atração de investimento empresarial, nomeadamente o estrangeiro, disse, realçando: “Orgulho-me de, nestes oito anos, o investimento direto estrangeiro ter alcançado 56 mil milhões de euros, investimento que contribuiu para a criação de mais de 640 mil novos postos de trabalho, dos quais 495 mil qualificados.” 

Depois, frisou: “O esforço da atração de investimento, designadamente a concessão de incentivos financeiros ou a aplicação de regras especiais a projetos classificados como de interesse nacional têm de decorrer com total transparência.” E, para a garantir, no dizer do PM, requer-se um esforço que “é regulado por lei, depende de avaliações técnicas exigentes por entidades colegiais, está sujeito a fiscalização e nunca, por  nunca, pode resultar de mera decisão arbitrária ou discricionária de qualquer membro do governo”.

Em seguida, falou diretamente para todos os que têm investido em Portugal: “Quero aqui dizer que, hoje e sempre, o investimento empresarial é desejado, é bem-vindo e será bem acolhido.” 

“A simplificação promove a transparência; a burocracia promove a opacidade”, é a segunda ideia. “A simplificação de procedimentos promove a transparência”, afirmou o PM, marcando a importância, para as empresas, da redução de burocracia e da eliminação dos custos de contexto no investimento. Foi neste sentido que, em 2021, o governo iniciou um Simplex do licenciamento, “objeto de amplas e participadas discussões públicas”, o que se traduziu na simplificação do licenciamento ambiental, em vigor desde o início de 2023, e da aprovação da simplificação do licenciamento da construção de habitações e do licenciamento industrial, cujo diploma aguarda a apreciação e a desejável promulgação da parte do PR.

“A qualquer governo compete assegurar a melhor harmonização dos diferentes interesses públicos em presença” é a terceira ideia. “Quase sempre o interesse público na atração de investimento exige a harmonização com outros interesses públicos tão ou mais relevantes, como são a preservação de valores ambientais, o desenvolvimento regional, o bem-estar das populações ou a garantia da salutar concorrência entre empresas, o que exige negociação, articulação, concertação”, considerou o chefe do governo.

Ao governo, enquanto órgão máximo da administração pública, “compete assegurar a devida articulação entre os diferentes organismos e procurar assegurar que o resultado final é a melhor satisfação do interesse público no seu conjunto, ou seja, a melhor harmonização dos diferentes interesses públicos em presença”. Neste sentido, o licenciamento da exploração de minas de lítio em Montalegre ou em Boticas foi sujeito a um estudo de impacte ambiental, e os concessionários foram obrigados a cumprir as condições impostas por tais estudos, tanto na escolha de uma localização para a refinaria que assegure a preservação do lobo ibérico, como no garante das necessidades de abastecimento de água ou na construção de nova via para ligação à autoestrada.

António Costa explicitou que “esta exigência de compatibilização das diferentes dimensões do interesse público é particularmente crítica e particularmente exigente em Sines”, onde convivem “a ambição oficializada, deste 1971, de fazer de Sines um grande polo de implantação industrial concentrada, com o nosso maior porto de águas profundas, e também um parque natural já criado em 1995, e com a proteção ambiental sucessivamente reforçada por decisões tomadas em 1997, em 2019 e em 2020, com a classificação como Zona Especial de Conservação”.

E garantiu: “Todos os projetos em desenvolvimento em Sines, designadamente o Centro de Dados, que é o maior investimento estrangeiro realizado em Portugal, desde a instalação da Autoeuropa, têm sido obrigados a respeitar a Zona Especial de Conservação, bem como os valores ambientais identificados dentro da própria zona industrial.”

António Costa explicou também que “a intensidade de projetos em curso e pré-anunciados exige que a Rede Elétrica Nacional realize avultados investimentos no reforço da rede elétrica”, razão pela qual o governo lançou um procedimento concorrencial “que permitirá precisamente planear com segurança os investimentos que são necessários na rede elétrica nacional e que obrigou também à redistribuição de direitos de utilização da rede, que já estavam concedidos a privados, mas ainda não utilizados, de forma a aumentar a disponibilidade de rede para os investimentos que estão anunciados”.

A seguir, veio o esclarecimento sobre o papel dos órgãos da Justiça: “Cabe às autoridades judiciárias investigar e punir, se for o caso, qualquer comportamento individual ou de alguma empresa que seja ilegal ou criminoso”, declarou, porfiando: “Respeito e confio na Justiça e todos os organismos da administração central. Qualquer membro do governo, a começar por mim próprio, dará às autoridades judiciárias toda a colaboração que seja necessária, quando e sempre que o entenderem necessário e útil.”

Sustentou que é seu dever “esclarecer as opções políticas do governo para promover o desenvolvimento do país”, que é o que os portugueses têm direito a saber. E declarou: “O meu entendimento de que atrair investimento, valorizar os nossos recursos naturais e dar máxima utilização às infraestruturas de que dispomos, eliminar burocracia, preservar os valores ambientais, promover o desenvolvimento regional e o bem-estar das populações são prioridades políticas deste governo que exigem determinação, obviamente que sempre e sempre no estrito respeito da lei.”

Por fim, vincou: “Dizer, como sempre tenho dito e quero agora repetir, à Justiça o que é da Justiça e à política o que é da política também significa que aos futuros governos de Portugal, quem quer que seja o primeiro-ministro e quem quer que sejam os seus membros, tem de ser garantida a liberdade de ação política, para prosseguir uma estratégia legítima, desde logo a que vier a ser sufragada pelos portugueses no próximo dia 10 de março.”

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Não me parece que tenha havido qualquer novidade no seu discurso, a não ser o pedido de desculpa inicial. Porém, concentrou nesta peça todo um conjunto de asserções que foi produzindo e que era suposto a comunidade dos cidadãos ter em conta.  

É óbvio que as reações dos partidos refletem as suas visões políticas. Todavia, não é credível a crítica de quem achou que o PM não devia ter falado a partir de São Bento, por se tratar de um caso da Justiça em que está envolvido. Na verdade, não falou do caso em si, mas discursou como PM, que o é na plenitude, pois a demissão vai ser aceite, mas ainda não foi, nem o Parlamento ainda foi dissolvido. Mais: estando em causa a competência do PM, não deveria o PR dissolver o Parlamento, mas aproveitar a sugestão de nomear novo PM no quadro da atual maioria e deixar prosseguir a legislatura. António Costa manter-se-ia por dias, não por meses.

2023.11.11 – Louro de Carvalho

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