sábado, 5 de novembro de 2022

Peritos internacionais receiam “tripandemia” no outono e no inverno

 

Está prevista para 11 de novembro o início duma nova série de reuniões no Infarmed para estudo de medidas que obviem às ameaças deste outono e do inverno subsequente.

Com efeito, segundo o boletim semanal da Direção de Saúde (DGS), em 31 de outubro, estavam internadas 525 pessoas (mais 47 do que no mesmo dia da semana anterior), com 34 doentes em unidades de cuidados intensivos (menos um do que no mesmo dia da semana anterior). Portugal registou, entre 25 e 31 de outubro, 5920 infeções pelo coronavírus SARS-CoV-2,  novo aumento dos internamentos e 53 mortes associadas à covid-19. Em relação à semana anterior, registaram-se menos 1736 casos, mas verificaram-se mais seis mortes na comparação entre os dois períodos.

Entretanto, o vírus sincicial respiratório (VSR) – responsável pela maioria dos casos de infeções do trato respiratório inferior (como pneumonia e bronquiolite) em bebés, sendo mais comum, em climas temperados, no inverno e, em climas tropicais, nos meses de chuva – ganha terreno face à proteção vacinal contra a gripe e contra a covid-19, afetam sobretudo as crianças mais pequenas e com alguma gravidade, constituindo nova ameaça para a população mais vulnerável, pois, com a administração das vacinas contra a gripe e contra a covid-19, é o VSR que ganha terreno.

Por isso, a comunidade científica internacional alerta para a “tripandemia” iminente que e pede à indústria farmacêutica aceleração das fórmulas de proteção contra as infeções sinciciais respiratórias, ainda sem vacina disponível.

Filipe Froes, pneumologista e consultor da DGS para a gripe, explicita que, em concreto, não se sabe o que acontecerá nos próximos meses. Não obstante, antecipa um cenário provável: “Diria que vamos estar a viver uma pandemia tripla”. E explana o conceito: “Apesar de as pessoas estarem vacinadas, vão progressivamente diminuir a sua imunidade e, com as novas variantes de covid, poderá haver alguma diminuição da eficácia contra a infeção. Portanto, mais casos, acréscimo da afluência às urgências e, previsivelmente, aumento da gravidade e dos internamentos.” E prevê: “Vamos ter um aumento da mortalidade.”

O quadro clínico em Portugal ainda é favorável à covid-19 e à gripe, sem infeções exuberantes em número e em gravidade, mas o VSR preocupa. Os dados do Boletim de Vigilância Epidemiológica da Gripe atualizados no dia 4 de novembro pelo Instituto Ricardo Jorge (INSA) mostram que, desde 3 de outubro, foram notificados 41 casos de RSV (um pneumovírus), sendo devidos a ele 66,1% dos 62 internamentos por infeção respiratória aguda.

Na semana 43/2022 (24 a 30 de outubro, recém-avaliada) foi reportada uma infeção por vírus sincicial respiratório pelo hospital que enviou informação, mas “estes dados são provisórios e serão atualizados nas próximas semanas, pelo que devem ser interpretados com cautela, tendo em conta a tendência crescente observada nas últimas semanas”. Desde outubro de 2021, foram reportados 285 casos de internamento por VSR. Cerca de 42 % dos casos tinham menos de três meses de idade, 15 % ocorreram em bebés pré-termo e 14 % tinham baixo peso ao nascer. E, quanto a critérios de gravidade, 11 % foram internados em unidades de cuidados intensivos (UCI) ou necessitaram de ventilação (não invasiva/convencional).

Filipe Froes é taxativo: “Temos de tomar algumas medidas essenciais, como aumentar rapidamente a vacinação contra a covid e contra a gripe, alargando-a ao maior número de pessoas possível, e melhorar muito o sistema de vigilância. Os boletins dependem da informação hospitalar e estamos com dez dias de atraso. Também sabemos que há uma décalage de cerca de duas semanas entre o que se passa na comunidade e nos hospitais. Além disso, precisamos urgentemente de rever em que contextos podemos voltar às medidas não farmacológicas, nomeadamente à máscara.”

O Governo vai voltar a ouvir os peritos em reunião no Infarmed, para reavaliação da situação epidemiológica do país. E, sobre a proteção vacinal, o ministro da Saúde afirmou estar confiante:

“A vacina contra a gripe começou a ser administrada mais cedo e muito antes do resto da Europa e está a decorrer a bom ritmo e os reforços contra a covid também estão a avançar.”. Manuel Pizarro frisou que “mais de 50% da meta está atingida”, sendo o objetivo ter mais de três milhões de pessoas com os reforços, o que espera que “seja conseguido na segunda semana de dezembro.”

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Admitindo o cenário de pandemia tripla, o referido Filipe Froes e Patrícia Akester, cientista na área do Direito, escreveram o livro A Pandemia que revelou outras Pandemias, distribuído pelo Diário de Notícias (DN), a 7 de novembro, que resulta da compilação das suas crónicas no jornal durante os dois anos da pandemia e de cuja temática falaram em entrevista ao DN, a 4 de novembro.

Falam da pandemia “em sede de saúde”, mas dela emergiram outras, dos foros social, económico, e político. No foro político, o estabelecimento de certas medidas por parte dos governos, levou movimentos totalitários a tomar certas medidas de cerceamento de direitos, liberdades e garantias. Por exemplo, os confinamentos evitaram cadeias de contágio, mas permitiam saber onde as pessoas se encontravam a cada momento, gerando questões de privacidade. Em termos económicos, com a economia parada, surgiram problemas financeiros, houve famílias no desemprego e muitos negócios que foram à falência, o que levou a problemas sociais. Em termos sociais, releva-se a ausência de acesso a centros de apoio por pessoas alvo de abuso, ficando entregues aos abusadores. Além disso, aumentaram os problemas de saúde mental, bem como a taxa de divórcios.

Estava tudo concentrado na pandemia e, “em saúde, estamos a assistir a várias pandemias, desde logo, como consequência da covid, a do pandemónio do long covid, bem como a do atraso e do desvio de recursos, agravada pela exaustão e cansaço dos profissionais de saúde. As pessoas com doenças crónicas não foram compensadas e houve pessoas que perderam rastreios oncológicos. Depois, há outras duas ou três pandemias extremamente relevantes: a da saúde mental, com as suas futuras consequências, e a da resistência aos antimicrobianos, mercê do aumento exponencial de antibióticos, sobretudo na população hospitalizada com covid. E há pandemias fora da área da saúde, como a da desinformação, que teve um acréscimo de atividade, e a da politização do conhecimento. Com efeito, mercê dessa politização, muitas das vidas (cerca de 320 mil pessoas, se tivessem sido vacinadas) que se perderam nos Estados Unidos da América (EUA), teriam sido salvas. E houve um acréscimo de morbilidade e de mortalidade por falta de rastreio, por desatenção às doenças crónicas que aumentaram e que são irreversíveis em muitos casos, como a diabetes, a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e a insuficiência cardíaca

Os autores do livro, prefaciado pelo Almirante Gouveia e Melo, advertem que “não vai deixar de existir o fenómeno da desinformação”, que se propaga de forma mais rápida e mais forte do que o vírus e que “é preciso é haver informação consolidada em conhecimento a priori, mas também depois da campanha de desinformação”.

Observam que, liminarmente, a atitude europeia foi de insolidariedade, o que se viu no âmbito dos testes em fase liminar e na questão das patentes, fenómenos que se entrecruzaram.

Depois, apesar do oportunismo na invenção ditada pela necessidade, surgiu a solidariedade a criar a coesão na Europa – “solidariedade imposta pelas circunstâncias” ou “solidariedade utilitária”.

Admitem os autores que o Ocidente ficou a aprender essa solidariedade utilitária que se aplica agora em relação à guerra na Ucrânia. Com efeito, a pandemia de covid-19 “termina numa síndrome solidária” basicamente utilitária, mas que foi benéfica ao ajudar a Europa a banir o mais possível este inimigo invisível. É um padrão comportamental replicado, de forma benéfica, no contexto geopolítico que temos em função da situação que temos na Ucrânia, contra a ousadamente designada de “epidemia de Putin”.

No entanto, Filipe Froes e Patrícia Akester frisam que a covid-19, apesar dos aspetos negativos, teve algumas vantagens que a Europa soube aproveitar. Assim, a Europa acordou para as suas fragilidades e dependências e, sobretudo na questão das variantes, foi tomada uma medida pela União Europeia (UE) importante e com impacto futuro: a criação da HERA (Health Emergency Preparedness and Response Authority), a nova agência de preparação e monitorização na área da saúde, que obriga a maior vigilância de novas ameaças, onde se incluem as novas variantes. Dentro destas, tem havido um grande esforço a nível europeu, com o Reino Unido, para avaliar as duas grandes ameaças de variantes que se aproximam: a variante BQ1.1 e a XBB, sendo esta conhecida por variante de Singapura por ter acréscimo de atividade nesse país, mas que pode vir a ser dominante no continente europeu, em dezembro ou em janeiro. Agora, na Europa, verifica-se o aumento das variantes BQ1 e BQ1.1, que significam maior capacidade de transmissão por terem mecanismos de invasão à imunidade desenvolvida pela infeção (natural ou pela vacina). Em princípio, ainda não estão associadas ao aumento da gravidade, mas, se tiverem grande capacidade de infetar mais pessoas, mesmo vacinadas, haverá mais gravidade e alguns dos tratamentos com anticorpos monoclonais têm menor atividade nesta variante, pelo que ficaremos mais expostos. Isto postula a necessidade de vigilância e de acompanhamento em tempo real da informação.

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Por fim, apesar da enumeração de tantas epidemias sanitárias, políticas, económicas e sociais, as que se afiguram específicas desta quadra hiemal são: a da covid, a da gripe e a do vírus sincicial respiratório –  tripandemia que nos causa a diminuição progressiva da imunidade.

Especialistas e decisores políticos têm a palavra, mas poupem-nos às declarações presidenciais!

2022.11.05 – Louro de Carvalho

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