sábado, 25 de novembro de 2023

Critiquem, esclareçam e prometam, mas não tentem enganar-nos

 

O 41.º Congresso do Partido Social Democrata (PSD) trouxe uma alma nova aos militantes e os congressistas garantem que o partido é uma alternativa de governo. É óbvio que, se não fosse alternativa, não valia a pena candidatar-se. E sabe governar, bem ou mal.

É natural que a reunião magna de uma força partidária faça ganhar novo elã, sobretudo após um prolongado tempo de amorfismo e no contexto de uma grave crise política, independentemente da razão que assista a quem a fez eclodir. Pelo que pude ver e ouvir, considero pertinente a crítica acerbada ao Partido Socialista (PS) e ao governo que emerge da Assembleia a República (AR) onde esta força partidária está em maioria absoluta. Não é por se tratar de uma maioria gasta ou requentada. Enquanto maioria, não teve tempo de se gastar.

Quanto a casos e casinhos, que emocionam partidos da oposição com extraordinária ressonância na opinião pública, pergunto-me por que motivo o escrutínio surge tão tarde e espero que os apoiantes de tal escrutínio não venham a torcer as orelhas, caso o mesmo escrutínio se abata sobre eles. Com efeito, dadas as atuais pressões, entre conflitos de natureza legal ou de natureza ética, os decisores políticos funcionam sobre o fio da navalha. A todo o momento podem claudicar, a menos que os escrutinadores (opinião pública e operadores da Justiça) tenham dois pesos e duas medidas. Porém, eu não quero acreditar na teoria da conspiração, nem na caprichosa ascensão da extrema-direita que inquine as instituições democráticas.

Quem apelida a atual maioria parlamentar de requentada, por certo, não aprecia uma boa chanfana, um gostoso escabeche ou um apetitoso arroz de entrecosto ou de costelas em vinho de alhos. Quer tudo quente e fresco, embora nada congelado. Estranha opção gastronómica!        

Como dizia, acho oportunas e pertinentes as críticas ao PS e ao governo prestes a ficar demissionário (ainda não há demissão efetiva, nem dissolução da AR). Na verdade, a escola pública funciona aos solavancos e os professores sentem-se rareficados (há enorme falta de professores), envelhecidos, sobrecarregados em termos de trabalho, desprestigiados socialmente e desvalorizados salarialmente e na carreira. É certo que, à semelhança do que sucedeu com os demais funcionários do Estado, as carreiras foram descongeladas e o seu tempo de serviço foi parcialmente recuperado para efeitos de progressão, mas sem a conveniente justiça.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) está a romper pelas costuras e a passar valências importantes para a esfera privada. Pode o movimento grevista no setor, como aliás no sistema educativo, ter-se mostrado inconsequente e até irresponsável, mas o governo não teve a habilidade que se reconhecia em António Costa, para enfrentar as reivindicações e chegar até onde era possível.

Admira-me como é que os nossos médicos só agora acordaram para o desaforo da garantia do funcionamento do SNS através das milhentas horas extraordinárias.

No âmbito da habitação, é óbvio que o PS, atualmente a governar, é o responsável pelo estado de coisas a que chegámos. Contudo, é de ponderar como e porque estão as coisas como estão. Falharam os governos (PSD/CDS e PS), falharam as autarquias (PS e outras), falharam os privados. Foram tão atraentes os vistos gold, a beneficiação fiscal de estrangeiros residentes, os nómadas digitais e o alojamento local. O comodismo e a especulação venceram.

O PSD, a Iniciativa Liberal e o Chega, depois de maldizerem todas as iniciativas, embora tardias, do PS (lei-Power/Point, lei-cartaz), vão resolver o problema da habitação: dar uma casa a cada cidadão, acabar com os sem-abrigo. Isto faz-me lembrar o caso de dois amigos que estavam a petiscar. Um deles, com o garfo, tentava apanhar uma azeitona, sem o conseguir. O outro pegou no seu garfo e, à primeira, espetou e caçou a azeitona. O primeiro, vendo o contentamento do amigo, atirou: “Pudera! Cansei-a.”     

O PSD faz bem em criticar as falhas de ética republicana do PS. As críticas são merecidas e oportunas. Porém, deve também meter a mão na sua consciência política e ética a ver se não há pelos seus corredores alguns rabos-de-palha. E devo sublinhar que, nas indevidas diligências de busca judiciária a sedes do PSD e à morada do seu anterior líder, figuras gradas do PS se solidarizaram com o PSD, o que este não faz agora com o partido do governo. A justiça-espetáculo é má só para um dos lados, o mau!                

O 41.º Congresso do PSD perdeu demasiado tempo nas críticas ao governo, que expôs assaz no pelourinho. E, sempre a dizer que é preciso falar do e para o país, afinal, pouco esclareceu.

Tem um programa para salvar o SNS, diferente do PS, mas não disse em quê. Se é a passar valências ao setor privado, não precisamos. A atual direção executiva do SNS já está a fazê-lo.

Tem um programa para a habitação, mas não diz como o operacionaliza. Para lei-cartaz, já basta. Um PowerPoint costuma ser elucidativo, mas os ainda oposicionistas não gostam.     

Quanto a promessas, o líder do PSD não fez muitas. Não obstante, as que fez são demonstrativas de enorme irresponsabilidade política. Vejamos:

“O problema de Portugal não foi a falta de esforço para aumentar o salário mínimo, o problema foi que os outros salários não aumentaram e ficaram na mesma; e, hoje, cada vez mais gente ganha o salário mínimo em Portugal”, explica Luís Montenegro. Esta é uma grande verdade, mas fica esquecida toda uma política de rendimentos e de salários acordada em concertação social.

Sobre as pensões, eleitorado que o PSD tem vindo a perder, desde o tempo da troika, Montenegro põe foco nas pensões mais baixas. “O nosso objetivo é claro: não vamos cortar um cêntimo a nenhuma pensão [Era o que nos faltava! – digo eu]. Nós vamos aumentar, de acordo com a lei, as pensões, de forma geral, mas vamos também, de forma gradual e até ao final da legislatura, colocar a referência do Complemento Solidário para Idoso nos 820 euros”, prometeu.

“Isto traduz-se no seguinte: até 2028, o rendimento mínimo garantido dos pensionistas portugueses será 820 euros”, avançou Luís Montenegro, com promessas concretas, já para a campanha eleitoral, vincando que o objetivo é realizável e não põe em causa as contas públicas. A ideia é que, numa legislatura seguinte, o rendimento mínimo dos pensionistas fique mesmo ao nível do salário mínimo nacional que haverá naquela altura.

Isto é altamente irresponsável. Não o seria, caso a promessa do aumento fosse sustentada na disponibilidade orçamental. Assim, é demagógica e enganadora. Temo que venha a repetir-se o que sucedeu, em 2002, com Durão Barroso, que prometeu o choque fiscal (diminuição de impostos), mas que, empossado como chefe do governo, procedeu ao seu aumento, porque viu que a disponibilidade orçamental não comportava o choque fiscal.

O mesmo se diga do “pagamento” do tempo de serviço aos professores, embora este seja faseado, e da redução do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) para jovens até aos 35 anos, que ficarão a pagar um terço do que pagam atualmente. Além de demagógica, porque quantificada, esta promessa é injusta. Então os adultos maiores de 35 anos não precisam de apoio igual, por que motivo?      

***

O antigo primeiro-ministro e Presidente da República surpreendeu os congressistas, chegando ao Complexo Municipal dos Desportos da Cidade de Almada poucos minutos antes das 20 horas do dia 25 de novembro. A sua presença foi anunciada pelo presidente da mesa do Congresso, Miguel de Albuquerque, depois de outra antecessora de Luís Montenegro, ter sido alvo de enorme ovação ao sentar-se na primeira fila.O congresso dá as calorosas boas-vindas ao antigo presidente e ao grande estadista do século XX, Cavaco Silva, que muito nos honra com a sua presença. A sua ação política é sempre uma inspiração para o presente e para o futuro”, declarou Miguel Albuquerque.

Cavaco Silva entrou no recinto ao lado de Luís Montenegro, que saiu do pavilhão para se lhe juntar, e com os congressistas sociais-democratas em êxtase, sentando-se ao lado de Manuela Ferreira Leite e do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que discursara minutos antes, proclamando: “Vencemos o socialismo em Lisboa, venceremos o socialismo em Portugal.”

No discurso de encerramento, Montenegro elogiou Cavaco Silva. “A sua visão, honestidade, sensibilidade social, vontade de dar às pessoas o instrumento de que precisam para atingir os seus sonhos nas suas vidas... Esse legado, essa marca, são uma referência e uma inspiração para o que vamos fazer em Portugal. Nós vamos estar à altura do seu legado, nos próximos anos, em Portugal”, garantiu, dizendo que o ilustre visitante deixou o “maior e mais profundo legado de desenvolvimento que Portugal conheceu no pós-25 de Abril”.

À saída, Cavaco Silva disse aos jornalistas: “Portugal precisa de uma mudança que traga uma nova esperança aos portugueses. Sem essa mudança será impossível melhorar as condições de vida das populações e impedir que os nossos jovens mais qualificados fujam para o estrangeiro. Cabe aos Portugueses tomar a decisão nas próximas eleições. Não vim aqui para fazer comentários partidários [Pois não. Que pena!], vim para ouvir o presidente do PSD. Há seis meses disse o que pensava da confiança política de Montenegro para gerir os destinos de Portugal.”

Comentários para quê? Proclamar a honestidade de um político é bater em saco de farinha. A Justiça que fale! Quanto ao desenvolvimento, a destruição da agricultura, das pescas, da marinha mercante, de grandes empresas, bem como o começo das privatizações de setores-chave e o empobrecimento das forças armadas são o contraponto.

O presidente do PSD afirmou que António Costa e os candidatos à sua sucessão são “farinha do mesmo saco” e querem aparecer como vítimas, quando foram “do núcleo duro disto tudo”.

“As vítimas são os Portugueses carregados de problemas nas suas vidas quotidianas”, disse.

Admitindo que os Portugueses esperam mais de si do que foi capaz de mostrar até agora, assegurou estar “cada vez mais entusiasmado, cada vez mais firme” no caminho que falta para as legislativas de 10 de março. “Também sei que as pessoas esperam mais de mim do que aquilo que eu fui capaz de mostrar até agora. Quero dizer-vos, olhos nos olhos, eu tenho noção disso”, afirmou, sob aplausos, assegurando que irá “dar mais”, pois, tendo já ter visitado 258 concelhos do país, ouviu muitas pessoas para “poder decidir bem”.

O presidente do PSD afirmou que os socialistas são “os cristãos novos do equilíbrio das contas públicas”, conseguido à custa de mais impostos e de “engavetar investimento” nos serviços públicos. E antecipou que, na sequência de anúncios do partido na área fiscal e social, já está a antecipar críticas de que o PSD “prometeu tudo a todos” ou que vai fazer o contrário do que quando foi governo, no período da ‘troika’. “Quando esses cristãos novos nos vierem dizer isso, convém dizer que as contas equilibrados para o PSD são um pressuposto, uma condição da política pública, não o fim das políticas públicas”, frisou, dizendo que, “como normalmente acontece aos que não professam determinada fé até uma fase tardia, depois são mais fanáticos”, mas que os sociais-democratas “não são cristãos novos, mas cristãos por convicção”.

Isto, a meu ver, ou é inveja ou demagogia. Pode até ser afirmação pública da experiente capacidade de explorar quem tralha e quem tem menores recursos. Não nos enganem. A bem dizer, dá-me para saudar Passos Coelho, que disse ao que vinha em 2011: ir além da troika.  

Quem nos dera o regresso à cena política de figuras do PSD e de outros partidos com sentido de Estado e espírito de missão no serviço à comunidade! Penso, a título de exemplo em Carlos Alberto da Mota Pinto, António Barbosa de Melo, Francisco Salgado Zenha, Maria de Lourdes Pintasilgo, Miguel Portas e Lino de Carvalho. E há-os vivos. Porque não surgem? Não apreciam o lodaçal?

2023.11.25 – Louro de Carvalho

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