segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Parábola dos talentos conjuga-se com o serviço aos mais pobres

 

O VII Dia Mundial dos Pobres, assinalado a 19 de setembro, ficou servido pela liturgia do 33.º domingo do Tempo Comum no Ano, que recorda aos cristãos a responsabilidade de serem, no tempo histórico em que vivemos, testemunhas conscientes, ativas e comprometidas com o plano de salvação de Deus para os homens, sem exceção. É com tal responsabilidade e em tal compromisso que devem preparar e aguardar – em esperança ativa – a última vinda de Jesus.

O Evangelho (Mt 25,14-30) é um excerto do discurso escatológico, com o tema da segunda vinda de Jesus e a definir a atitude com que os discípulos a devem esperar e preparar. A catequese mateana tenta responder às necessidades da sua comunidade cristã do final do século I, com os cristãos esquecidos do entusiasmo inicial e cansados de esperar a segunda vinda de Cristo.

A parábola em causa fala de um senhor que, antes de partir em viagem distribuiu talentos pelos servos. Um talento era uma quantia considerável, pois correspondia a cerca de 36 quilos de prata e ao salário de cerca de três mil dias de trabalho de um operário não qualificado.

Um senhor partiu em viagem e deixou a “sua” fortuna nas mãos dos servos, não para que dela se apoderassem, mas para que a administrassem da melhor maneira que soubessem. Deixou cinco talentos a um, dois a outro e um a outro. Tendo regressado, chamou os servos e pediu-lhes contas da sua gestão. Os dois primeiros tinham duplicado o que receberam, lançando mão da habilidade e do esforço e correndo o risco de eventual perda ou degradação. Ao invés, o terceiro, modelado pela preguiça e condicionado pelo medo, que paralisa, tinha escondido cuidadosamente o talento que lhe fora confiado, pois conhecia a exigência do senhor, que recolhe onde não semeia. Não errou por ignorância, mas por incompetência. Os dois primeiros servos foram louvados pelo senhor, ao passo que o terceiro foi duramente criticado e condenado, por ser mau e preguiçoso.

A parábola, tal como saiu da boca de Jesus, era uma parábola do Reino. O amo exigente seria Deus, que reclama para Si a lealdade a toda a prova, não aceitando meias tintas e situações de acomodação, de medo e de preguiça. Os servos a quem Ele confia os valores do Reino devem acolher os seus dons e pô-los a render ao serviço do Senhor e, por Ele, ao serviço de todos.

Nós não somos proprietários absolutos dos dons de Deus, incluindo os bens materiais, mas rendeiros e administradores. Por isso, não podemos fazer do que chamamos nosso tudo aquilo que quisermos. Nunca podemos esquecer o destino universal dos bens, nem a função social da propriedade. Com efeito, o que nos sobra é dos pobres, bem como o que lhes falta. E não haveria pobres, se, em vez da avareza e da febre do lucro, nos habituássemos à compartilha.      

Assim, o Reino, que é dos pobres, será a realidade onde estamos completamente comprometidos ou, então, não estamos lá. Não nos é lícito olhar para trás ou entrar em calculismos.

Entretanto, Mateus pegou na parábola e situou-a no contexto da vinda do Senhor Jesus, no final dos tempos. Ele, que subiu ao Céu, depois de nos confiar a totalidade do dom de Deus, para que o ponhamos a render ao serviço do mesmo Deus e dos irmãos, voltará para, com todo o poder que Lhe foi dado no Céu e na Terra (cf Mt 28,18), julgar os homens conforme o comportamento que tiverem assumido durante a sua permanência em teletrabalho.

A vinda do Senhor é uma certeza, mas o momento é incerto. Por isso, há que estar preparados.

Na versão mateana da parábola, o senhor é Jesus que, antes de deixar este Mundo, entregou bens consideráveis aos seus servos (os discípulos, que já não são servos, mas amigos e irmãos). Os bens são os dons que Deus, através de Jesus, ofereceu aos homens – a Palavra de Deus, os valores do Evangelho, o amor que se faz serviço aos irmãos e que se dá até à morte, a partilha e o serviço, a misericórdia e a fraternidade, os carismas e ministérios que ajudam a construir a comunidade do Reino, a que se juntam – não tenhamos medo de o proclamar – os bens materiais.

Os discípulos de Jesus são os depositários desses bens, não os donos. Porém, como depositários destes bens, não podem escondê-los, enterrá-los, mas pô-los a render para Deus e para a comunidade, sem medo paralisador e sem comodismo infrutífero.   

Na perspetiva da parábola, os bens que Jesus deixou aos discípulos têm de dar frutos. Exemplos modelares da concretização deste desiderato são os dois servos que mexeram com os bens, mostrando interesse, preocupando-se em não deixar parados os dons do senhor e fizeram investimentos, sem se acomodarem e sem se deixarem condicionar pela preguiça, pela rotina ou pelo medo. Ao mesmo tempo, condena-se o servo que entregou intactos os bens que recebeu. Porque teve medo, não correu riscos e caiu na apatia, deixando correr o marfim. Porém, não só não tirou desses bens qualquer fruto, como impediu que os bens do senhor fossem criadores de vida nova. Servo que assim proceda desperdiça os dons de Deus e priva os irmãos, a Igreja e o Mundo dos frutos a que têm direito.

Com a parábola, Mateus exorta a comunidade a estar alerta e vigilante, sem se deixar vencer pelo comodismo e pela rotina. Esquecer os compromissos assumidos com Jesus e com o Reino, alijar a responsabilidade, engavetar os dons de Deus, aceitar que o Mundo se construa segundo valores que não são os de Jesus, instalar-se na passividade e no comodismo, é trilhar o caminho da infidelidade a Deus, aos irmãos, à Igreja e ao Mundo.

O discípulo de Jesus deve esperar o Senhor de mãos erguidas e de olhos no Céu, mas não pode viver alheado dos problemas do Mundo e preocupado em não se contaminar com as coisas do Mundo. Espera o Senhor, envolvido e empenhado no Mundo, ocupado em distribuir a todos os homens seus irmãos os bens de Deus e em construir o Reino.

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Na primeira leitura (Pr 31,10-13.19-20.30-31), surgem, pela figura da mulher virtuosa, alguns valores que asseguram a felicidade, o êxito, a realização. O sábio propõe, sobretudo, os valores do trabalho, do compromisso, da generosidade, do temor de Deus. Não são apenas valores da mulher virtuosa, mas valores de que deve revestir-se o discípulo que deseja viver na fidelidade ao desígnio de Deus e corresponder à missão que Deus lhe confiou.

O Livro dos Provérbios apresenta coleções de ditos, sentenças, máximas e provérbios (“mashal”) onde se cristaliza o resultado da reflexão e da experiência (sabedoria) de várias gerações de sábios antigos (israelitas e não israelitas), com o objetivo de definir uma espécie de ordem da sociedade que, apreendida e aceite pelo indivíduo, o levará à plena integração no meio em que se está insere. Assim, poderá viver sem trauma nem sobressalto que lhe destruam a harmonia interior e o incapacitem de dar o seu contributo à comunidade. Ficará de posse da chave para viver em harmonia consigo e com os outros, e assegurará vida feliz, tranquila e próspera.

O livro intitula-se como Provérbios de Salomão (Pr 1,1), o rei sábio, conhecido pelos dotes de governação, pelos dons literários, pelas sentenças sábias, que se tornou um padrão da tradição sapiencial. Contudo, a leitura atenta do livro revela que estamos ante coleções de proveniência diversa, compostas em épocas diversas. Alguns materiais serão do século X a.C. (época de Salomão, o que não implica que venham do próprio Salomão); outros são mais recentes.

O trecho em apreço aparece no final do livro. É literariamente um “poema alfabético” (a primeira letra de cada verso segue a ordem das letras do alfabeto hebraico: a primeira palavra do primeiro verso começa com a letra “Alef”, a primeira palavra do segundo verso começa com a letra “Bet” e assim sucessivamente). O tema é a mulher virtuosa. O livro terá servido de manual da formação de jovens que frequentavam as escolas de sabedoria. E este poema, situado no final do livro, seria a instrução final: antes de abandonar a escola e depois de haver assimilado os ensinamentos dos sábios, o aluno era instruído acerca da eleição da esposa.

Na ótica dos sábios de Israel, a mulher virtuosa é, antes de mais, a que gere bem a casa e não deixa que nada falte. Ao verificar a boa ordem em que tudo avança, por ação da esposa, o coração do marido descansa e confia. Depois, é a mulher diligente, que trabalha a lã e o linho, para que os familiares tenham agasalhos suficientes, e que se encarrega de todos os trabalhos domésticos. É, ainda, a mulher de coração generoso, que tem piedade do infeliz e que partilha generosamente o fruto do seu trabalho com o pobre que pede auxílio. É a mulher que não se preocupa com a aparência, mas vive no temor do Senhor, isto é, respeita os mandamentos, obedece a Javé, aceita com humildade e confiança a sua vontade, os seus planos e os seus projetos.

Este retrato da mulher está muito longe da noiva/esposa do Cântico dos Cânticos, que oferece ao amado a presença, o corpo e o amor. O ideal de mulher aqui delineado é o da mãe de família que dirige com eficiência, com dedicação e com empenho a sua casa e que é corresponsável com o marido na administração da casa, dos bens e da propriedade.

Em Dia Mundial dos Pobres, os crentes devem mergulhar nesta perícopa veterotestamentária em que, a par de outras componentes, emergem a generosidade do coração e a piedade pessoal, que geram a compaixão pelos infelizes e que levam a mulher, porque mais atenta e mais sensível, a partilhar o fruto do seu trabalho com os pobres.

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Na segunda leitura (1Ts 5,1-6), Paulo esclarece que o importante não é saber quando virá o Senhor pela segunda vez, mas estar atento e vigilante, vivendo de acordo com os ensinamentos de Jesus, testemunhando o seu projeto, empenhando-se na construção ativa do Reino, ultrapassando um dos problemas sérios para os Tessalonicenses: compreender os acontecimentos ligados à parusia.

Acreditava-se que o “dia do Senhor” – o do regresso de Jesus, no final dos tempos ou da intervenção definitiva de Deus na História a derrotar os maus e a conduzir os bons à vida plena – surgiria num espaço de tempo curto e que os membros da comunidade ainda assistiriam ao triunfo final de Jesus. Porém, os dias passavam e, provavelmente, faleceram membros da comunidade. Por isso, os Tessalonicenses perguntavam qual será a sorte dos cristãos que morreram antes da segunda vinda de Cristo e como poderão sair ao encontro de Cristo vitorioso e entrar com Ele no Reino de Deus, se já estão mortos.

O apóstolo, depois de ter respondido sumariamente a tais questões, aprofunda a sua reflexão sobre o “dia em que o Senhor virá” e sobre a forma como os cristãos o devem preparar.

Sobre a eventual data do “dia do Senhor”, Paulo mostra-se convicto de que esse acontecimento se dará proximamente, mas a data exata é desconhecida e imprevista. Por isso, os crentes devem estar atentos para não serem surpreendidos. Para descrever a “surpresa de Deus”, Paulo utiliza duas imagens significativas: Deus surpreende-nos como o ladrão que chega de noite, quando ninguém está à espera; e Deus é como as dores de parto que surgem de repente. Portanto, a vida cristã deve estar marcada pela atitude de preparação e de vigilância.

Além da data, o importante é que os cristãos vivam de forma coerente com a opção que fizeram no Batismo. Os crentes têm de viver de maneira diferente dos não crentes, pois os horizontes de uns e de outros são diferentes. Os não crentes, vivendo mergulhados na noite e nas trevas, estão adormecidos, atordoam-se com a bebida; vivendo no presente, andam despreocupados em relação ao futuro, de olhos postos no horizonte terreno. Já os crentes são filhos da luz e do dia, estão vigilantes, mantêm-se sóbrios; vivem de olhos postos no futuro, à espera que chegue a vida verdadeira, plena, definitiva que Deus lhes oferece.

Na verdade, a vida dos crentes é bela e significativa, porque está cheia de esperança. No entanto, é preciso dar corpo à esperança, esperando, fiéis e vigilantes a chegada do Senhor. Entretanto, têm de se munir da solicitude para que ninguém fique para trás. O “dia em que o Senhor virá” envolve a presença e a participação dos pobres, porque inaugura o Reino definitivo da comunhão.

2023.11.20 – Louro de Carvalho

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