quinta-feira, 9 de novembro de 2023

A iraniana distinguida com Nobel da Paz termina greve de fome

 

A ativista iraniana Narges Mohammadi, de 51 anos, a quem foi atribuído o prémio Nobel da Paz de 2023, encontrando-se reclusa, em Teerão, e que sofrera um ataque cardíaco, em 2022, iniciou uma greve de fome, a 6 de novembro, para protestar contra a falta de cuidados médicos na prisão e contra o uso obrigatório do véu islâmico.

Entretanto, segundo um comunicado divulgado pela família, encerrou essa greve de fome, a 9 de novembro, depois de ser examinada num hospital.

“Depois de ser transferida para o hospital, sem usar o véu obrigatório, e voltar para a ala feminina [da prisão], terminei a greve de fome”, informou Narges Mohammadi num comunicado divulgado pela sua família na rede social Instagram.

As autoridades iranianas tinham informado, no dia 8, que a ativista fora levada para o hospital para fazer testes pulmonares e cardíacos seguindo, os “regulamentos e protocolos”, depois de lhe ter sido negada, há duas semanas, uma visita médica de revisão ou a ida ao hospital, por não usar o véu islâmico, ‘hijab’.

Narges Mohammadi, que está detida na prisão de Evin, em Teerão, garante que não usava ‘hijab’.

“Fui da prisão para o hospital sem usar o véu obrigatório, com casaco e saia e com dezenas de agentes das forças de segurança”, disse, acrescentando: “Se a República Islâmica considera que não usar o véu está de acordo com os regulamentos e protocolos, então certamente deveria ser o mesmo para todas as mulheres iranianas.”

A ativista disse que as autoridades mobilizaram forças de segurança na entrada do hospital, no estacionamento, no elevador e no corredor que leva ao consultório do médico que a iria examinar. E, durante a visita ao hospital, não foi autorizada a falar com o seu advogado, nem com a família.

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A 6 de outubro, o Comité Nobel norueguês atribuiu o prestigiado prémio da Paz à engenheira e jornalista Narges Mohammadi, “pela sua luta contra a opressão das mulheres no Irão e para promover os direitos humanos e a liberdade para todos”. É a 19.ª mulher a ganhar o Prémio Nobel da Paz e a segunda iraniana, depois de a ativista de direitos humanos Shirin Ebadi ter recebido o Nobel, em 2003.

A ativista, que está a cumprir uma pena de 10 anos de prisão, por “espalhar propaganda contra o Estado”, tem, nos últimos anos, entrado e saído de várias prisões iranianas. Não vê os filhos, que estão em Paris, há oito anos, e passou em confinamento solitário, durante longos períodos.

Kiana e Ali, os gémeos de Narges Mohammadi nasceram a 28 de novembro de 2006. Um dia, quando as crianças tinham três anos e meio, a menina ficou doente: “Tínhamos acabado de regressar do hospital, fui presa por agentes dos serviços de informação. Desci as escadas devagar e ouvi [Kiana] dizer ‘Mãe, dê-me um beijo. Fui para a secção 209 da prisão de Evin, em Teerão. Uma câmara de tortura para uma mãe separada de um filho doente”, escreveu Narges em agosto de 2015, num depoimento partilhado pela Amnistia Internacional (AI).

Segundo o comunicado oficial a jornalista “é uma mulher, uma defensora dos direitos humanos e uma lutadora pela liberdade” e “a sua corajosa luta teve custos pessoais tremendos. No total, o regime iraniano prendeu-a 13 vezes, condenou-a cinco vezes e sentenciou-a a um total de 31 anos de prisão e a 154 chicotadas”. Tem-lhe ficado caro o seu ativismo.

O Prémio Nobel da Paz deste ano pretendeu reconhecer “as centenas de milhares de pessoas que, no ano passado, se manifestaram contra as políticas de discriminação e opressão do regime teocrático do Irão contra as mulheres”, explicou o comité norueguês, que referiu: “O lema adotado pelos manifestantes – ‘Mulher-Vida-Liberdade’ – expressa adequadamente a dedicação e o trabalho de Narges Mohammadi.”

Por isso, “o comité do Nobel espera que o Irão liberte a ativista iraniana de direitos humanos Narges Mohammadi, vencedora do Prémio Nobel da Paz de 2023, para receber o seu prémio em dezembro”, disse a presidente do Comité Norueguês, Berit Reiss-Andersen, que anunciou o prémio em Oslo, a 6 de outubro. “Se as autoridades iranianas tomarem a decisão certa, irão libertá-la para que ela possa estar presente para receber esta honra. É o que esperamos acima de tudo”, vincou Berit Reiss-Andersen, para enfatizar que “este prémio é, antes de mais, um reconhecimento do trabalho muito importante de todo um movimento no Irão, através da sua líder indiscutível, Narges Mohammadi”.

Obviamente, a ativista iraniana “explodiu de alegria” e “festejou” a atribuição do prémio com as companheiras de prisão na sua cela, no Irão, como informou, então, a família em comunicado, onde se lia: “Narges e as suas companheiras de cela ficaram radiantes e festejaram esta vitória na sua cela.” “Narges soube que tinha sido galardoada com o Prémio Nobel da Paz no final da tarde de sexta-feira [6 de outubro], através de mensagens transmitidas pela secção masculina, que tem acesso mais fácil aos telefones à sexta-feira”, declarou a família.

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O Nobel não premeia mortos e, raras vezes, distingue pessoas que estão detidas. Fê-lo em 2022, ao premiar o ativista bielorrusso Ales Bialiatski, e voltou a fazê-lo, neste ano, ao atribuir o galardão a Narges Mohammadi, a quinta pessoa presa a ser distinguida com o Nobel da Paz.

Pouco depois de o comité Nobel anunciar o nome da pessoa distinguida com o Nobel da Paz 2023, o ativista Taghi Rahmani – marido de Narges Mohammadi – foi entrevistado na casa onde vive em Paris: “Este prémio é para todo o povo do Irão, para os ativistas dos Direitos Humanos, para Narges e as pessoas que escolheram este tipo de luta [e lhe dedicam a] vida. Se forem apoiadas, a sua motivação para prosseguir aumenta”, disse Rahmani (que saiu do Irão em 2011), enfatizando: “Este Prémio Nobel vai encorajar a luta de Narges pelos Direitos Humanos. Mas, mais importante ainda, este é um prémio para a mulher, e a vida [dedicada] à luta pela liberdade.”

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Narges Mohammadi, autora do livro “White Torture” e membro da direção do Centro de Defensores dos Direitos Humanos no país, defende presos políticos nos tribunais e prisioneiros de consciência em processos judiciais.

Nos dois volumes do livro investigou o tratamento desumano de prisioneiros no Irão.

Em setembro de 2008, foi eleita presidente do Comité Executivo do Conselho Nacional da Paz no Irão, fundado pela advogada Shirin Ebadi, como uma ampla coligação contra a guerra e para a promoção dos Direitos Humanos.

Foi distinguida com o prémio Alexander Langer em 2009, o prémio Repórteres sem Fronteiras, em 2022, e com o prémio Olof Palme de Direitos Humanos, em 2023.

Em 2009, as autoridades iranianas apreenderam o seu passaporte, impedindo-a de sair do país. O Irão vivia então uma onda de protestos que ficou conhecida por Revolução Verde, uma espécie de primavera árabe no país dos Persas.

Em 2011, sob a acusação de atentar contra a segurança nacional e pertencer a organizações de direitos humanos, foi condenada a 11 anos de prisão, reduzidos para seis anos, após recurso.

Deu entrada na prisão de Evin, a 21 de abril de 2012, sendo libertada sob fiança, devido ao agravamento do seu estado de saúde. De então para cá foi um entra e sai da prisão, uma sucessão de condenações. As provas utilizadas incluíam entrevistas que deu a órgãos de comunicação social e as suas ligações a outros defensores dos direitos humanos, bem como o seu trabalho com o grupo de campanha “Passo a Passo para Acabar com a Pena de Morte”. Incluíram também uma reunião [em que participou] com a Alta Representante da União Europeia (UE) para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Catherin Ashton, em março de 2014.

Em 19 de setembro de 2016, Mohammadi compareceu na Secção 36 do Tribunal de Recurso de Teerão, para recorrer da sua sentença, mas foi informada de que o tribunal já tinha chegado ao veredicto para manter a condenação, de acordo com a Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no Irão.

Em 2018, foi galardoada com o prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu.

Em novembro de 2021, Narges Mohammadi foi presa pelas autoridades iranianas, depois de ter estado num evento em memória de uma vítima das manifestações violentas de 2019. E foi enviada para a prisão de Gharchak, perto de Teerão, acusada de “espionagem para a Arábia Saudita”.

O seu marido, Taghi Rahmani, baseado em Paris, publicou nas redes sociais que a ativista tinha sido julgada em cinco minutos e condenada a prisão e a 70 chicotadas, tendo ficado proibida de comunicar e sem acesso a advogados.

O seu estado de saúde tem registado várias crises ao longo dos anos de sucessivas detenções.

Em maio do ano passado, a UE apelou ao Irão para reconsiderar a sentença, mas sem sucesso.

Narges foi distinguida com o Nobel da Paz vinte anos depois de a advogada iraniana Shirin Ebadi (de quem é próxima) ser a primeira mulher do mundo islâmico a receber um Nobel da Paz.

O galardão do Nobel também é uma forma de pressionar as autoridades iranianas para a libertarem, e de homenagear Masha Amini, a jovem estudante iraniana que foi espancada por se recusar a usar o véu islâmico, acabando por morrer em circunstâncias não clarificadas.

Masha Amini, de 22 anos, morreu, a 16 de setembro de 2022, após ter passado três dias sob a custódia da polícia da moralidade iraniana – o último já em coma num hospital em Teerão –, por alegado uso indevido do ‘hijab’, o véu islâmico, o que viola o rígido código de vestuário do país.

Mahsa Amini, Mohammadi estava atrás das grades na altura dos protestos pela morte de Mahsa Amini, mas contribuiu com um artigo para o “The New York Times”. “O que o governo pode não compreender é que, quanto mais eles nos prendem, mais fortes nos tornamos”, escreveu.

O Irão viu desenvolver-se, em 2022, uma verdadeira revolução pelos direitos das mulheres, sobretudo depois da morte de uma jovem curda que estava detida pela polícia.

Desde 1901, o prémio Nobel da Paz já foi entregue a 111 pessoas e, em 30 vezes, a organizações. O prémio é entregue a quem “fez o maior ou o melhor trabalho pela fraternidade entre as nações, pela abolição ou [pela] redução dos exércitos permanentes e pela realização e promoção de congressos de paz”, como estipula o testamento de Alfred Nobel.

Esta categoria foi a que distinguiu mais países e nacionalidades. Personalidades da Europa Ocidental arrecadaram um grande número de prémios, mas africanos e asiáticos, em especial, foram reconhecidos como em nenhuma das outras categorias.

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Narges Mohammadi tem um grande currículo de luta. Porém, as ditaduras não apreciam estes currículos e, muito menos, os galardões que lhes são atribuídos. Fica, não obstante, a comunidade internacional com a consciência do dever cumprido, consciência que só é válida, se corresponder ao compromisso pelos direitos humanos.

2023.11.09 – Louro de Carvalho

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