domingo, 5 de novembro de 2023

As autarquias devem aproveitar a água das chuvas

 

O presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), António Cunha, a 23 de outubro, sem entrar “em detalhes técnicos”, apontou como aposta a “criação de bacias de retenção para segurar a água” nos períodos de pluviosidade intensa, cada vez mais frequente, devido às alterações climáticas. O apelo foi dirigido, em especial, aos municípios que encontrem soluções técnicas que permitam reter a água das chuvas.

António Cunha, discursando em Ponte de Lima, na sede da Comunidade Intermunicipal (CIM) do Alto Minho, durante a cerimónia de homologação dos contratos para reposição de equipamentos e de infraestruturas municipais de 50 municípios da região Norte, danificados pelas inundações de dezembro de 2022 e de janeiro deste ano, disse que é o “momento para refletir” sobre aquelas intempéries que, “certamente” voltarão a acontecer. “Temos de perceber que há uma tendência que começa a manifestar-se, a ser percetível, de fenómenos atmosféricos mais intensos, mais agudizados, mais concentrados num determinado espaço temporal. Temos de ter formas de planeamento e projetos diferentes que apelem mais à sustentabilidade para responder melhor às intempéries”, adiantou.

O presidente da CCDR-N alertou que o “verão tende a ser mais seco”, o que implica “aprender a guardar a água que cai, que vem do céu”, devendo a aposta traduzir-se em “lógicas integradas de sistemas armazenagem de água”. “Temos de ter soluções de planeamento, seja através da criação de bacias de retenção, [seja através de] espaços almofadas para evitar que o volume de água se perca. Temos de encontrar mecanismos para que, em períodos agudos de pluviosidade, a água entre nos sistemas de águas pluviais ou noutros sistemas de drenagem”, frisou.

O líder da CCDR-N adiantou que, no contexto do Norte 2030 e dos investimentos que vão ser feitos, “a palavra sustentabilidade tem uma centralidade maior”. “Há um apelo que tem, necessariamente, de ser feito a um modo integrado de planear os nossos espaços por forma a fazermos uma melhor gestão da água. No Minho, onde estamos, onde a água existe em abundância, esta tem de passar a ser utilizada com maior parcimónia porque é um bem, como todos vamos percebendo, cada vez mais escasso”, observou.

António Cunha referiu que “o conhecimento e as técnicas” melhoraram nos últimos anos, mas defendeu que é necessário “continuar a evoluir nesta questão”. “O modo como planeamos e projetamos o futuro, nomeadamente, nas obras que fazemos para os nossos concidadãos, para serem fruídas por eles, têm de ser obras que suportem o quadro de intempéries que, certamente, continuará connosco, porque a natureza faz parte de nós e das nossas vidas”, alertou.

Por seu turno, a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, também presente na cerimónia, homologou os contratos para reposição de equipamentos e infraestruturas municipais em 50 municípios da região Norte, danificados pelas referidas inundações. Nestes, a despesa dos danos considerados elegíveis atingiu os 21 milhões de euros, comparticipando o Estado com 11 milhões de euros. E o Ministério da Coesão Territorial também publicou avisos específicos para apoiar as empresas afetadas, tendo-se candidatado 32 empresas para apoios de quatro milhões de euros.

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O aproveitamento da água das chuvas não é inédito. Fala por si o caso das açoteias (açoteia, terraço no alto da casa a substituir o telhado – do Árabe “as-sotaihâ”, diminutivo de “sataha”, terraço), que existem, por exemplo, em casas do Algarve e que podem ter várias utilizações, desde o aproveitamento de águas pluviais à seca de frutos ou à utilização como espaço de lazer, conforme as conveniências.  

Também pertence à memória coletiva a cisterna ou algibe, um reservatório de águas pluviais, podendo também ser abastecida com o degelo de neve.

Cisterna vem do termo latino “cisterna”, mas com estreita ligação a Cister (Cîteaux), primeiro mosteiro da Ordem monástica cisterciense, ramo da Ordem beneditina restaurada, que se iniciou, no século XI, na França, e se estendeu a toda a Europa e a todo o Mundo. Estes monges foram os primeiros a desenvolver processos de drenagem do solo e criaram locais para armazenamento da água, sendo pioneiros neste quesito. Justa homenagem se lhes prestou, ao dar o nome de cisterna a tal reservatório de água. Entretanto, a Bíblia hebraica fala da cisterna onde os irmãos de José, roídos de inveja, o esconderam e torturaram, andes de o venderem a mercadores egípcios.

O nome “algibe” vem do termo árabe “al-jubb” (cisterna, poço) pelo termo castelhano “aljibe”.

Na arquitetura militar, a cisterna constituía-se como elemento essencial à sobrevivência dos defensores num cerco, especialmente nas regiões de clima equatorial e tropical atingidas pelos Europeus, a partir da etapa dos descobrimentos marítimos. Hoje, é muito utilizada nas regiões de clima semiárido. 

A cisterna é um depósito ou reservatório, semelhante a uma caixa de água, que serve para captar, armazenar e conservar a água, podendo ser água potável, água da chuva ou água reutilizada. O modelo de cisterna de alvenaria precisa de ser enterrado no solo e exige obras de engenharia. Há opções de cisterna compacta, em casas e edifícios com menos espaço.

Já as casas romanas (mais ricos), bem como as etruscas e algumas gregas eram dotadas do “impluvium” (implúvio) – situado no meio do “atrium” (átrio ou vestíbulo), a zona anterior do edifício – que era um reservatório céu aberto para armazenar a água da chuva. Para o “impluvium” caía a água pela abertura feita na cobertura – o “compluvium” (complúvio), bem como a água que escorria das quatro vertentes interiores da cobertura.

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Entretanto, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) tem um conjunto de indicações, que, se forem aplicadas a larga escala, vão ao encontro do repto do presidente da CCDR-N. Diz a CAP, num guião de oito páginas, que “as charcas ou pequenas barragens de aterro são massas de água parada ou de corrente muito reduzida, de caráter permanente ou temporário, de tamanho superior a uma poça e inferior a um lago”, com baixa profundidade, penetração total da luz na água, com possibilidade de ocorrência de plantas em toda a área e ausência de formação de ondas.

Considera que algumas das espécies animais que se encontram nas charcas e em pequenas barragens, como os anfíbios e as libélulas, se alimentam de insetos, ajudando a controlar pragas agrícolas ou insetos vetores de doenças. É uma vantagem para lá do armazenamento de água.

Por outro lado, as zonas húmidas criadas pelas charcas e pelas pequenas barragens são importantes locais de refúgio, de alimentação e de abeberamento para a fauna, incluindo os morcegos que se alimentam de insetos e ajudam no controlo de pragas agrícolas.

As charcas e as pequenas barragens são reservas de água doce e podem servir para abeberamento de animais selvagens e para abastecimento de bebedouros para a pecuária. Reduzem o efeito das cheias, aumentam a humidade no solo em períodos secos, purificam a água e contribuem para a recarga de aquíferos subterrâneos.  

A construção de charcas e de pequenas barragens requer autorização das competentes entidades, nomeadamente a Agência Portuguesa de Ambiente (APA), o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) (zonas Rede Natura 2000) e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região (CCDR), quando aplicável. Para que estas zonas húmidas artificiais promovam a biodiversidade, deve garantir-se que, pelo menos, uma das margens tenha um declive suave, sem uma inclinação acentuada (o mais plana possível), permitindo assim o acesso da fauna, e assegurando que, pelo menos, 20% da margem não tem vegetação densa.

Quando as margens das charcas forem muito íngremes (ou no caso de tanques) deverão ser construídas escadas, rampas ou outras estruturas que permitam aos animais, que inadvertidamente caiam, possam sair, evitando que se afoguem. E as margens das charcas com revestimento para impermeabilização deverão ter terra, pedras e vegetação, sempre que possível.

É conveniente manter uma “ilha” de terra que não fique submersa na zona mais central da charca ou barragem, permitindo o desenvolvimento de vegetação neste local, que irá funcionar como local de refúgio e reprodução da fauna.

Para manter a boa qualidade da água, o abeberamento do gado (sobretudo do bovino) deve ser efetuado com bebedouros apropriados fora da área de inundação. E, se for necessária a colocação de vedação para condicionar o acesso do gado à área inundada, deve ter passagens apropriadas para a fauna e colocada entre 10 a 25 metros, após o limite máximo de inundação.

Para que charcas e as pequenas barragens mantenham água no período mais seco, é conveniente efetuar uma limpeza de sedimentos para evitar a sua colmatação (em média, uma limpeza em cada sete anos, consoante a dimensão e a bacia hidrográfica).

Não deverão ser introduzidos animais nem plantas, sobretudo espécies exóticas. Com o passar do tempo, estes locais serão naturalmente colonizados por plantas e animais nativos.

A CAP aborda também o caso dos charcos de pequenas dimensões, sendo a dimensão ideal para um charco de quatro a 40 metros quadrados, para manter água durante quatro meses.

Consoante a dimensão do charco a construir e a textura do solo, poder-se-á optar por escavar o terreno manualmente ou com recurso a uma escavadora.

A profundidade máxima será de um metro e as margens deverão ter inclinação muito suave (entre 5% a 10%). Se o terreno tiver uma toalha freática à superfície, durante o inverno, ou se a estrutura do solo permitir uma fácil compactação, não são necessários materiais de impermeabilização. E, se for necessário, deve-se impermeabilizar a área com recurso a uma manta geotêxtil, seguida da colocação e uma tela de policloreto de vinil (PVC) ou de outro material impermeável e resistente.

É conveniente colocar pedras para construir refúgios e, se possível (dependendo da dimensão do charco), construir pequenas “ilhas” que não devem ficar submersas. E também se podem colocar em redor do charco aglomerados de pedras ou lenha, para funcionarem como refúgio para a fauna.

A colonização das plantas e de animais deve ocorrer de forma natural, evitando a plantação e/ou transplante, para evitar a propagação indevida de espécies invasoras aquáticas. E, querendo fazer a plantação, deve usar-se plantas autóctones de viveiros certificados com origem local.

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Não há dúvida de que a construção de charcas, de pequenas barragens e de charcos de pequenas dimensões tem como vantagens o armazenamento de água, a contribuição para a recarga de aquíferos subterrâneos, o controlo de pragas, a promoção e a garantia da biodiversidade e a criação de zonas húmidas. A isto acresce a construção de uma boa rede de pontos de água ou seja, estruturas de armazenamento de água, de planos de água acessíveis e de pontos de tomada de água, com funções de apoio ao reabastecimento dos equipamentos de luta contra incêndios florestais, que se transformaram numa fonte de negócio.

Porém, o problema está nos custos (sobretudo para cobrir grandes áreas), na falta de investimento, na falta de vontade, na incapacidade de contrariar interesses instalados e na anarquia florestal que temos no país. Terão os poderes políticos e a sociedade civil força para alterar a situação?

2023.11.05 – Louro de Carvalho

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