sábado, 4 de novembro de 2023

A Teologia deve ser capaz de interpretar o Evangelho no mundo atual

 

A 1 de novembro, o Sumo Pontífice Francisco, assinou e mandou publicar a Carta Apostólica sob a forma de Motu Proprio “Ad theologiam promovendam” (para promover a Teologia), que chancela a atualização dos Estatutos da Pontifícia Academia de Teologia, chamando-a a “uma corajosa revolução cultural” para, à luz da Revelação, ser profética e dialogante.

A Pontifícia Academia de Teologia foi fundada por Clemente XI, em 1718, e fomentada por Bento XIII, por Clemente XIV e por Gregório XVI, que a dotou de estatutos, a 26 de outubro de 1838, tendo-os renovado São João Paulo II, a 14 de setembro de 1998, com a Encíclica “Fides et ratio”.

O seu objetivo é formar teólogos bem preparados e promover o diálogo entre a fé e a razão, seguindo as indicações do Santo Padre, e apresentar a mensagem cristã de modo a atender às necessidades do nosso tempo, para que a mensagem de Cristo seja incorporada em toda a vida e cultura das pessoas. E, com a reorganização da Cúria Romana pelo Papa Francisco, a partir de 5 de junho de 2022, conforme previsto na constituição apostólica “Praedicate evangelium”, cabe ao Dicastério para a Cultura e a Educação a responsabilidade da coordenação do trabalho desta Academia com o seu próprio trabalho e o de vários outros corpos. 

Na verdade, o artigo 162 da “Praedicate evangelium” estabelece: “O Dicastério para a Cultura e a Educação coordena também as atividades de determinadas Academias Pontifícias, algumas de antiga fundação, nas quais são cooptadas as maiores personalidades internacionais das ciências teológicas e humanistas, escolhidas de entre crentes e não crentes. Atualmente são: a Pontifícia Insigne Academia de Belas Artes e Letras dos Virtuosos do Panteão; a Pontifícia Academia Romana de Arqueologia; a Pontifícia Academia de Teologia; a Pontifícia Academia de São Tomás; a Pontifícia Academia Mariana Internacional; a Pontifícia Academia Cultorum Martyrum; e a Pontifícia Academia de Latinidade.

Tiziana Campisi explica ao Vatican News que “uma Igreja sinodal, missionária e ‘em saída’ só pode corresponder a uma teologia ‘em saída’, que interprete profeticamente o presente”, prevendo “novos itinerários para o futuro, à luz da Revelação”. Foi nessa perspetiva que o Papa, com a “Ad theologiam promovendam”, decidiu atualizar os estatutos da Pontifícia Academia de Teologia. Instituída canonicamente por Clemente XI, a 23 de abril de 1718, pelo breve “Inscrutabili”, para “colocar a Teologia a serviço da Igreja e do Mundo”, evoluiu ao longo dos anos como um “grupo de estudiosos chamados a investigar e aprofundar temas teológicos de particular relevância”.

Para o Pontífice, é hora de revisitar as normas que regulam a suas atividades “para as tornar mais adequadas à missão que o nosso tempo impõe à Teologia”. Na verdade, abrindo-se ao Mundo e ao homem, “com os seus problemas, as suas feridas, os seus desafios, as suas potencialidades”, a reflexão teológica deve abrir espaço para “um repensar epistemológico e metodológico”, sendo, portanto, chamada a “uma corajosa revolução cultural”. Como escreve o Santo Padre, o que é necessário é “uma Teologia fundamentalmente contextual”, “capaz de ler e interpretar o Evangelho nas condições em que os homens e as mulheres vivem diariamente, nos diferentes ambientes geográficos, sociais e culturais”. É a doutrina construída mais no meio do povo, e não tanto em gabinete ou laboratório – ideia recorrente em Francisco, reiterada na carta que escreveu ao novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé.

A Teologia deve “desenvolver-se na cultura do diálogo e do encontro entre as diversas tradições e os diversos saberes, entre as diversas confissões cristãs e as diversas religiões”, especifica a Carta Apostólica, sustentando que deve confrontar-se “abertamente com todos, crentes e não crentes”. “É a abordagem da transdisciplinaridade”, especifica o Papa, que deve ser pensada – segundo a Constituição Apostólica “Veritatis gaudium” – “como a colocação e a fermentação de todo o conhecimento no espaço de Luz e Vida oferecido pela Sabedoria que emana da Revelação de Deus”. Por isso, a Teologia deve “fazer uso de novas categorias desenvolvidas por outras formas de conhecimento, a fim de penetrar e comunicar as verdades da fé e transmitir o ensino de Jesus nas linguagens de hoje, com originalidade e consciência crítica”.

Retoma-se, aqui, muito do teor da “Veritatis gaudium”, constituição sobre as universidades e faculdades pontifícias (não sobre as instituições católicas do ensino superior), assinada por Francisco a 8 de dezembro de 2017 e promulgada a 29 de janeiro de 2018, para atualizar a Constituição Apostólica “Sapientia christiana”, de 15 de abril de 1979, de São João Paulo II.

A “Veritatis gaudium”, entre outros elementos inovadores, acrescenta o ensino à distância e a frequência das universidades e faculdades pontifícias por parte de migrantes e refugiados para os quais seria impossível a apresentação das necessárias verificações académicas.

Depois, como diz o Papa, há a contribuição que a Teologia pode dar “ao debate atual de ‘repensar o pensamento’, mostrando ser um verdadeiro saber crítico, na medida em que é um conhecimento sapiencial”, um saber que não deve ser abstrato e ideológico, mas espiritual, “elaborado de joelhos, grávido de adoração e oração, transcendente e, ao mesmo tempo, atento à voz do povo”. É uma “Teologia popular” que o Papa deseja, “misericordiosamente dirigida às feridas abertas da humanidade e da criação e dentro das dobras da História humana, para a qual profetiza a esperança de uma realização final”. Na prática, para Francisco, a Teologia, como um todo, deve assumir um “selo pastoral”, pelo que a reflexão teológica deve partir “dos diferentes contextos e situações concretas em que os povos estão inseridos”, pondo-se “ao serviço da evangelização”.

O bispo italiano Antonio Staglianò, presidente da Pontifícia Academia de Teologia, diz que é uma nova missão “promover, em todas as esferas do saber, o confronto e o diálogo para alcançar e envolver todo o povo de Deus na pesquisa teológica, de modo que a vida do povo possa tornar-se vida teologal”.

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“A reflexão teológica é chamada a uma viragem, a uma mudança de paradigma, a uma ‘corajosa revolução cultural’ que a comprometa, antes de mais, com uma Teologia fundamentalmente contextual, capaz de ler e interpretar o Evangelho nas condições em que os homens vivem quotidianamente, nos diversos ambientes geográficos, sociais e culturais”. Este desafio do Papa Francisco à Pontifícia Academia de Teologia, cujo texto oficial ainda só está disponível em Italiano, no site da Santa Sé, tem um alcance e um propósito que estão para lá da Academia. Com efeito, a uma Igreja sinodal, missionária e ‘em saída’ só pode corresponder uma Teologia ‘em saída’, que não se compadece com “uma Teologia de gabinete”, ciente de que “o que estamos a viver não é simplesmente uma época de mudança, mas uma mudança de época”, como o Papa não se cansa de sublinhar, desde o seu discurso à Cúria Romana, em 2013.

A Teologia de que a Igreja e a sociedade carecem hoje “é impelida a não se fechar em si mesma, na autorreferencialidade que leva ao isolamento e à insignificância, mas a ver-se inserida numa teia de relações, antes de mais com outras disciplinas e outros saberes”. Por outro lado, é uma Teologia que se foca na “abertura ao Mundo, às pessoas, na concretude da sua situação existencial”, com os seus problemas, feridas, desafios e potencialidades.

A mudança de paradigma urgente na reflexão teológica postula que esta se repense epistemológica e metodologicamente, o que, além da valorização de um método mais indutivo, a partir dos contextos e condições de vida, deve “desenvolver uma cultura de diálogo e encontro entre diferentes tradições e diferentes saberes, entre diferentes confissões cristãs e diferentes religiões, confrontando-se abertamente com todos, crentes e não crentes”. E esse diálogo deve ocorrer também “no seio da comunidade eclesial”, com a “consciência da essencial dimensão sinodal e comunitária do fazer teológico”. É que, nota a carta apostólica, os teólogos não podem “deixar de viver a fraternidade e a comunhão, em primeira pessoa, ao serviço da evangelização, para chegar ao coração de todos”, devendo também promover “entre eles a capacidade de escutar, dialogar, discernir e integrar a multiplicidade e a variedade das instâncias e dos contributos”.

Na parte final da carta, o Papa reconhece como “necessária” a atenção ao caráter científico da Teologia, mas sem “obscurecer a sua dimensão sapiencial”. “A razão científica, explica, deve alargar os seus limites na direção da sabedoria, para não se desumanizar e empobrecer”. Deste modo, a Teologia […] mostra-se “um verdadeiro saber crítico enquanto saber sapiencial, não abstrato e ideológico, mas espiritual, elaborado de joelhos, prenhe de adoração e oração; um saber transcendente e, ao mesmo tempo, atento à voz do povo, portanto, uma teologia ‘popular’, que se dirige misericordiosamente às feridas abertas da humanidade e da criação e no seio da História humana, para a qual profetiza a esperança de um cumprimento último”.

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A “revolução cultural corajosa” que a Teologia católica deve experimentar, para ser “Teologia fundamentalmente contextual”, deve ser guiada pela encarnação de Cristo no tempo e no espaço, contrastando com a Teologia que se limita a “repropor, abstratamente, fórmulas e esquemas do passado”, uma “Teologia administrativa” de longa data. Em vez disso, é necessário que os estudos teológicos estejam abertos ao Mundo, não como “atitude tática”, mas como um profundo “ponto de inflexão” no seu método, que deve ser “indutivo”.

Francisco enfatizou que esta revisão da Teologia de baixo para cima é necessária para melhor ajudar a missão evangelizadora de uma “Igreja sinodal, missionária e em saída”. Da mesma forma, esta abordagem dialógica pode permitir que a Teologia “amplie as fronteiras” do raciocínio científico, permitindo-lhe superar tendências desumanizantes.

Para alcançar esta Teologia ‘extrovertida’, o Papa pede que a Teologia se torne transdisciplinar, parte de uma teia de relações, antes de mais, com outras disciplinas e com outros conhecimentos”. Este compromisso, escreveu, leva à árdua tarefa de os teólogos fazerem uso de novas categorias desenvolvidas por outros conhecimentos, para “penetrar e comunicar as verdades da fé e transmitir o ensinamento de Jesus nas línguas de hoje, com originalidade e consciência crítica.”

Francisco escreveu que deve ser dada prioridade ao “conhecimento do ‘senso comum’ das pessoas”, que descreveu como uma “fonte teológica na qual vivem muitas imagens de Deus, muitas vezes não correspondendo ao rosto cristão de Deus, única e sempre de amor”. E sustenta que este “selo pastoral” deve ser aposto a toda a Teologia católica. Descrita como “Teologia popular”, a partir “dos diferentes contextos e situações concretas em que as pessoas estão inseridas” e deixando-se “ser seriamente desafiada pela realidade”, a reflexão teológica pode auxiliar no discernimento dos “sinais dos tempos”.

“A Teologia coloca-se ao serviço da evangelização da Igreja e da transmissão da fé, para que a fé se torne cultura, isto é, o éthos sábio do povo de Deus, uma proposta de beleza humana e humanizadora para todos”, escreveu o Sumo Pontífice.

Os estatutos põem, agora, a Academia “ao serviço das instituições académicas dedicadas à Teologia e de outros centros de desenvolvimento cultural e de conhecimento interessados ​​em chegar à pessoa humana no seu contexto de vida e de pensamento”. “O Papa Francisco confia à nossa Pontifícia Academia uma nova missão: a de promover, em todas as áreas do conhecimento, a discussão e o diálogo, a fim de alcançar e envolver todo o povo de Deus na investigação teológica, para que a vida do povo se torne vida teológica”, disse Antonio Stagliano.

Os estatutos exigem que a Academia facilite a colaboração entre teólogos católicos e os de outras confissões cristãs. A academia também se irá “ligar em rede com universidades e centros de produção de cultura e pensamento” e explorar formas “culturalmente qualificadas” de propor o Evangelho como um guia de vida, até mesmo para ateus, um processo descrito, no comunicado de imprensa da Academia, como “disseminação de sabedoria”.

Em harmonia com “o magistério do Papa Francisco”, sob os novos estatutos, a academia vai exercer um compromisso com a caridade intelectual, concentrando-se nas questões e necessidades daqueles que vivem “nas periferias existenciais”.

Assim seja.

2023.11.04 – Louro de Carvalho

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