domingo, 12 de novembro de 2023

Papa Francisco destituiu bispo conservador norte-americano

 

Segundo um comunicado publicado, a 11 de novembro, pelo Vatican News, o portal da Santa Sé, citado pela Reuters, em atitude muito rara, na Igreja, e inédita, no seu pontificado, Francisco destituiu das suas funções o bispo Joseph E. Strickland, da diocese de Tyler, no Texas, um dos seus maiores críticos, entre os conservadores da Igreja Católica Romana nos Estados Unidos da América (EUA) e que vinha criticando, repetidamente, o atual pontificado, sobretudo nos acenos à comunidade LGBTQIA+.

Francisco reuniu-se, na manhã do dia 11, com o prefeito do Dicastério para os Bispos, cardeal norte-americano Robert Francis Prevost, antes do anúncio da destituição do prelado.

A decisão papal de retirar o prelado do seu governo pastoral da diocese do Leste do Texas ocorre dois dias antes do início da reunião plenária, de outono, dos bispos dos EUA, que será realizada entre 13 e 16 de novembro em Baltimore, Maryland.

O anúncio da destituição foi feito, concomitantemente, entre o Vaticano e a Conferência dos Bispos dos EUA. Com efeito, o Vatican News cita o comunicado do cardeal Daniel Nicholas DiNardo, arcebispo metropolitano de Galveston-Houston e presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, onde se lê: “Como resultado da visita apostólica feita, foi transmitido ao Santo Padre que a continuação no cargo do bispo Strickland não era viável. Após meses de cuidadosa consideração por parte do Dicastério para os Bispos e do Santo Padre, foi tomada a decisão de solicitar a renúncia de Strickland. Tendo sido apresentado esse pedido em 9 de novembro de 2023, o bispo Strickland recusou-se a renunciar ao cargo.”

Nenhum dos dois comunicados explica os motivos da decisão. E Strickland também não se pronunciou. Uma gravação no telefone da diocese informa que está fechada para fim de semana. Na sequência desta recusa, o Papa Francisco decidiu destituir o bispo. Em caso de conflito entre um bispo de uma diocese e o Vaticano, o procedimento normal é aquele aceitar o convite a pedir a renúncia. Porém, segundo dizem, Strikland nunca foi um bispo normal.

A diocese de Tyler ficará ao encargo do bispo de Austin, Joe Vasquez, seu administrador apostólico, até que seja nomeado um novo bispo.

É muito raro um bispo ser retirado do seu ofício pastoral. Normalmente, os prelados com problemas com o Vaticano são convidados a renunciar primeiro e, depois, o Papa aceita o pedido.

Os Sumos Pontífices, só tomam a medida de destituição, considerada drástica, quando um bispo rejeita a sugestão de renúncia. Porém, Strickland – nomeado pelo Papa Bento XVI, em 2012 – de 65 anos, dez a menos da idade normal para a renúncia dos bispos, havia dito, neste ano, que se recusaria a renunciar, caso recebesse tal solicitação.

A demissão de monsenhor Strickland ocorre após a conclusão de uma investigação formal, no âmbito da visita apostólica, ordenada pelo Papa, iniciada, em junho deste ano, pelo Dicastério para os Bispos sobre a diocese e desenvolvida por dois outros bispos norte-americanos, a qual analisou o uso dos meios de comunicação social e das redes sociais pelo bispo e assuntos relacionados com a administração diocesana, nomeadamente a nível financeiro.

Monsenhor Strickland é usuário ávido das redes sociais, muito popular, mas polémico. Enfrentou críticas pelas suas fortes publicações nas redes sociais, entre elas um tweet, de 12 de maio, a declarar que rejeitava o “programa do Papa Francisco para minar o Depósito da Fé”.

Em concreto, tem sido particularmente crítico da tentativa da Igreja de ser mais recetiva à comunidade LGBTQIA+ e aos movimentos de Francisco para dar a leigos mais responsabilidade na Igreja, tal como se opôs ao caminho sinodal em curso.

Ao longo destes 10 anos da sua liderança pastoral, a diocese vivenciou mudanças significativas, incluindo a renúncia, em 2018, de três funcionários diocesanos, decisão que o prelado afirmou, à época, que poria a diocese na melhor situação possível para cumprir sua missão.

Todavia, o mandato de monsenhor Strickland também coincidiu com sinais favoráveis de saúde espiritual e administrativa em Tyler. Há, atualmente, 21 homens em formação sacerdotal para um território de 119.168 católicos. A diocese está em boa situação financeira, em parte devido à sua capacidade de arrecadar 99% da sua meta de 2,3 milhões de dólares para o “Apelo do Bispo”, de 2021, seis meses antes do previsto.

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A reação não se fez esperar. O bispo auxiliar de Santa Maria em Astana, Athanasius Schneider, faz suas as palavras de São Basílio: “A única acusação que agora, certamente, garantirá punição severa é a de manter cuidadosamente as tradições dos Padres.” E, com elas, sustenta que “a deposição do Bispo Joseph E. Strickland significa hoje um dia negro para a Igreja Católica”.

“Assistimos a uma flagrante injustiça para com um bispo que cumpriu o seu dever de pregar e de defender com parrésia a imutável fé e moral católica e de promover a sacralidade da liturgia, especialmente no imemorial rito tradicional da Missa”, aponta, referindo que “as acusações feitas contra ele são, em última análise, insubstanciais e desproporcionais, tendo sido utilizadas como uma boa oportunidade para silenciar uma incómoda voz profética dentro da Igreja”.

Repontando-se a tempos do período paleocristão, defende que “o que sucedeu aos bispos, na crise ariana no século IV, que foram depostos e exilados apenas porque pregavam, destemidamente, a fé católica tradicional, está a acontecer novamente nos nossos dias”. Porém, “vários bispos que apoiam publicamente a heresia, abusos litúrgicos, a ideologia de género e convidam abertamente os seus sacerdotes a abençoar casais do mesmo sexo não são, de forma alguma, incomodados ou sancionados pela Santa Sé”, acusa.

Prevê que monsenhor Strickland entrará na história como um “Atanásio da Igreja nos Estados Unidos”, que, ao invés de Atanásio, “não é perseguido pelo poder secular, mas incrivelmente pelo próprio Papa”. E lamenta que a “purga” dos bispos, fiéis à imutável fé católica e à disciplina apostólica, que já dura há algum tempo, tenha atingido, agora, uma fase decisiva.

Assim, roga que “o sacrifício que Nosso Senhor pediu ao Bispo Strickland dê frutos espirituais abundantes para o tempo e para a eternidade”. E sugere que monsenhor Strickland e outros bispos fiéis, que estão atualmente marginalizados, ou os que serão os próximos na fila, digam, com toda a sinceridade, ao Papa Francisco: “Santo Padre, por que nos persegue e nos bate? Tentamos fazer o que todos os santos Papas nos pediram? Com amor fraterno oferecemos o sacrifício deste tipo de perseguição e de exílio pela salvação da sua alma e pelo bom estado da Santa Igreja Romana. Na verdade, somos os seus melhores amigos, Santíssimo Padre!”

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Os aludidos comentários de Strikland foram divulgados pelo agora ex-bispo de Tyler a propósito de um vídeo difundido por Patrick Coffin, conhecido comentador dos meio de comunicação católicos mais conservadores, em que dá razões para concluir que Francisco usurpara o lugar e seria um antipapa - opinião partilhada por Strikland que nunca a afirmou publicamente, preferindo a acusação de que Francisco desenvolvia um programa para minar a tradição da Igreja.

Em maio deste ano, era voz corrente que o bispo da diocese de Tyler assumira, publicamente, que “chegou o tempo de dizer que rejeita o programa do Papa Francisco” porque esse “programa” “está a minar o depósito da fé”, ou seja, o que a tradição da Igreja Católica ensina.

Strickland comentava um vídeo de Patrick Coffin no qual esta figura pública dos media católicos apresentava alegadas razões pelas quais se poderia afirmar que o Papa Francisco usurpou o lugar e seria um antipapa. Este é o tipo de ideias que meios fundamentalistas católicos alimentam, especialmente nos EUA. O bispo de Tyler não ia tão longe, reconhecendo que o Papa Francisco é mesmo o Papa, mas que enveredou por um caminho que trai a tradição da Igreja. 

Segundo Mike Lewis, autor de “Whwre Peter is”, um blogue considerado pelo seu equilíbrio na cobertura da atualidade católica, este bispo, por mais de uma vez, deu a entender que perfilhava estas opiniões, mas não ousara afirmá-las publicamente.

Este membro do episcopado dos EUA tem defendido teorias conspirativas sobre o vírus da covid-19 e sobre as vacinas; subscreveu publicamente a pseudoteoria do roubo de votos a Trump na última eleição presidencial e expressou concordância com um vídeo que insultava o Papa, mas não afirmara nada disso em público. Com a assunção da divergência de fundo com o Papa, Strickland “parece ter finalmente cruzado a linha da oposição direta e explícita a Francisco e a sua autoridade de ensino”, refere o blogger. Esta posição terá sido participada à Nunciatura Apostólica no país, a qual reagiu mais tarde, tendo provocado o processo que levou à destituição.

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É certo que a Igreja deve ser o espaço da pluralidade e da diversidade, mas sem prejudicar a unidade no essencial. É bom que se observe o princípio corrente no tempo de Santo Agostinho, bispo de Hipona: “Roma locuta, causa finita” (Tendo Roma falado, a questão fica resolvida). Com efeito, acima de tudo está o Evangelho. E o Evangelho que resulta da verdadeira transmissão apostólica, baseada nos ditos, nos feitos e nos eventos do Senhor, não se deixa aprisionar pelas limitadas tradições humanas. Por isso, além da Escritura são dignos de fé os ensinamentos dos antigos Padres da Igreja, dos concílios e do magistério pontifício extraordinário. A Tradição, que sempre será o que era, supera a tradição, que já não é o que era. É demasiado ousado acusar Francisco de antipapa ou de herege. Ao invés, deve ser apreciado o seu sensus fidei, o seu tacto pastoral e o seu impulso à renovação teológica.

Advirta-se que o dito ancestral rito da missa e dos sacramentos invocado pelos ultraconservadores é pouco antigo, só remonta ao Concílio de Trento; e muita da dita antiga doutrina é a fixada no Concílio de Trento e no Concílio Vaticano I – importantes, mas limitados (o primeiro, contra o protestantismo; o segundo, adiado sine die, devido ao cenário internacional).  

2023.11.12 – Louro de Carvalho

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