terça-feira, 22 de novembro de 2022

Polémica da FRONTEX terminou em acordo de paz interna

 

No dia em que chegaram os peritos europeus da “avaliação Schengen” à segurança das fronteiras, o secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) conseguiu as assinaturas para o acordo entre os cinco intervenientes no domínio marítimo, em linha com a exigência da União Europeia (UE) no sentido de Portugal garantir a articulação entre a Guarda Nacional Republicana (GNR) e a Marinha no controlo do mar, nos termos do EUROSUR (The European Border Surveillance system: em Português, Sistema Europeu de Vigilância das Fronteiras).

Em boa verdade, Portugal tem cinco entidades distintas, de três ministérios (Administração Interna, Defesa e Justiça), com poder de autoridade de Estado na vigilância das zonas marítimas; e onze, de sete ministérios (Defesa, Administração Interna, Saúde, Ambiente, Economia e Mar, Justiça e Finanças), com competências no domínio do mar, coordenadas por oito organismos que foram sendo criados ao longo dos últimos 20 anos. Uma floresta de entidades e de organismos, com duplicação de serviços, sendo que alguns estão praticamente inativos e outros se perdem no conflito de competências, tudo em tempo de Simplex e de falta de recursos humanos!

O presente protocolo, vindo em boa hora, representa, sobretudo, a bandeira branca entre a Marinha e a GNR no atinente à articulação operacional e à partilha de informações quanto à vigilância marítima, ou à sua propalada falta.

Embora essencial, a assinatura deste acordo histórico não teve uma cerimónia pública, nem um comunicado. Com efeito, o documento foi rubricado discretamente e certificado à distância, no dia 14, com as assinaturas digitais dos cinco chefes máximos das polícias e dos ramos das Forças Armadas (FA) que intervêm na vigilância e no controlo da fronteira externa: Gouveia e Melo, Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA); Cartaxo Alves, Chefe de Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA); Luís Neves, diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ); Rui Clero, à data comandante-geral da GNR; Magina da Silva, diretor nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP); e Fernando Silva, diretor nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

E que é feito da Polícia Marítima, que garante e fiscaliza o cumprimento das leis e regulamentos nos espaços integrantes do domínio público marítimo, áreas portuárias, espaços balneares, águas interiores sob jurisdição da Autoridade Marítima Nacional e demais espaços marítimos?

Para o SSI, a assinatura do “Protocolo de Cooperação EUROSUR” era “essencial para a criação do quadro situacional nacional para a gestão integrada das fronteiras, nos termos do preceituado no regulamento da Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (FRONTEX), assim como o reforço da cooperação e coordenação para o intercâmbio de informações neste âmbito”.

O EUROSUR, em Portugal, tem o Centro Nacional de Coordenação (CNC) na GNR, o que desagradou à Polícia Marítima.

O texto foi apresentado, há vários meses, às entidades envolvidas, mas as negociações para atenuar o velho conflito entre a Marinha e a GNR (por exemplo, na compra da megalancha Bojador pela GNR e no patrulhamento do mar dos Açores pelo Beechcraft) no domínio do espaço marítimo atrasaram o desfecho. Efetivamente, a Unidade de Controlo Costeiro (UCC) da GNR dirige o CNC EUROSUR e quer ter mais poder no mar, ao passo que a Marinha comanda o Centro de Operações Marítimas (COMAR) e não quer perder poder.

Tal desfecho aconteceu, a 14 de novembro, precisamente o dia em que chegou a Portugal a equipa de peritos da Comissão Europeia, tendo sido todas as assinaturas enviadas ao secretário-geral do SSI. Atribui-se o feito à capacidade diplomática do embaixador Paulo Vizeu Pinheiro, responsável pelo cumprimento das recomendações da última “avaliação Schengen”, de 2017, à segurança das fronteiras em Portugal, país abrangido pelo Acordo de Schengen, convenção entre países europeus sobre a política de abertura das fronteiras e de livre circulação de pessoas.

Espera-se que esta bandeira de paz entre a Marinha e a GNR seja o princípio do fim das contínuas e desgastantes divergências (que, às vezes, envolvem a Força Aérea) e mostre aos avaliadores que se cumpre a sua recomendação relativa à obrigação de estas entidades se entenderem.

A fim de melhorar o conhecimento situacional e a capacidade de resposta, estão na lista a verificar na “avaliação Schengen”, entre outros, os seguintes itens: “reforçar o quadro situacional da fronteira marítima integrando os elementos relevantes dos sistemas de vigilância da Marinha e da Polícia Marítima no quadro situacional gerido pela GNR no Centro Nacional de Coordenação (CNC-EUROSUR)”; e instituir um procedimento claro de cooperação e coordenação para o intercâmbio de informações entre o Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo da GNR (os radares costeiros do SIVICC), o Centro de Operações Marítimas (COMAR) da Marinha e a Autoridade Marítima Nacional.

Para assinar o protocolo, o Almirante Gouveia e Melo, clarificou as competências da Marinha. Na proposta inicial, estava escrito, sinteticamente: “A Marinha é um ramo das Forças Armadas, dotado de autonomia administrativa, que se integra da administração direta do Estado, através do Ministério de Defesa Nacional.” Porém, na versão final foi acrescentada uma síntese das suas principais competências: exercer a autoridade do Estado nas zonas marítimas sob jurisdição e soberania nacional, com operações nas áreas da Defesa, no apoio à política externa, na segurança, e no desenvolvimento económico, científico e cultural.

Se a GNR se assume como “uma das Guardas de Fronteira europeias responsável pela missão de vigilância da fronteira externa”, a Marinha vincou que, nas suas missões, faz ações de vigilância, de patrulhamento e de interceção marítima, incluindo a vigilância das fronteiras marítimas, em coordenação e apoio a outras entidades, como tem sido o caso da PJ, com quem tem feito várias operações de combate ao tráfico de droga em alto mar. Além disso, garantiu a troca de informações com o COMAR, com um canal direto com os outros centros ativos, como o CNC-EUROSUR, na GNR.

Como o objetivo é juntar as “águas” até agora separadas e lograr uma visão total da situação no mar – o Quadro de Situação Nacional, com as ocorrências, operações e análise de risco – passam a ser obrigatórias reuniões semanais ou sempre que a situação o exija, com os pontos de contacto (Oficiais de Ligação) designados pelas Partes, para a partilha de informação operacional e de produtos de análise de risco atualizados; e está definido que o CNC-EUROSUR “coordena e assegura o intercâmbio de informações entre todas as autoridades com responsabilidades pela vigilância e controlo da fronteira externa a nível nacional”.

Segundo o SSI, na “avaliação Schengen 2022/2023”, que se prevê estar concluída em março de 2023, serão verificadas as fronteiras externas, a cooperação policial internacional, o retorno, o Sistema de Informações Schengen (SIS) / SIRENE, a proteção de dados e, por fim, os vistos.

É possível, no entanto, que se possa prolongar a avaliação ou que haja uma segunda visita dos peritos. Com efeito, o Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional, que devia juntar todos os sistemas de partilha de informações – outra das recomendações de 2017 – não está ainda totalmente ativo no SSI. Por outro lado, o Presidente da República teve dúvidas sobre se a separação de poderes fica salvaguardada com a transferência da PJ para o SSI, na tutela do primeiro-ministro, dos gabinetes da Europol e Interpol, que envolvem informação de investigação criminal, e enviou ao Tribunal Constitucional os respetivos diplomas aprovados no Parlamento, para fiscalização preventiva da sua constitucionalidade. Além disso, porque o reforço do SEF em meios humanos e materiais era outra recomendação de 2017 e este está em vias de extinção, os avaliadores quererão, certamente, verificar o cenário pós-SEF.

***

Resta saber se, com o acordo ora assinado, já não há o risco de utilização dos dados recolhidos no mar dos Açores por parte de terceiros, como o Reino Unido, donde provém o Beechcraft, requisitado pela GNR, no âmbito das competências da FRONTEX. E é de ponderar se este entendimento entre as entidades acima indicadas já garante a nossa soberania sobre as águas e a boa administração da futura plataforma continental alargada ou se os generais da Força Aérea, reformados, não passam de senadores em declínio, quando não de velhos do Restelo.

Também é estranho que a Força Aérea, cujo CEMFA declarou que a GNR não contactar este Ramo das FA no caso do patrulhamento do mar dos Açores, não tenha explicitado competências suas no texto do protocolo.

Os tempos mudam e, com eles, também as componentes da soberania e as condições do seu exercício. No entanto, toda a cautela é pouca, pois a ambição continua a gerar a guerra, a fome e a destruição do planeta, arrastando consigo a sorte dos seus íncolas.

2022.11.22 – Louro de Carvalho

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