quarta-feira, 15 de novembro de 2023

O tempo das nossas heroicas máquinas de escrever

 

A máquina de escrever, máquina datilográfica ou máquina de datilografia, marcou importante período na História da tecnologia em constante evolução. Foi suplantada pelo computador, na era da informática, e pela exigência do ritmo acelerado em que estão associadas ao sucesso e ao lucro a competitividade e a qualidade, mas os equipamentos mais modernos e aperfeiçoados utilizarão as teclas, até que o avanço tecnológico proporcione outra alternativa.  

É um instrumento mecânico, eletromecânico ou eletrónico com teclas que, premidas, imprimem os carateres (letras, números, sinais, símbolos, etc.) num documento, em geral, de papel. O método pelo qual deixa a impressão varia conforme o tipo de máquina. Habitualmente, a impressão é causada pelo impacto de um elemento metálico, com um alto-relevo do caráter em fita com tinta que, em contacto com o papel, é depositada na sua superfície.

No fim do século XX, com o advento dos computadores, tornou-se rara a sua utilização na generalidade das empresas e na utilização doméstica, que possibilitam, com processadores de texto, efetuar o mesmo trabalho, de modo mais eficiente e rápido.

Com mais de 200 anos e quase desconhecida dos mais jovens, a máquina de escrever transformou-se em peça de antiquário e de museu, sendo abril de 2011 a data do seu fim. Com o encerramento da multinacional Godre j& Boyce, com sede em Bombaim, a última fabricante de máquinas de escrever, na Índia, deu por finda a sua atividade, por falta de procura.  

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A ideia de escrever através de um meio mecânico começou antes da era da máquina e focava-se em imprimir tipos padrões de letras, herança da impressão de Gutenberg.

As primeiras máquinas de escrever eram manuais, com acionamento mecânico das teclas. Depois, surgiram as eletromecânicas, de funcionamento mecânico, auxiliado por um motor elétrico, para diminuir o esforço e agilizar a escrita. Por fim, surgiram as eletrónicas, com acionamento dos tipos (carateres) em margaridas ou esferas, para atingir melhor velocidade e qualidade de impressão, e possibilitar a correção dos erros, com fitas corretivas.

Na primeira metade do século XX, com as máquinas de escrever portáteis e elétricas, a máquina de escrever, mais desenvolvida e sofisticada, tornou-se mais rápida, silenciosa, prática e acessível a todos. Indispensável no campo dos negócios, foi um instrumento das novas oportunidades de emprego, sobretudo da emancipação da mulher no mercado de trabalho.

Com um maior acesso à escolaridade, assistiu-se à criação de profissões femininas socialmente consideradas, em que o curso de datilografia (“datilografia”, termo de origem grega “dáktylos” = dedo; “graphê” = escrita e o sufixo -ía, indicativo de ciência ou arte), isto é, arte de digitar textos com os dedos através de teclado, era ministrado para o uso das máquinas de escrever, que se difundiu-se largamente com a expansão do setor comercial e serviços, nas repartições públicas, nos bancos e nos escritórios, pela necessidade de maior rapidez e de uniformidade da escrita, contribuindo para o desenvolvimento económico e social.

Até ao início da década de 1980, estas máquinas eram acessório padrão nos escritórios. A partir da década de 1980 até fins dos anos 2000, foram suplantadas pelos computadores. Porém, em algumas partes do Mundo, são necessárias para situações específicas. Em muitas cidades e vilarejos indianos, são usadas as máquinas de escrever, especialmente em estradas e escritórios jurídicos, devido à falta de eletricidade contínua e confiável. 

layout (esquema) do teclado QWERTY, desenvolvido para máquinas de escrever, é o padrão para teclados de computador. Os modelos mais recentes para escritórios possuíam memória interna e pequenos monitores, com forma próxima dos computadores pessoais.

Porém, a máquina de escrever com teclado QWERTY não incluía teclas para o meias-risca e o travessão. Para superar tal limitação, os usuários digitavam o hífen mais de uma vez para aproximar esses símbolos. Essa convenção de máquina de escrever ainda se usa, algumas vezes, em computadores, embora os aplicativos modernos de processamento de texto possam inserir as meias-riscas e os travessões corretos para cada tipo de fonte. Outros exemplos de práticas de máquina de escrever que se usam em sistemas de editoração eletrónica incluem a inserção de um espaço duplo entre as frases e o uso do apóstrofo da máquina de escrever (') e as aspas retas (") como marcas de citação e plica ou aspas. A prática de sublinhar o texto em vez de inserir o itálico e o uso de todas as maiúsculas para dar ênfase são exemplos de convenções tipográficas derivadas das limitações do teclado da máquina de escrever que permanecem.

Embora muitas máquinas de escrever modernas tenham designs semelhantes, a sua invenção foi progressiva, desenvolvida por diversos inventores que trabalharam independentemente ou na concorrência ao longo de décadas. Os historiadores estimam que foram criados 52 protótipos de máquina de escrever, antes do surgimento de um modelo viável.

Em 1575, o gravador italiano Francesco Rampazetto inventou a scrittura tattile, máquina para imprimir cartas em papéis. Porém, já em 1714, Henry Mill obteve uma patente, na Grã-Bretanha, para uma máquina semelhante a uma máquina de escrever, com o objetivo imprimir ou transcrever letras num pedaço de papel, sem precisar de escrever à mão, podendo ser de grande utilidade em registos públicos e do género, pela dificuldade de falsificação ou de rasura.

No início do século XIX, mais precisamente em 1802, o italiano Agostino Fantoni desenvolveu uma máquina de escrever especial para que a irmã cega pudesse escrever. Entre 1801 e 1808, o italiano Pellegrino Turri inventou uma máquina de escrever para uma amiga cega, a condessa Carolina Fantoni da Fivizzano. Era comum estas máquinas serem pensadas para utilização de pessoas com visão comprometida e que imprimissem só em carateres maiúsculos. Em 1823, o italiano Pietro Conti da Cilavegna inventou novo modelo, o tachigrafo ou tachitipo. Em 1829, o norte-americano William Austin Burt patenteou uma máquina, o tipógrafo, que, em comum com outros modelos antigos, é listada como a primeira máquina de escrever, que o Museu da Ciência de Londres descreve, exageradamente, como “o primeiro mecanismo de escrita cuja invenção foi documentada”. De 1829 a 1870, muitas máquinas de impressão ou datilografia foram patenteadas por inventores na Europa e na América, mas nenhuma teve produção comercial. O norte-americano Charles Thurber desenvolveu várias patentes, das quais a primeira em 1843 foi para ajudar os cegos, como a do quirógrafo de 1845. Em 1855, o italiano Giuseppe Ravizza criou um protótipo de máquina de escrever a Cemblano scrivano o macchina da scrivere a tasti, uma máquina avançada que permitia ao usuário ver a escrita à medida que era digitada.

Em 1861, o padre Francisco João de Azevedo, então tipógrafo, criou, no Recife, uma máquina de escrever em madeira jacarandá, com 16 pedais, que parecia um piano. Apresentou-a na Exposição Agrícola e Industrial de Pernambuco, sendo premiado com a Medalha de Ouro pelo Imperador D. Pedro II. Havia de ir à Feira Mundial de Londres, mas por causa do tamanho, acabou por não ser embarcada. Porém, só em 1868, foi patenteada pelo tipógrafo americano Christopher Sholes que, mais tarde, com a firma Remington and Sons, de Nova Iorque fabricou o seu primeiro modelo industrial, designado Sholes &Gliddens, contribuindo, assim, para o início da produção, industrialização e comercialização da máquina de escrever.

Em 1878, foi introduzida uma nova máquina a Remington n.º 2, ainda mais rápida e que escrevia com letras maiúsculas e minúsculas utilizando a tecla shift, tornando-se grande sucesso comercial.

Em 1865, John Jonathin Pratt, de Centre, Alabama, construiu uma máquina, a Pterotype, que apareceu num artigo de 1867 na revista Scientific American. Entre 1864 e 1867, Peter Mitterhofer, um carpinteiro do Tirol do Sul (parte da Áustria) desenvolveu vários modelos e um protótipo de máquina totalmente funcional em 1867. Em meados do século XIX, o ritmo crescente da comunicação empresarial criou a demanda da mecanização do processo de escrita. Estenógrafos e telégrafos registavam informações a taxas de até 130 palavras por minuto (em vez de 30 com caneta), número baseado no recorde de velocidade de escrita de 1853.

A partir de 1880, as máquinas de escrever passaram a ser adotadas pelo mercado corporativo, em busca da legitimação dos documentos comerciais que eram produzidos em todas as transações.

O aumento da demanda despertou o interesse das indústrias para o novo produto, primeiro, nos Estados Unidos da América (EUA) e, depois, na Europa, com a Alemanha a ser um dos principais polos, espalhando-se, em seguida, para os demais países industrializados.

As máquinas produzidas no fim do século XIX deixavam os datilógrafos “às cegas”, porque o mecanismo tapava o papel (a tecla batia para cima) e não se via o que era digitado. O problema foi resolvido graças a Thomas Oliver, criador da Oliver Typewriter Company, pela criação de um arranjo semicircular, que mantinha as barras de tipo afastadas da área de digitação.

A primeira patente norte-americana é de William Austin Burt, de Detroit (1829), cujo conteúdo foi destruído pelo incêndio do Escritório de Patentes de Washington, em 1836.

Entre os fabricantes mais importantes incluem-se E. Remington and Sons, IBM, Godrej, Imperial Typewriter Company, Oliver Typewriter, Olivetti, Royal Typewriter Company, Smith Corona, Under Typewriter Company, Adler Typewriter Company e Olympia Werke. É de relevar que a Remington, que antes se dedicava apenas à produção de armas, foi a primeira empresa a investir na produção da máquina de escrever, em 1874, já com uma configuração próxima do modelo que se tornou popularmente conhecido em todo o Mundo.

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Porque o layout QWERTY não era mais eficiente para o nosso idioma e para outros, pois requer que um digitador mova os dedos entre as linhas para digitar as letras mais comuns, no século XX, surgiram outros arranjos do teclado mais satisfatórios. Em Portugal, as máquinas mais antigas são as das marcas Royal, Corona, Imperial, Continental e a Underwood, que se destacam pela sua robustez, algumas pelos motivos decorativos e pelos layouts de teclado AZERTY e HCESAR, compostos por teclas de vidro com anilha. Estes teclados, entre outros, surgiram da necessidade de rapidez na escrita, permitindo que as teclas mais utilizadas, estivessem afastadas, para evitar que as hastes metálicas com os carateres na extremidade, colidissem entre si. O primeiro era usado sobretudo, em países de expressão e influência francesa; o segundo, conhecido como teclado português, foi criado por decreto-lei de 21 de julho de 1937, e tinha como particularidade, a dupla função de teclas, entre outras.

Da coleção de 55 máquinas do acervo museológico do Gabinete de Património Histórico da Caixa Geral de Depósitos (CGD), destaca-se a mais antiga, uma Smith Premier n.º 3, de 1899. É uma máquina mecânica de 84 teclas que inclui dois teclados, um de letras maiúsculas e outro de minúsculas (a Bola de Escrita Hansen só produzia letras maiúsculas). De estrutura metálica, apresenta as teclas em liga de baquelite e o carreto com rolo em borracha. Dispõe de pente de barras metálicas com tipos nas extremidades. A barra de tipo embatia na parte inferior do cilindro, sobre o papel, de baixo para cima, proporcionando a escrita understroke, isto é, escrita invisível, pois não se via o texto enquanto se escrevia, sendo preciso levantar o carreto para o visualizar.

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Algumas máquinas de escrever elétricas foram patenteadas no século XIX, mas a primeira máquina conhecida a ser produzida em série foi a Cahill, de 1900. Uma delas foi produzida pela Blickensderfer Manufacturing Company, de Stamford, Conecticut, em 1902. Usava uma roda cilíndrica em vez de barras de tipo individuais. Em 1910, Charles e Howard Krum registaram a patente do primeiro telétipo de escrita prático. Em 1941, a IBM anunciou a máquina de escrever elétrica Electromatic Model 04, com o revolucionário conceito de espaçamento proporcional, produzindo um efeito que foi mais aprimorado ao incluir fitas de filme de carbono, em 1937, que produziam palavras mais claras e nítidas na página. Alguns dos avanços da IBM foram adotados em máquinas mais baratas produzidas pelas suas concorrentes. Por exemplo, as elétricas Smith-Corona, de 1973, adotaram cartuchos de fita intercambiáveis Coronamatic patenteados.

A última principal mudança na máquina de escrever foi tornar-se eletrónica. A maioria delas substituiu o typeball por uma impressora de impacto de tipo margarida de plástico ou de metal, um disco com as letras moldadas na borda externa das “pétalas”.

A primeira máquina de escrever eletrónica margarida comercializada no mundo foi a Olivetti Tes 501, lançada em 1976. Em 1978, vieram a Olivetti ET101 (com display de funções) e a Olivetti TES 401 (com display de texto e disquete para armazenamento de memória). Isso permitiu à Olivetti manter o recorde mundial no design de máquinas de escrever eletrónicas, propondo modelos cada vez mais avançados e performáticos nos anos seguintes. Estas máquinas eram realmente eletrónicas e contavam com circuitos integrados e componentes eletromecânicos. Às vezes, eram chamadas de máquinas de escrever de exibição, processadores de texto dedicados ou máquinas de escrever de processamento de texto, embora o último termo também fosse aplicado a máquinas menos sofisticadas que apresentavam apenas um visor minúsculo, às vezes apenas uma linha. Também eram chamados processadores de texto alguns modelos sofisticados, embora hoje o termo quase sempre denote um tipo de programa de software.

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Aqui fica algo da saga do equipamento que me fez romper os dedos e cansar as pestanas.

2023.11.15 – Louro de Carvalho

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