sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Partidos europeus de extrema-direita reuniram-se em Lisboa


Informação divulgada pelo partido Chega dava conta da marcação, para o dia 23 de novembro, de um jantar com o presidente do partido, André Ventura, rodeado do dirigente da União Nacional e deputado da Assembleia Nacional Francesa, Thibaut François, e dos eurodeputados Susanna Ceccardi, eleita pelo partido italiano Liga, e Maximilian Krah, da Alternativa para a Alemanha (AfD – Alternative für Deutschland). Por sua vez, Marine Le Pen, da Frente Nacional francesa (RN – Rassemblement Nacional), esteve presente no dia 24.


Esse jantar marcou o encontro, de 23 e 24 de novembro, no Convento do Beato, em Lisboa, de dirigentes de partidos de extrema-direita europeus, que formam a família política Identidade e Democracia (ID), entre os quais a francesa Marine Le Pen.


Além da intervenção de Marine Le Pen, houve as do eurodeputado belga Gerolf Annemans, eleito pelo partido flamengo de extrema-direita Vlaams Belang, de Martin Helme, líder do partido de direita nacionalista da Estónia EKRE, do checo Tomio Okamura, do Liberdade e Democracia Direta, de Tino Chrupalla, da AfD, e do eurodeputado austríaco Harald Vilimsky. Pelo Chega, estiveram presentes o presidente do partido, André Ventura, e a deputada Rita Matias. Segundo uma publicação do ID na rede social X (antigo Twitter), o encontro teve como tema “Em direção a uma Europa de Cooperação”. Antes, na manhã do dia 24, o líder do Chega teve um encontro com a líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, a que se seguiu uma conferência de imprensa conjunta na Assembleia da República, em que também interveio Tino Chrupalla.

Em declarações aos jornalistas no dia 22, André Ventura indicou que essa conferência de imprensa versaria sobre “múltiplas matérias mas, sobretudo, sobre matérias europeias”.

O líder do Chega ouviu Tino Chrupalla, líder da AfD alemã, dizer que era contra as contribuições para a União Europeia (UE) que beneficiam Portugal. E Le Pen, ao seu lado, a manifestar-se contra as sanções à Rússia. Aliás, tanto Chrupalla como Le Pen se mostraram contra as sanções europeias à Rússia, cujas decisões criticaram. Ao invés, o Chega defende, desde o início da guerra na Ucrânia, “fortes sanções” contra Vladimir Putin.

Estas divergências em política externa não inibiram o líder da direita radical portuguesa de concordar com as ideias dos homólogos, que defendem o desmantelamento das instituições europeias e da União Europeia (UE), para criar uma realidade nova de nações soberanas.

Com Tino Chrupalla ao seu lado direito – presidente do partido alemão que, durante a crise da dívida, defendeu a saída de Portugal do euro –, André Ventura recordou a doutrina do Chega em matéria europeia, na reunião de dirigentes  de partidos do grupo de direita radical com assento no Parlamento Europeu, que o Chega deverá integrar: “O Chega tem tido, desde o início, uma posição muito clara: não defende nem defenderá a saída de Portugal da União Europeia, mas defende a reforma da União Europeia. Achamos importante uma refundação da UE que dê mais poderes aos Governos para controlo de fronteiras, de migrações, mas também para alterar políticas económicas que estão a favorecer mais a China do que os países europeus”, afirmou. Porém, apesar de não expressar opiniões muito vocais contra a UE nas discussões nacionais, Ventura diz que se revê nas palavas de Le Pen, que é contra a União e que defende mais do que a mera reforma ou do que os termos da refundação preconizados pelo líder do Chega.

Marine Le Pen porfiou aos jornalistas que enchiam a sala do Chega na Assembleia da República – com um fresco do Marquês de Pombal na parede por detrás –, não ser contra a Europa: “Somos contra a União Europeia e é porque gostamos da Europa que estamos contra a UE”, assegurou, defendendo não uma reforma, mas o fim da UE, sucedendo-lhe uma “Europa das nações” que recuperariam a soberania delegada em Bruxelas. “Se luto contra a UE, é porque ela quer impor um modelo único a todo os países”, explicou a líder francesa que, em 2017, chegou a defender um referendo para a França abandonar a Europa. “Não desejo impor o mesmo modelo a todos os países, acredito na soberania, e cada país decide para si”, explicitou.

Le Pen preconizou a criação de uma “Declaração dos Direitos e dos Povos”, que seria equiparada à Declaração Universal dos Direitos Humanos. E atacou a UE pelo que “faz ao Mundo pelas sanções e ameaças” pois “não é essa a grande ideia europeia.” E deixou implícita a oposição às sanções contra Putin, também criticadas pela AfD. Não estão contra só os comunistas!

Todos unidos no mantra tradicional dos partidos radicais contra a imigração, o líder alemão investiu contra a UE, mas numa perspetiva que afetaria Portugal. Tino Chrupalla – que foi membro da CDU, o partido da democracia cristã, tal como André Ventura foi do Partido Social Democrata (PSD) – sublinhou o facto de a Alemanha ser um contribuinte líquido da UE, com 30 mil milhões anuais de contribuições para a UE, “um sorvedouro orçamental” e dos contribuintes alemães. Ora, Portugal é um dos países mais beneficiados pelos fundos da coesão, mas André Ventura não se pronunciou sobre este aspeto. Se concordasse, queimava-se internamente!

Entusiasmados com a vitória do aliado de extrema-direita Geert Wilders, na Holanda, os três líderes evidenciaram que tanto a AfD, na Alemanha, como o RN, em França, lideram sondagens, enquanto o Chega aspira a duplicar o resultado nas próximas legislativas. “Resta saber se Wilders consegue formar governo”, afirmou Ventura, enquanto Chrupalla vincou o facto de, no seu país, os partidos terem traçado uma linha vermelha contra a AfD, o que será mal visto pelos eleitores.

Questionado sobre a crise política, André Ventura, ironizou: “A queda do governo de António Costa, no meio de um escândalo de corrupção, um escândalo judicial, é boa não só para Portugal, mas também para a Europa.” “Assim o socialista já não deverá desempenhar qualquer cargo europeu no futuro”, vaticinou.

Há quem diga que as posições de André Ventura sobre a UE evoluíram no sentido de se aproximar dos radicais de outros países. Numa entrevista que deu, em 2019, à Rádio Renascença (RR) – como cabeça de lista da coligação Basta! (que o Chega integrava) às eleições europeias – dava ideia de que queria ainda mais intervenção europeia em matérias como impostos e até segurança, como o combate à “pedofilia transnacional”. Porém, já se afirmava por “uma Europa de nações”, com “um mercado livre que exista para o que interessa às pessoas”.

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Na entrevista à RR, dizia que a UE só se mete no que não interessa às pessoas e preconizava um referendo em Portugal sobre o regresso da prisão perpétua.

O objetivo era abalar o sistema. Tocando os assuntos europeus, mostrava aos Portugueses que o sistema não serve. Não obstante, sustentava que “sair da UE, ou mesmo do euro, no contexto em que estamos, seria catastrófico para Portugal”. Verificava que “só a extrema-esquerda é que defende a saída do euro, mais ninguém”. E apontava a grande necessidade de mudança interna da UE. A título de exemplo, dizia: “Sempre que houve violação das regras do défice por Portugal, Espanha ou Itália, houve sanções ou advertências, mas, quando a França tem o mesmo problema, deixa-se passar sem qualquer advertência. Não podemos ter uma Europa a quatro, cinco ou seis velocidades, em que uns podem fazer tudo e outros não podem fazer nada.”

Na verdade, esta UE “mete-se em tudo, desde a colher de pau ao tamanho do frasco do iogurte, e não se mete em coisas verdadeiramente importantes”. Por exemplo, quem vive ao pé da fronteira paga o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) a uma taxa e do outro lado paga menos.

A tributação é questão de soberania, não havendo impostos europeus, o que leva a pensar que as prioridades da UE não foram conseguidas: “Tocaram em tudo o que não interessa às pessoas, e em tudo o que verdadeiramente interessa, como a segurança, impostos, representatividade, disseram: ‘vai para lá’.” As pessoas toleram a UE por causa dos fundos.

Por exemplo, na Justiça, a UE apostou em branqueamento de capitais e em fraude fiscal, mesmo a nível penal, que era matéria de soberania. Ninguém se preocupou muito, porque está em causa dinheiro. Nunca fez o mesmo no combate à pedofilia. Ora, uma das caraterísticas da pedofilia é ser transnacional, conseguindo aproveitar a mobilidade entre os Estados. Isto leva-nos a pensar que, se a UE, se não age no crime e nos impostos, age em quê?

E André Ventura era categórico, ao afirmar: “Somos claramente por uma Europa de nações, mas não no sentido saudosista, é no sentido de respeitar povos e culturas que não têm dez dias, nem 80 dias, têm 800 anos. Agora, se existe uma UE e queremos um mercado livre, então que exista para o que interessa às pessoas. […] Mesmo a questão da islamização e da imigração islâmica, isso seriam questões que a UE devia tratar e não o faz”

Em relação às migrações, dizia não querer uma Europa-fortaleza, nem fechá-la aos que se aproximam, não fechar portas a quem foge da guerra, da perseguição religiosa, de crimes sexuais. Seria contrariar a nossa História. Porém, considerava: “Também não podemos dizer: ‘Entrem, usem e abusem’. Há indivíduos que tentaram pedir asilo em 14 países com identidades diferentes. Isto traz consequências para a vida das pessoas, para a segurança, para a saúde. O que defendemos é que a União Europeia tenha controlos efetivos. Tem de haver troca de informações. A Europa tem de ser solidária, mas ao mesmo tempo tem de ter controlo nas fronteiras, senão deixa de ser Europa e passar a ser um espaço completamente aberto.”

Quanto à hipótese da criação de taxas europeias, sustentava que a ideia de resolver os problemas, taxando mais os Portugueses, “é um ultraje”, pois “já estamos rodeados de impostos”, havendo cidadãos que pagam mais de 50% de impostos sobre o rendimento.

Sobre a defesa da pena de morte, que lhe ficou colada, esclareceu que, num debate na TVI, disse que há democracia onde há pena de morte e que não o chocava que, em alguns casos, existisse. “Nunca disse que era favorável e sempre disse até que era contra a ideia de pena de morte, porque é irreversível, porque não permite qualquer reversibilidade, em caso de engano ou de uma total recuperação do individuo”, explicitou. Já no atinente à prisão perpétua, mostrava-se convicto de que, “no dia em que tivermos um referendo sobre isto – e nós haveremos de fazê-lo –, mais de 60% das pessoas vai apoiar. E defendia a prisão perpétua, revista de 25 em 25 anos para casos em que o indivíduo, ao fim de 25 anos, seja pessoa diferente e tenha assumido a culpa e os erros – para crimes de homicídio em primeiro grau, para violadores em série, etc.

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O Chega aproveita a crise política para crescer, à boleia dos descontentes, do que defende Passos Coelho (o Chega é partido democrático como os outos), do que propôs Miguel Relvas (é preciso aglutinar a direita, integrando o Chega) e do que declarou o Presidente da República (não inviabilizaria um governo com o apoio do Chega – embora devendo fazê-lo, não o deveria dizer por antecipação). O momento é propício e a reunião da extrema-direita europeia é um doce para o partido, que passa ao discurso da moderação, obnubilando as teses polémicas.

Seja como for, pena de morte (nunca), prisão perpétua, castração química e acolhimento só dos imigrantes de luxo, bons ou escravos, são ideias a rejeitar em absoluto.

Sou contra as sanções à Rússia, não por Putin (que condeno), mas por se virarem contra nós e nos tornarem mais dependentes, no mercado dos cereais e no mercado energético.

Quanto à UE, é verdade que os Estados-membros (sobretudo os periféricos) estão constrangidos por diretivas que lhes beliscam profundamente a soberania política, económica, financeira e social. Também sou contra esta UE, mas não quero que ela termine: quero que se reformule e seja união de países, mantendo estes as malhas essenciais da soberania. Que a UE seja uma frente política, unida, social e solidária, com peso mundial, enfim, Europa de cidadãos e de nações, com poder decisório nas mãos do Conselho e do Parlamento, não de burocratas não eleitos. Porém, duvido de que estes partidos que estiveram reunidos em Lisboa façam melhor Europa!

2023.11.24 – Louro de Carvalho

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