segunda-feira, 28 de novembro de 2022

É de otimizar a participação de alunos em avaliações internacionais

 

Decorreu, na Fundação Calouste Gulbenkian, das 17 às 18,30 horas de 28 de novembro, a sessão de apresentação do estudo “Avaliação de Aprendizagens em Instituições Educativas”, sob a coordenação de Júlio Pedrosa, que foi ministro da Educação no XIV Governo Constitucional, liderado por António Guterres – estudo que analisa o papel das métricas globais de avaliação, que os autores consideram úteis, mas apenas se utilizadas de forma complementar às que existem nos sistemas nacionais de avaliação.

Abriu a sessão o Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, Administrador Executivo Fundação Calouste Gulbenkian, após o que se seguiu a aprestação do estudo por Júlio Pedrosa, Professor Jubilado da Universidade de Aveiro, e Carlinda Leite, Professora Emérita da Universidade do Porto. Por fim, moderada por Júlio Pedrosa e Carlinda Leite, desenvolveu-se a discussão, em que intervieram Ariana Cosme, Professora Auxiliar da Universidade do Porto, e José Augusto Pacheco, Professor Catedrático da Universidade do Minho.

O estudo incidiu, em dinamismo de recolha e de análise, sobre indicadores, modelos e experiências de monitorização e avaliação de aprendizagens e de desenvolvimento das crianças e jovens dos três aos 18 anos, em Portugal e num leque alargado de países, construindo fundamentos para avaliar a situação em Portugal e propor desenvolvimentos e melhorias.

O desafio abrangeu: a estruturação de uma abordagem aprofundada e fundamentada da avaliação formativa e da avaliação de competências transversais; a fundamentação e a apresentação de exemplos de boas práticas de formação para a avaliação de aprendizagens, com adequada ponderação de fatores a considerar (contextos, políticas nacionais, organização e governança da Educação Escolar, etc.); a procura de estudo de casos em que a avaliação da educação pré-escolar seja o foco; e o tratamento da avaliação na educação secundária, com atenção à diversidade de públicos e de programas, com especial atenção ao impacto e gestão da avaliação para acesso a educação pós-secundária de oferta diversificada e diferenciada.

Segundo os autores, o estudo apresenta a evidência de que acompanhar e promover as aprendizagens, medir e aferir os resultados alcançados, interagir de modo regular, sistemático, em sala de aula, são ações fundamentais para se dispor de boa educação. Tal orientação deve ser apropriada por todos os atores e grupos de interessados, a envolver, de modo sistemático no desenvolvimento de uma estratégia e plano de ação. Por outro lado, os alunos portugueses participam em vários estudos internacionais que avaliam aprendizagens e competências, mas as conclusões são pouco aproveitadas, pelo que se sustenta que se devem utilizar melhor esses resultados e recomendações nas políticas de educação.

Com o objetivo de avaliar as práticas de avaliação de aprendizagens das crianças e jovens dos três aos 18 anos, em Portugal, o estudo em referência analisou o contexto português, comparando-o com o cenário de outros 10 países: Singapura, Estónia, Alemanha, Noruega, Finlândia, Suíça, Reino Unido, Canadá, Brasil e Estados Unidos. E um dos aspetos da análise foi, como já se referiu, o papel das métricas globais de avaliação, que os autores consideram úteis, mas se utilizadas de forma complementar às que existem nos sistemas nacionais de avaliação.

Ora, em Portugal, além das componentes de avaliação formativa (autoavaliações, diagnóstico e provas de aferição) e da avaliação sumativa (provas finais e exames nacionais), os alunos participam num conjunto de estudos internacionais, como: o Programme for International Student Assessment (PISA), que avalia os alunos de 15 anos em leitura, matemática e ciências, desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE); o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), avaliação internacional do desempenho dos alunos do 4.º e do 8.º anos de escolaridade em matemática e em ciências, desenvolvida pela International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA); e o Progress in International Reading Literacy Study (PIRLS), que avalia a literacia de leitura dos alunos do 4.º ano de escolaridade, também sob a orientação da IEA. 

Contudo, os autores referem que a utilização dos dados e das recomendações fornecidos pelos resultados dos alunos “é ainda relativamente escassa” e consideram que existe “potencial para rentabilizar o investimento inerente a essa participação”.

Uma das 10 recomendações apontadas no estudo incide, precisamente, sobre esse tema e os especialistas propõem que se estruture uma iniciativa de avaliação do seu envolvimento nesses estudos, sobretudo quanto à forma como os resultados são usados.

O documento refere também que, em Portugal, o peso dos exames nacionais para a transição para o ensino superior constitui “um “travão” ao recurso a práticas de avaliação formativa que valorizem aprendizagens para lá dos conteúdos relacionados com o saber já existente.

Ao mesmo tempo, as classificações na educação pré-escolar são, não raro apoiadas pelo que os autores descrevem como checklists estandardizadas, quando, neste nível de educação e ensino, o objetivo da avaliação deve ser contribuir para melhorar os processos de ensino-aprendizagem, não para classificar. Com efeito, uma avaliação neste período de desenvolvimento da criança “deverá ter uma orientação eminentemente formativa”, refere o estudo.

Os autores apontam mais outros dois aspetos a merecer atenção da tutela: o reduzido número de estudantes do ensino profissional que segue para o superior e o desfasamento entre a idade esperada e a idade real média dos alunos em alguns níveis da escolaridade obrigatória, que “indica percursos escolares marcados por retenções e pelo risco de abandono escolar”.

Entre as recomendações do relatório, destaca-se o potencial de alguns casos internacionais e dos contributos de agências com intervenção na área da avaliação educacional, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) ou a OCDE.

Os especialistas sugerem também o planeamento e acompanhamento de práticas de avaliação nas escolas que promovam a articulação entre as avaliações formativas e sumativas, além da implementação de um Plano Nacional de Avaliação de Aprendizagens, orientado nesse sentido.

No atinente aos professores e educadores, deve a formação inicial e contínua incidir no tema da avaliação de aprendizagens, bem como nos apoios tutoriais em iniciativas de formação.

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A 26 de novembro, já a jornalista Isabel Leiria, levantava, no Expresso online o véu que envolvia o estudo em causa, esquadrinhando o que se passa na escola  

As pessoas associam facilmente à avaliação as notas ou classificações (traduzidas em menções e ou em números). Ora, perante uma turma com alunos muito diferentes, é imperativo trabalhar com eles, de modo que possa cada um fazer o seu caminho e chegar o mais alto que conseguir.

Na verdade, mais do que testes e exames, a legislação determina que a principal modalidade de avaliação dos alunos é a formativa, ou seja, a que permite ir recolhendo elementos sobre o que cada criança e jovem está a aprender e perceber o que já foi alcançado e o que há a melhorar. Todavia, na prática, é a avaliação sumativa (os testes e as notas que deles resultam) aquela a que “gestores escolares, docentes, alunos e pais dão mais importância”, mesmo quando se reconhece que esta “serve apenas para a classificação dos estudantes” e que é a avaliação formativa que “potencia o desenvolvimento das aprendizagens”. (Cf, por exemplo Decreto-lei n.º 55/2018, de 6 de julho, nomeadamente artigo 24.º, números 1, 2 e 5, e artigo 27.º, números 1 e 2.

Nas escolas, muitos professores dizem sentir-se muito condicionados pela importância que todos os agentes (gestores, alunos e pais) atribuem aos testes, em particular no ensino secundário, pelo papel que as notas desempenham no acesso ao ensino superior. E a síndrome dos testes já perpassa o 1.º ciclo do ensino básico, aliada ao excesso do acervo dos conteúdos curriculares.

Porém, a importância dada aos exames que faz com que estes sejam o fator que mais influencia as práticas avaliativas e curriculares nas escolas. Os exames condicionam a introdução de práticas e metodologias de ensino inovadoras, porque o que conta são as notas que os alunos obtêm nos exames e a imagem que elas passam sobre a escola para o exterior. Enquanto houver exames, haverá pouca disponibilidade para práticas de avaliação que se afastem do paradigma sumativo.

Ora, mais do que oposição entre duas modalidades – a sumativa, com os momentos formais de avaliação, testes e exames, e a formativa, com au­toavaliação e recolha de elementos que permitam definir planos de trabalho para melhor progressão de cada criança e jovem –, é a boa articulação entre ambos que tem de ser conseguida. A tarefa é complexa, exige tempo para os professores, formação e até uma mudança de mentalidade, mas é fundamental, atendendo à diversidade de alunos na sala de aula. Com efeito, definir uma referência média ou uma bitola comum a todos não faz sentido, como não vale nivelar por baixo. Antes, face a um grupo de alunos diferentes, é imperativo que cada um faça o seu caminho e chegue o mais alto de que for capaz.

Para tanto, é preciso que a avaliação seja mais do que a atribuição de notas e sirva para promover melhorias nas aprendizagens. Mas isso implica tempo, autonomia e liberdade para os professores trabalharem dessa forma, tal como libertação das excessivas e, tantas vezes, desnecessárias tarefas burocráticas, devendo as necessárias ficar por conta dos assistentes administrativos.

Pegar na criança ou no jovem e usar a avaliação para perceber onde está cada um e as melhores estratégias de ensino e aprendizagem é mais exigente do que ministrar conteúdos e aplicar dois testes por período para saber a classificação com que chega ao fim do ano letivo. A tentação é visível já na educação pré-escolar, onde se usam estandardizadas checklists em apoio das classificações, quando a avaliação neste período deve ser eminentemente formativa.

Os investigadores quiseram perceber o que leva os professores a privilegiarem a avaliação sumativa ou a sentirem-se condicio­nados. A principal razão é elaboração de rankings com base nos resultados nos exames nacionais. Mas também figuram como razão as provas de aferição, que não contam para a nota, mas que são vistas como exames, bem como o envelhecimento do corpo docente, com o cansaço e a resistência à mudança que o mesmo pode potenciar.

Outra discussão que devia deixar de existir é a dicotomia política respeitante à avaliação. De facto, se o Governo é de esquerda, tende a retirar importância às provas de avaliação externa; se é de direita, insiste nos exames. Ora, a educação precisa de estabilidade e requer a inovação sustentada.

E o estudo sustenta a necessidade de conhecer experiências exemplares, usar a melhor evidência científica, definir objetivos e o plano para lá chegar, alinhando todos os envolvidos nesse esforço. Para isso, não pode haver orientações educativas novas de quatro em quatro anos.

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Há, pois, muito que fazer em educação, mas é de passar as tarefas administrativas para outros.

2022.11.28 – Louro de Carvalho

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