quinta-feira, 16 de novembro de 2023

CEP em dinâmica eclesial atenta ao Mundo e à sociedade portuguesa

 

 

Decorreu, de 13 a 16 de novembro, em Fátima, a 208.ª Assembleia Plenária Ordinária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), tendo, no discurso da abertura, o seu presidente D. José Ornelas Carvalho, bispo de Leiria-Fátima, deixado sucinto apontamento sobre a situação da Igreja em Portugal e sobre a sociedade, com que ela se imbrica. De facto, os tempos que decorreram a partir da 207.ª Assembleia ordinária foram ricos de eventos de grande impacto na CEP e na Igreja, bem como em Portugal e no Mundo.

Registou a nomeação de novos bispos, alguns há muito esperados, a significar o esforço para o bom decurso da vida das Igrejas locais, que precisa de ser continuado, e para o enriquecimento da Igreja em Portugal, com o potenciamento do ministério episcopal.

Considerou que o ano fica marcado, na Igreja em Portugal e no Mundo, pela realização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que movimentou as dioceses na preparação e no acolhimento de peregrinos, confluindo para a grande festa da juventude, em que participou mais de um milhão e meio de jovens, com o Papa, a celebrar a alegria do encontro com Cristo Vivo. O evento constituiu positivo impulso à realidade da pastoral juvenil em Portugal. A rede de comunhão e comunicação que se criou entre os agentes pastorais e a sociedade civil revelou a certeza do caminho a seguir após a JMJ, em linha com o sinal de esperança na participação ativa dos jovens na Igreja, como atestam os participantes e os voluntários, o que postula a atitude de escuta em perspetiva sinodal e o investimento na formação e acompanhamento dos jovens, “para que se tornem, eles próprios, líderes na evangelização” e no zelo pelo bem comum, com vista à consecução de uma sociedade mais fraterna e acolhedora.

Mereceu larga referência a Primeira Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária dos Bispos, no Processo Sinodal 2021-2024, sessão que juntou, em Roma, de 4 a 29 de outubro, bispos, padres, diáconos, consagrados/as, leigos/as, juntamente com convidados e assessores teológicos e de outras matérias, bem como representantes de diferentes Igrejas cristãs. Este passo do processo sinodal é sinal claro do caminho feito de escuta e discernimento, aberto a todo o povo de Deus, sem excluir ninguém, sob a guia do Espírito Santo, como discípulos missionários no seguimento de Jesus Cristo. Pela primeira vez, homens e mulheres, em razão do batismo e independentemente da sua função hierárquica na Igreja, foram convidados a sentarem-se ao redor de mesas fraternas, para participarem nos debates e nas votações da Assembleia do Sínodo.  

O Sínodo será avaliado pelas mudanças percetíveis que dele resultarão, mas que não se limitam ao reduzido número de assuntos que podem ocupar os debates nos ambientes da Igreja e de toda a sociedade. Esses não sairão de cima das mesas, mas a nossa atenção centra-se em questões mais abrangentes e estruturantes que visam, não só esses temas, mas sobretudo a mudança de atitudes e de modos de ‘ser Igreja’, com a participação e a corresponsabilidade de todos os batizados, numa Igreja sinodal e missionária, mais ao jeito de Jesus, acima de interesses, de ideologias e de partidarismos. Assim, o debate sobre “uma Igreja saudavelmente descentralizada” implicou temas como “a renovação do serviço da autoridade, o discernimento em comum, as oportunidades de participação e crescimento, num verdadeiro exercício de sinodalidade”. Depois, “uma Igreja em conversão renovadora não é uma Igreja em rutura com o seu passado e a sua história”, pois “o sentido da fidelidade a essa missão sempre levou a encontrar novas formas de se organizar e novas de comunicar, para ser fiel ao mandato de levar o Evangelho a cada língua, povo e nação”.

Entretanto, esta Assembleia, que terá continuação em 2024, convocando a oração de todos e a reflexão dos teólogos e especialistas de toda a Igreja, em modalidades que estão a ser organizadas a partir das sugestões da Assembleia de outubro.

Inevitavelmente, teria de vir à tona a questão do cuidado na Igreja com as crianças, jovens e adultos vulneráveis, tendo sido evidenciados os seguintes factos: em fevereiro, a Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa publicou o seu relatório final; em abril, em estreita articulação com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, foi apresentado o Grupo VITA, criado pela CEP como “grupo isento e autónomo”, reunindo profissionais habilitados para a missão de “acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis”; e as Comissões Diocesanas, refrescadas na sua composição, amadurecem a sua atuação e encontram apoio cada vez mais consolidado na Equipa de Coordenação Nacional.

Iniciada, de imediato, a sua ação, o Grupo Vita tem-se mostrado eficaz, “com benefício direto para dezenas de pessoas que aí encontraram um espaço seguro e confidencial para denúncia e um apoio importante para o difícil processo de cura reparadora”.

O presidente da CEP sustenta que, na “dor profunda de enfrentar com clareza as situações de abuso”, torna-se cada vez mais claro “que a verdade liberta, que o bem das vítimas e sobreviventes é a prioridade e que é possível melhorar” “no modo de agir, olhar, escutar, reparar e acompanhar”. São convicções confirmadas pela presença, na Assembleia Plenária Extraordinária da CEP de junho, de alguns membros do Dicastério para a Doutrina da Fé, com quem se refletiu “sobre a forma de consolidar a articulação entre as Dioceses Portuguesas e aquele organismo da Santa Sé, no âmbito do tratamento de casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos”.

O bispo de Leiria-Fátima diz que a CEP e a Igreja em Portugal estão muito especialmente gratas ao Santo Padre, por ter querido encontrar-se, a 2 de agosto, por ocasião da JMJ, com 13 vítimas de abuso, num encontro realizado em “clima de intensa escuta”. Tal gesto, como os que já aconteceram por iniciativa de bispos da CEP nas respetivas dioceses, bem como outros para os quais manifestamos a nossa total disponibilidade, “é uma luz orientadora para a Igreja, um gesto que nos impele a querer fazer mais para chegar às pessoas que passaram por esta dura experiência e ainda não têm forças ou ocasião para iniciar a cura dessas feridas”.

Depois, fez a seguinte declaração solene, pela CEP:

“Reconhecemos e apresentamos, a cada um e a cada uma daqueles e daquelas que sofreram estes abusos em ambiente eclesial, um profundo, sincero e humilde pedido de perdão, em nome da Igreja na qual eles confiaram e onde sofreram tão injusta e perturbadora violência. [Repetimos] a oração que fizemos a Deus em Fátima na jornada nacional de oração pelas vítimas de abusos sexuais, de poder e de consciência na Igreja: ‘pedimos o perdão de Deus, suplicando igualmente o dom do seu Espírito criador para que possamos construir e reconstruir, a nível pessoal e como Igreja, um caminho de verdadeira vida, segundo o Coração manso e humilde de Jesus, nosso Senhor e nosso Mestre’.”

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A seguir, o discurso deambulou pelo Mundo “ferido por crescentes crises e guerras”. O presidente da CEP vincou a vivência “num mundo a braços com problemas de dramaticidade crescente”, que põem em causa a habitabilidade do planeta, com consequências na alteração do clima, no aumento da frequência e dimensão dos desastres naturais de que resulta a desertificação e a poluição generalizada, que levam à destruição dos meios de subsistência. E José Ornelas ligou à questão ecológica a situação socioeconómica: estes fenómenos “provocam morte e pobreza em grande parte da Humanidade”, originando migrações de desesperados, “com novas sequelas de miséria, exploração e morte”. Por isso, “toda a Humanidade deveria estar preocupada para defender o seu futuro”, buscando alternativas para remediar os males feitos e encontrar modos de defesa do futuro da Humanidade e da casa comum.

Aponta a proliferação de conflitos e guerras no Mundo, a destruir, “sistemática e selvaticamente, cidades inteiras, culturas agrícolas e bens essenciais à vida”, sendo “os mais pobres que sofrem, de modo mais atroz, as consequências destes desmandos da razão”.

Fixou a atenção “na bárbara invasão da Ucrânia” e na “nova e cruenta guerra entre Israel e o Hamas, que parecem “querer fazer-nos habituar a imagens que pensaríamos ter ultrapassado há muito”. Ora, “não vale tudo, nem mesmo na guerra”, pelo que “não se podem usar vidas inocentes como reféns, como escudos ou como objetos de represália e de vingança”.

Sublinha que o Papa tem levantado a sua voz, como eco da maioria dos homens e mulheres que desejam a paz e rezam por ela. E esclarece que “orar não nos torna apáticos e inoperantes, mas leva-nos a Deus e ao seu coração de Pai, que tem filhos e filhas de ambos os lados dos campos de batalha e das cidades destruídas”, sendo nestas ocasiões de profundo sofrimento e violência que é preciso crer na paz que sente a lógica de Jesus que proclama, “Bem-aventurados os promotores da paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Para lá dos diferentes credos, “Deus chama seus filhos e filhas aqueles que se parecem com Ele, que têm a coragem para criar uma cultura diferente, para mover vontades, ultrapassar preconceitos e ódios e contruir a paz”.

Em relação aos dramas do país, salienta a situação de “quem vive ao pé da nossa porta”: “as famílias que não sabem como alimentar os filhos ou pagar a renda e as que nem sequer têm teto para descansar, os doentes que veem distantes os cuidados médicos essenciais, os adolescentes e os jovens que, com frequência, não conseguem o necessário acompanhamento nos percursos escolares e os jovens formados que emigram para encontrar perspetivas de vida mais digna”.

Tendo crescido o isolamento de quem não pode fazer face ao custo dos serviços essenciais à saúde e à dignidade humana, cresce “exponencialmente a conflitualidade social”. E, quando pairava a expectativa vacilante de eventuais acordos em setores fundamentais, a crise dos últimos dias no governo trouxe “novos e sérios elementos de incerteza e preocupação quanto ao futuro de todos”. Neste cenário, cresce a frustração e a revolta, sobretudo nos mais vulneráveis, a desilusão e a apatia desmobilizadora – “campo fértil para manipulações e messianismos populistas que minam os fundamentos de uma autêntica democracia”.

A fixação das eleições para os próximos meses é “ocasião para discutir os verdadeiros problemas do país e afinar políticas de recuperação e melhoria”, tendo os protagonistas políticos “o papel fundamental de apresentar propostas e soluções para que o povo possa ter vontade e oportunidade de fazer escolhas”. Nesse sentido, o apelo é à participação na atividade política direta e no elementar direito e dever de votar. A participação determina quem ocupará os lugares da governação, servindo de estímulo e de aviso para o bom desempenho dos respetivos cargos.

A CEP reitera o lamento pela legalização da eutanásia e do suicídio assistido pela Assembleia da República, promulgada a 16 de maio de 2023 pelo Presidente da República, e comunga da tristeza do Papa Francisco manifestada após a confirmação parlamentar do diploma, que, na quebra do princípio fundamental da inviolabilidade da vida humana, “abre portas perigosas para um alargamento das situações em que se pode pedir a morte assistida”.

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Por fim, em nome da CEP, indica “um sinal pacificador e criador de esperança”: a decisão papal de promulgar, a 22 de junho de 2023, o decreto sobre as virtudes heroicas da terceira pastorinha de Fátima, a Serva de Deus Lúcia de Jesus, nascida a 28 de março de 1907, em Aljustrel, e falecida a 13 de fevereiro de 2005, no Carmelo de Santa Teresa, em Coimbra. E manifesta sintonia com a Ordem dos Carmelitas Descalços e com o Santuário de Fátima, “desejando que o processo em curso, na oração e no estudo, conduza brevemente à Beatificação da Irmã Lúcia”, sendo declarada como modelo de santidade entre o Povo de Deus.

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Uma CEP ativa, que não hesita em dizer o que deve! Se isto funcionasse nas dioceses, seria ótimo.

2023.11.16 – Louro de Carvalho

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