sábado, 18 de novembro de 2023

Ajuda humanitária suspensa e ataques a civis põem Israel sem apoio

 

Até ao presente, os Estados Unidos da América (EUA) transmitem mensagens contraditórias. A Casa Branca absteve-se na votação do Conselho de Segurança da Organização da Nações Unidas (ONU) e Joe Biden afirmou que a guerra terminaria quando o Hamas já não fosse capaz de matar Israelitas. Porém, os ataques ao hospital Al-Shifa, a intensidade dos combates e as inúmeras mortes na Faixa de Gaza põem os EUA em delicada posição. O presidente norte-americano e outros líderes mundiais podem limitar o apoio a Israel, mas isso não significa silenciá-lo.

Os EUA, a principal referência do apoio internacional aos Israelitas desde 7 de outubro, no que são acompanhados, em certo modo, pela União Europeia (UE), adotaram uma dupla abordagem: nos bastidores, aconselham cautela, mas, publicamente, dão apoio quase ilimitado ao direito de Israel à autodefesa. Porém, as ténues mudanças no discurso norte-americano são apreciáveis: Israel pode vir a perder o apoio internacional com que vem contando desde os ataques do Hamas, em outubro, pois a autoridade e a influência de Washington, que são relevantes, podem faltar.

A abstenção dos EUA na votação da resolução do Conselho de Segurança da ONU – que apela a pausas humanitárias nos combates, mas que falha em condenar os ataques do Hamas – foi significativa. Com efeito, uma sondagem divulgada pela Reuter/Ipsos mostra que 68% dos norte-americanos apoia um cessar-fogo. O governo de Joe Biden está cônscio das mudanças na opinião pública. No Partido Democrata, há divisão entre eleitores mais jovens e progressistas, que são favoráveis à causa palestiniana, e elementos mais conservadores, que são a base democrata. E há cartas conflituantes de funcionários do governo a criticar ou a apoiar a política em relação a Israel.

A mudança de direção do sentir norte-americano terá sido a recente declaração do primeiro-ministro israelita de que o Estado manteria o controlo sobre Gaza num prolongado período após a guerra e de que a Autoridade Palestiniana não desempenharia um papel em Gaza, findas as hostilidades. Tal declaração colocou Netanyahu em oposição a Washington.

Em Nova Iorque, Linda Thomas-Greenfield, representante norte-americana na ONU, já tinha vincado que a paz sustentável teria de pôr “as vozes dos Palestinianos e as suas aspirações no centro da governação pós-guerra em Gaza” e que “a paz deve incluir uma governação liderada pelos Palestinianos e a unificação de Gaza e Cisjordânia, sob a égide da Autoridade Nacional Palestiniana”, ou seja, “deve incluir um processo para uma solução de dois Estados”.

Os EUA querem que a Autoridade Palestiniana tenha papel relevante na governação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e na reparação das barreiras com os aliados árabes irritados com o apoio dos EUA a Israel em Gaza. Na verdade, na sequência da referida declaração de Netanyahu, alguns analistas israelitas previram que os EUA não voltariam a vetar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre Gaza. Ora, isso já se concretizou.

Além dos planos para o período pós-guerra, há outros fatores que geram fraturas na aliança entre Israel e os EUA. A Casa Branca parece preocupada com a hipótese de o crescente número de vítimas civis e a catástrofe humanitária virarem a opinião pública contra Israel, tornando insustentável a posição dos EUA. A França já é um dos países que apelam ao cessar-fogo, e o Reino Unido não vetou a recente resolução da ONU. E outro risco do apoio ilimitado a Israel é a possibilidade de o conflito virar a conflagração regional mais ampla. Embora o Hezbollah tenha recuado, isso não significa que não considere intervir no futuro, o que implica potencialmente o Irão. Todavia, para já, a Casa Branca, estável na oposição aos apelos internacionais para que Israel pare de combater, afirma que Israel tem o direito de se defender e pressionou Israel a pausas humanitárias, esperando que observe as regras do direito internacional aplicadas à guerra.

A 16 de novembro, o Presidente dos EUA insistiu que a luta de Israel em Gaza, após os massacres do Hamas nas comunidades do sul israelita, terminará quando o Hamas não tiver capacidades de assassinar, abusar e fazer coisas horríveis aos Israelitas. E disse que os militares de Israel têm “a obrigação de usar o máximo de cautela possível na perseguição dos seus alvos”.

Não obstante, os EUA estão preocupados com a escala da destruição infligida por Israel, com o impacto da segunda fase das operações no sul de Gaza, com os danos causados na ​​região e com o facto de Israel não ter solução viável ou bem-sucedida. Por outro lado, esperam ver mais pedidos de cessar-fogo por parte da comunidade internacional, especialmente do hemisfério Sul, mas também de outros países. Com efeito, a entrada das Forças de Defesa de Israel no maior hospital de Gaza aumentou a comoção mundial. Porém, a pressão internacional não terá tanta influência nas ações israelitas como teve em outros conflitos.

Israel está determinado a erradicar o Hamas, mesmo à custa de vidas de civis. Não há fim à vista e nenhum plano depois das hostilidades. E, a menos que haja uma solução política sustentável, a questão palestiniana continuará a ser fonte de instabilidade num futuro próximo.

Não havia muita confiança entre os EUA e Israel antes do início da guerra. A aproximação de Washington pretendia encobrir as divergências e obter o máximo de influência sobre Netanyahu, moldando a resposta ao ataque e o cenário futuro do pós-guerra. E o governo dos EUA critica Israel numa série de questões não diretamente conexas com Gaza, incluindo as políticas na Cisjordânia e a distribuição de armas produzidas nos EUA a civis.

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Entretanto, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) da ONU investiga crimes de guerra na Palestina. Efetivamente, o procurador Karim Khan disse que o seu mandato se aplicará a alegados crimes cometidos durante a guerra iniciada em 7 de outubro, após o ataque do grupo islamita Hamas em território israelita, pois cinco países signatários do tratado que instituiu o TIJ (África do Sul, Bangladesh, Bolívia, Comores e Jibuti) pediram, a 17 de novembro, a investigação a possíveis crimes de guerra cometidos no Estado da Palestina.

Assim, o TIJ, criado em 2002 para julgar as piores atrocidades do Mundo, abriu uma investigação em 2021 sobre alegados crimes de guerra nos territórios palestinianos, incluindo os cometidos pelas forças israelitas, pelo Hamas e por outros grupos armados palestinianos. Contudo, o procurador avisa que, de momento, as equipas do tribunal não conseguem entrar em Gaza, nem em Israel, que não é membro do TIJ, mas que pode ser acusado de crimes de guerra, de acordo com especialistas em direito internacional.

“Desde o início do meu mandato, em junho de 2021, criei pela primeira vez uma equipa dedicada para fazer avançar a investigação sobre a situação no Estado da Palestina”, disse o procurador, acrescentando que já foram recolhidas muitas informações. Com efeito, em Israel, 1.200 pessoas foram mortas desde 7 de outubro, a maioria delas civis massacrados no dia do ataque do movimento islamita Hamas, numa violência e numa escala sem precedentes desde a criação de Israel, em 1948. Por seu turno, desde essa data, Israel lançou uma ofensiva retaliatória contra o Hamas em Gaza, em que mais de doze mil pessoas foram mortas no território controlado pelo Hamas. Além disso, houve já 29.800 feridos, 3.250 desaparecidos sob os escombros e mais de 1,6 milhões de deslocados. Prossegue o genocídio e está vedada a ajuda humanitária!

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O alto representante da UE para a Política Externa, Josep Borrell, em conferência de imprensa, em Ramallah, com o primeiro-ministro palestiniano, Mohamad Shtayé, a 17 de novembro, ao arrepio da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, preconizou o regresso da Autoridade Palestiniana a Gaza para estabilizar o enclave e avançar para a solução de dois Estados, o que postula o reforço do apoio da comunidade internacional a esta entidade, com o envolvimento dos países vizinhos árabes. Até agora, a UE tinha mencionado apenas a utilidade do regresso dos líderes palestinianos a Gaza como parte dos planos futuros para a Faixa, mas evitou indicar se tal competência caberia à Autoridade Palestiniana, que governa a Cisjordânia e que foi expulsa de Gaza em 2007, após a vitória eleitoral do Hamas.

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A ONU denuncia “tentativa deliberada de estrangular” as suas operações em Gaza. Com feito, em conferência de imprensa, a 17 de novembro, Philippe Lazzarini, Comissário-Geral da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) afirmou que “já são quase seis semanas de inferno para o povo de Gaza” e de “total desrespeito pelas leis humanitárias internacionais”.

O responsável da UNRWA, assinalando que a “escala de destruição e perda” a que estamos a assistir em Gaza é “assombrosa”, apontou o êxodo massivo de “pessoas forçadas a sair das suas casas” a buscar segurança no Sul: “Testemunhámos, nas últimas semanas, o maior deslocamento de palestinianos desde 1948.” Deu conta dos testemunhos da equipa da UNRWA no terreno, que, recentemente, recebeu, no Sul, pessoas que caminharam horas e horas e se encontravam “desidratadas, com fome, exaustas e ainda em choque”. E realçou que o povo de Gaza “está num enclave sem qualquer saída”, tendo o enclave diminuído para metade.

Assinalando que os Palestinianos foram “despidos da sua dignidade”, Philippe Lazzarini partilhou algumas das imagens que o acompanham da visita a uma escola da UNRWA em Gaza, onde crianças imploravam um pouco de água ou um pedaço de pão, pois, na esmagadora maioria das instalações humanitárias, não há água, há locais com uma só casa de banho para largas centenas de pessoas, muitas das quais deixaram tudo para trás, só têm a roupa do corpo. Sublinhou que o cerco, “próprio da época medieval”, constitui “punição coletiva imposta a toda uma população”. Considerou que “não há nenhum lugar seguro em Gaza” – o Sul, onde se registou um terço das mortes, não é seguro, bem como não são seguras as instalações da ONU –, e disse temer que, com, pelo menos, 103 colegas mortos nos ataques israelitas, muitos outros estejam soterrados nos escombros. Contrariou os argumentos israelitas sobre a falta de segurança das operações da UNRWA, no sentido de beneficiarem os combatentes do Hamas, e refutou a justificação de Israel para os ataques a escolas da agência. Na verdade, as escolas da UNRWA não ensinam qualquer tipo de ódio, o sistema escolar em Gaza é reconhecido pela sua excelência, a agência e as suas atividades são minuciosamente escrutinadas.

O Comissário-Geral da UNRWA alerta que a agência, que apoia mais de 800 mil pessoas deslocadas em Gaza, pode ter de suspender todas as suas atividades humanitárias, devido à falta de combustível. “Acredito que há uma tentativa deliberada de estrangular a nossa operação e paralisar a operação da UNRWA. Durante semanas a fio, temos implorado, alertado para o impacto da falta de combustível”, disse, explicando que, nas últimas semanas, a agência aproveitou as reservas de combustível que restavam no território. “Mas agora estão a acabar”, e “corremos o risco de ter de suspender toda a operação humanitária”, advertiu.

Israel cortou os envios de combustível para a Faixa de Gaza como parte de um “cerco total”. O primeiro camião de combustível a entrar em Gaza, desde que Israel impôs o cerco, chegou a 15 de novembro. A UNRWA recebeu 23 mil litros de combustível (metade de um camião). E as autoridades israelitas restringiram a utilização para o transporte de ajuda proveniente do Egito. São necessários 160 mil litros por dia, só para operações humanitárias básicas. “É ultrajante que as agências humanitárias tenham sido reduzidas à mendicidade por combustível”, diz Lazzarini.

O Comissário-Geral sustenta que as condições humanitárias se deterioraram, uma vez que 70% da população no sul de Gaza não tem acesso a água potável e o esgoto começou a fluir para as ruas. O combustível, agora inexistente, é necessário para os equipamentos de dessalinização de água e para o sistema de bombeamento de esgoto. E, sobre o apagão das comunicações anunciado, no dia 16, pelas empresas de telecomunicações palestinianas Jawwal e Paltel, que esgotaram as fontes de energia que a sustentam, avançou que o mesmo “torna impossível gerir ou coordenar comboios de ajuda humanitária” e acusou Israel de utilizar o combustível como “arma de guerra”.

Ora, a falta de combustível será mais uma causa de morte para as pessoas a juntar à fome.

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Tem de se acudir à emergência, parar a guerra, concertar a paz e recuperar o território.

2023.11.17 – Louro de Carvalho

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