sábado, 11 de novembro de 2023

Angola precisa do fim da corrupção e de comunicação social credível

 

Em “Nota Pastoral sobre a Situação Social de Angola”, apresentada após a reunião do Conselho Permanente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), que decorreu de 8 a 9 de novembro, em Luanda, os bispos católicos, recordando a celebração do 48.º aniversário da independência do país, no dia 11, mostram-se preocupados com a “corrupção gangrenosa que drenou do país os seus recursos” e apelam ao “estabelecimento efetivo de um Estado democrático”. Nesse sentido, pedem “uma comunicação social credível” que evite a propaganda e seja “instrumento de paz”.

“Aqueles que sofreram na pele a brutalidade do sistema colonial viram, naquele dia [11 de novembro de 1975], o renascer das suas esperanças, com a possibilidade do alcance da autodeterminação e a consequente criação de um Estado novo capaz de dar o melhor para os seus filhos”, escrevem os bispos católicos, lamentando que a esperança tenha, posteriormente, dado “lugar à guerra civil” e que, após alcançada a paz em 2002, não tenham sido tiradas “as lições que se impunham, para melhorar o modo de governar e alcançar o bem-estar duradoiro para todos”.

Consideram que o ponto de partida, o de uma Angola independente, “foi confuso”, pois o que se esperava como festa da paz, da fraternidade e da reconciliação entre todos, “deu lugar à guerra civil, com toda a barbárie que se lhe seguiu”, nomeadamente, a fome, a miséria, as deslocações da população, a insegurança, a improdutividade, a mendicidade, a desestruturação do tecido social, a perda dos valores morais e éticos e tantos outros males”.

Os prelados reconhecem que a obtenção da paz, tão desejada, em 2002, após a guerra civil, constituiu a oportunidade de ouro para reerguer o país, mas “a corrupção drenou o país”. Com efeito, se a guerra civil, iniciada em 1975, “obscureceu o nosso ponto de partida”, de 2002 em diante, declaram, foi a corrupção gangrenosa que drenou o país e os seus recursos, oferecendo-o, de mãos beijadas, para o desenvolvimento de outras economias”.

Apesar da crise financeira de 2008 e da crise dos produtores de petróleo, em 2014, o país parece não ter “tirado as lições que se impunham”, para melhorar “o modo de governar e de alcançar o bem-estar duradouro para todos”.

Entre os principais problemas vividos em Angola, os prelados apontam “as crises económicas cíclicas, a depreciação da moeda, a perda do poder de compra e o consequente difícil acesso aos bens da cesta básica”, que “parecem fazer parte do quotidiano dos Angolanos, sem fim à vista”.

Verificando que “diante deste quadro, a tentação maior é a do desespero, da resignação e da desistência”, a CEAST incentiva os angolanos a não perderem “a esperança”, a refletirem, em conjunto, “sobre o que correu mal” e a iniciarem “imediatamente” a “reconstrução do sentido social”. Para tanto, elege como prioridade a “reconciliação nacional”, com o “estabelecimento efetivo de um Estado democrático e de direito, onde o primado da lei e da justiça sejam para todos, sem exceção”.

Paralelamente, mas em conexão com este desiderato, assinalam “a urgência de uma comunicação social credível que una os angolanos e se regule por critérios de serena objetividade, evite “a propaganda” e se livre de métodos de informação que, violando a justiça e a verdade, ferem a dignidade e o bom nome dos cidadãos”. Os média deverão ser – defendem os líderes católicos – “um instrumento de paz e de desenvolvimento”.

“A esperança incentiva uma atitude de abençoada subversão que não se resigna diante das adversidades, a esperança olha sempre para além, onde esta realização pessoal e coletiva é possível, a esperança imprime uma grandeza de alma, um espírito aberto”, assinalaram, por fim, antes de aprovarem a agenda da primeira assembleia plenária dos bispos da CEAST, marcada para o mês de fevereiro, na província de Malange.

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Por seu turno, o líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o maior partido da oposição angolana, disse, a 8 de novembro, que Angola vive profunda crise económica, marcada pela pobreza, e que a diversificação da economia se tornou “uma miragem”.

Adalberto Costa Júnior fez o retrato da situação económica do país, quando discursava na abertura da Conferência sobre os Desafios Económicos e o OGE [Orçamento Geral do Estado], promovida pela UNITA, através do seu governo sombra. Na ótica do orador, o petróleo continua a dominar na economia angolana, “apesar das engenharias estatísticas” do governo angolano, uma situação que considerou estranha, pois Angola tem tudo para sair dessa crise.

“Temos tudo para inverter essa pobreza e pobreza extrema. Temos tudo para recolocar um sorriso na face de todos os Angolanos, que são muitos, felizmente! A solução não está nas riquezas do país; a razão não é a incapacidade das pessoas. A razão está na liderança do país”, vincou, realçando que Angola é um dos mais ricos países do Mundo.

De acordo com o líder da UNITA, a conferência que o partido realizou, naquele dia, serviu “para ajudar o país a promover caminhos de estabilidade e de desenvolvimento”.

“Não sendo eu um especialista de matérias económicas, compete-me dizer que têm sido, essencialmente, as lideranças políticas as maiores responsáveis pelo retardar do país! A atual crise económica tem respaldo nas decisões políticas. Há perda de valores, perda de referências e inexistência de um claro caminho que porte soluções”, frisou, sustentando que ter mais de 50% do OGE para 2024 direcionado ao pagamento da dívida “pode conduzir a um verdadeiro desastre”, sobretudo se continuarem “a ser negadas as reformas que todos exigem”.

“Não será possível atingir meta alguma sem as reformas políticas e administrativas! Continuar a manipular os números, continuar a abafar os empresários genuínos; substituí-los por governantes corruptos, continuar a negar as autarquias locais; manter o poder judicial e legislativo amarrados e como caixa de ressonância do chefe do regime! Só com um forte e claro travão a todas estas más práticas, poderemos alcançar metas de servir todos e desenvolver o país”, considerou.

Para o líder do principal partido da oposição, não se consegue o crescimento e o desenvolvimento económico com salários miseráveis ou empobrecendo o empresariado nacional, por via da concorrência desleal do próprio Estado, que exerce um peso excessivo sobre a economia, provocando a sua ineficácia e ineficiência.

Relativamente ao aumento salarial da função pública, que o governo prevê aumentar, no próximo ano, em 5%, Adalberto Costa Júnior defendeu que “os vencimentos da função pública devem aumentar e não de forma paliativa”.

E não perdeu a oportunidade de se questionar se, em Angola, era possível acontecer o que sucedeu em Portugal: investigar o primeiro-ministro e deter membros do governo (note-se que ainda não houve detenção de membros do governo, mas de antigos membros do governo).

Segundo o líder da UNITA, a procuradoria de Portugal, assumindo a sua independência, atuou em defesa do interesse público e da transparência. E um primeiro-ministro, que tem uma maioria absoluta, apresentou, de imediato, a sua demissão e colocou-se à disposição dos órgãos da Justiça.

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No dia 10, aludindo ao 48.º aniversário da independência, a UNITA, afirmando que a corrupção e a partidarização das instituições do Estado “destruíram a dignidade do cidadão angolano”, exortou os cidadãos à unidade.

A defesa e os apelos permanentes por um Estado democrático de direito, pela economia de mercado e pela paz social “juntam as vozes da UNITA e das organizações da sociedade civil”.

O partido defende que as autarquias, cuja derradeira lei do pacote legislativo ainda não foi aprovada (48 anos não foram suficientes), devem ser institucionalizadas “em simultâneo”, por serem a “via incontornável para o desenvolvimento”.

O secretariado executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA reafirma a sua disponibilidade em dialogar com todas as forças vivas do país, sobre todas as componentes da vida nacional, para a construção conjunta de uma Angola melhor. E apela a que os Angolanos honrem a memória dos pais da independência, nomeadamente, Álvaro Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Malheiro Savimbi, e rende “uma singela homenagem a todos os heróis e mártires da luta pela libertação pela independência e pela conquista da democracia e da paz”.

Em todo o caso, o 48.º aniversário da independência de Angola é celebrado sob o lema “11 de Novembro: Unidos pelo Desenvolvimento de Angola”.

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A corrupção infiltra-se nos regimes ditatoriais e nos regimes democráticos, na guerra e na paz, nos países ricos e nos países pobres, na administração pública e nas grandes empresas, em tempo de acalmia social e em tempo de pandemia. Contudo, nos regimes democráticos, os órgãos da Justiça podem fazer o contrapeso, embora o façam abusivamente, por vezes; na paz, não funcionam os tribunais marciais; a administração pública corrupta faz o contrário do que o político deve, que é defender o interesse público; a empresa corrupta não promove a função social da propriedade e da empresa e pode correr o risco de destruição; em tempo de pandemia e de outras crises, geram-se grandes oportunidades para alguns e penúria com aperto de cinto para a maior parte; nos países pobres, onde penetram e se instalam os grandes interesses agrícolas e industriais, cava-se a miséria generalizada; e, mesmo nos países ricos, a corrupção afeta, principalmente os pobres. Sempre a corrupção aprofunda as desigualdades e cava o fosso ente ricos e pobres, responsabilizando os pobres pela sua suposta inépcia.

Por isso, exige-se uma comunicação social que seja fiel à realidade objetiva, que não se deixe amarrar pelos poderes políticos, económicos e financeiros, que denuncie todas as situações de injustiça e de corrupção e que ajude à formação de consciência cívica das pessoas.

Aos bispos e à UNITA assiste a razão toda, ao pedirem um Estado democrático e de direito, a unidade e a reconciliação. Porém, há uma diferença: enquanto a UNITA acusa o governo, assumindo a ação política, os bispos limitam-se a verificar a situação de 1975 em diante, a lamentá-la, a apelar à sua alteração e a fazer a apologia da esperança, sem descurarem o sentido da unidade e da Pátria.

2023.11.11 – Louro de Carvalho


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