quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Envelhecimento, solidão e aumento de estrangeiros em Portugal

 

Os resultados definitivos do Censos 2021, divulgados, a 23 de novembro, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) atualizam o retrato geral da população, mostrando o que mudou na composição das famílias, na educação, na emigração e na imigração, entre outros temas.
A fase de recolha do Censos 2021 – executada por 15 mil pessoas – decorreu entre 5 de abril e 31 de maio e, apesar da pandemia, contou com a participação empenhada da população (99,3% das respostas chegaram por via digital), permitindo a conclusão da maior parte dos trabalhos em seis semanas, após o momento censitário (19 de abril).
Agravou-se o índice de envelhecimento e aumentou número de estrangeiros a viver em Portugal.
Mais de 23% da população portuguesa era idosa, em 2021 – fenómeno de envelhecimento que se agravou na última década – e, desde 2011, os estrangeiros a viver no país aumentaram 37%.
Assim, os dados definitivos do Censos 2021 revelam que, em 2021, a percentagem de população idosa (65 e mais anos) representava 23,4%, ao passo que a de jovens até aos 14 anos era de 12,9%. O índice de envelhecimento – idosos por 100 jovens – passou dos 128 em 2011 para os 182 em 2021. E a baixa natalidade e o aumento da longevidade, crescentes, refletem-se na pirâmide etária correspondente ao Censos 2021 que, de 2011 para 2021, evidencia o estreitamento dos grupos etários da base e um alargamento nas idades mais avançadas.
Além disso, também se agravou, entre 2011 e 2021, a sustentabilidade e o rejuvenescimento da população ativa. O índice de rejuvenescimento da população ativa, em 2021, era de 76, ou seja, por cada 100 pessoas que saem do mercado de trabalho, apenas ingressam 76. Este valor era de 94, em 2011, já abaixo do que permite assegurar a reposição da população em idade ativa, pois considera-se que há rejuvenescimento, quando o valor deste índice é superior a 100.
Outro fenómeno populacional tem a ver com a constituição dos agregados familiares, sendo que mais de um milhão de portugueses vivem sós.
No atinente às famílias, a dimensão média diminuiu. Há mais famílias monoparentais, mais divorciados e mais casais reconstituídos, continuando o casamento a perder peso.
O número de portugueses a viver sós aumentou 18% entre 2011 e 2021, representando 24,8% do total de famílias. Segundo os resultados definitivos, 1.027.871 pessoas residem sós (mais 161 mil do que há uma década). Já as famílias numerosas, de quatro ou mais elementos, vêm a perder peso: são 20,3% do total, menos 2,8 pontos percentuais do que em 2011. Por consequência, a dimensão dos agregados familiares diminuiu. Em média, cada um tem 2,5 pessoas, valor que reduziu em 0,1 na última década, espelhando as transformações sociais e tendências acentuadas na conjugalidade. A população casada diminuiu 2,1 pontos percentuais, face a 2011, e o número de divorciados cresceu 2 pontos percentuais. Pela primeira vez, há mais divorciados do que viúvos. O casamento continua a perder peso, enquanto as uniões de facto ganham cada vez mais terreno. No ano passado, um milhão de portugueses vivia neste regime de conjugalidade, o que representa um crescimento de 38,2% face a 2011. Mas há assinaláveis diferenças regionais, que tornam evidente a dicotomia entre o Norte e o Sul. O Algarve é a região com maior proporção de uniões de facto (15,5%), ao passo que a região Norte é a que tem menos.
Com o aumento dos divórcios e das separações, o número de famílias monoparentais continua a crescer, representando 18,5% do total de agregados familiares, mais 3,6 pontos percentuais do que em 2011. Na grande maioria dos casos (85,6%), é a mãe que fica a residir com os filhos.
Também cresce o número de casais reconstituídos, em que há, pelo menos, um filho de uma relação anterior. Há agora 124.717 famílias nesta situação, representando 8,8% do total de núcleos familiares, mais 2,3 pontos percentuais do que há uma década.
Os resultados indicam também que a população estrangeira aumentou na última década, com 542.314 pessoas de outras nacionalidades a viverem no país à data da realização dos censos 2021, representando 5,2% do total da população, mais do que os 3,7% registados em 2011.
A maior comunidade estrangeira residente em Portugal era a brasileira, com 199.810 pessoas (cerca de 36,8%), seguindo-se a angolana, com 31.556 pessoas (5,8%), e a cabo-verdiana, com 27.144 (5%). Sobressai o forte crescimento ocorrido em algumas comunidades estrangeiras, casos dos nacionais do Nepal, que passaram de 959 pessoas, em 2011, para 13.224, em 2021, e do Bangladesh, de 853, em 2011, para 9.150, em 2021.
E os censos de 2021 apuraram que 1.608.094 portugueses que viveram no estrangeiro regressaram a Portugal, sendo os países de proveniência mais representativos França (23,2%), Angola (14%), Suíça (8,1%), Brasil (7,2%), Moçambique (6,5%) e Alemanha (6,3%).
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Ante o crescente inverno demográfico, pela escassez de gente nova, pelo envelhecimento populacional, pela solidão desamparada de idosos e pelo monoparentalismo, ressalta, em contraste, a queda do analfabetismo. Todavia, ainda há quase 300 mil portugueses, maiores de dez anos, que não sabem ler nem escrever.
A taxa de analfabetismo continua a cair em Portugal e, em 2021, o valor era de 3,1%, abaixo dos 5,2% registados, dez anos antes, pelo INE. Em termos absolutos, o Censos 2021 indica que, ainda assim, continua a haver 292.809 pessoas com 10 ou mais anos que não sabem ler nem escrever.
O retrato, feito a cada 10 anos pelo INE, mostra que há diferenças significativas neste indicador por sexo e por região. A taxa de analfabetismo é de 3,96% entre as mulheres e de 2,1% entre os homens. Por regiões e apesar da diminuição em todas, o Alentejo é aquela onde há maior concentração de pessoas analfabetas (5,4%) e a Área Metropolitana de Lisboa é a que tem menos (2%). Assim, do total de quase 300 mil analfabetos, 198.393 são mulheres e 94.416 são homens.
A evolução deste indicador nas últimas décadas mostra notória progressão. Em 1970, um quarto dos portugueses eram analfabetos. No princípio do século, caiu para 9% e ronda, agora, os 3%.
Partindo muito atrás dos restantes países europeus, Portugal tem vindo a melhorar, de forma muito acentuada, os níveis de escolaridade da população. Nestes termos, a população com ensino superior completo, a percentagem da população adulta com pelo menos uma licenciatura subiu de 14%, em 2011, para quase 20% (um quinto), em 2021. Já a população com ensino secundário progrediu na última década de 16,7% para 24,7%. Porém, sem nenhum nível de ensino completo, persiste 5,9% da população, embora abaixo dos 10,3% de há dez anos.
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A 28 de julho de 2021, o INE revelava os dados provisórios do Censos 2021 (recenseamentos gerais da população e da habitação), que a comunicação recém-apresentada confirma. Em síntese, pode dizer-se que a população portuguesa diminuiu 2% em 10 anos e que metade se concentra em 31 concelhos das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, face ao total dos 308 concelhos.
Portugal tem 10.347.892 residentes. É a primeira vez, desde 1970, que o país perde população entre censos. Todo o Interior registou um decréscimo de habitantes de 2% face a 2011. Odemira foi o município que mais cresceu, graças à imigração.
Nesta década, o saldo migratório positivo não foi suficiente para compensar o saldo natural negativo (diferença entre nascimentos e óbitos).
As mulheres, que representam 52% da população, só não são maioria em sete dos 308 municípios: Odemira, Ferreira do Alentejo, Mourão, Grândola, Monchique, Corvo e Lajes das Flores.
Praticamente todo o Interior do país teve acentuada perda de população entre 2011 e 2021. Barrancos, no distrito de Beja, foi o município em que mais caiu o número de habitantes (-21,8%), seguido de Tabuaço (-20,6%), no distrito de Viseu, e Torre de Moncorvo (-20,4%), no distrito de Bragança. Ao invés, Odemira, no Alentejo, foi o concelho que ganhou mais habitantes, com um aumento de 13,3%, sobretudo graças à imigração. Mafra, Palmela e Alcochete, todos na Área Metropolitana de Lisboa, seguem-se entre os que mais cresceram. E, a Norte, Braga foi o concelho que registou a maior subida (6,5%).
Apesar da diminuição do total da população, o número de agregados familiares aumentou 2,6% na última década. Tal acontece por via da redução da dimensão média dos agregados, que em 2021 é de 2,5 pessoas. E, por regiões, só Lisboa e Algarve ganharam população. O Algarve registou um crescimento populacional de 3,7% e a AML de 1,7%.
É de, acrescentar, como nota, que, apesar da diminuição de 2% do número de residentes, o número de edifícios cresceu 1,2% – ritmo bastante inferior ao das décadas anteriores. O Algarve e os Açores foram as regiões onde a construção mais aumentou.
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O panorama espelhado no Censos 2021 impõe a promoção do impulso de povoamento, em especial no Interior. A promoção da natalidade, o apoio à parentalidade e a minoração da solidão não se compadecem com situações de conflitualidade trabalho e família, presente de trabalho precário (mal pago e, às vezes, escravo) e futuro incerto, esperança média de vida e encerramento ou rarefação de serviços públicos de saúde. O repovoamento do Interior só é possível com a crescente fixação, ali, de pessoas, de animais, de agricultura mecanizada, de indústria, de comércio e de serviços – no que tem sido e drasticamente depauperado, sobretudo por parte do Estado e de conselheiros de investidores. E o aumento da esperança média de vida (por força do progresso científico), a tender para os 100 anos, apesar das frequentes pandemias, precisa da criação de muitas mais e melhores estruturas físicas e sociais de apoio ao bem-estar das pessoas idosas, de modo a protegê-las nas fragilidades de saúde, de mobilidade, de solidão e de memória.
O analfabetismo tem de ser erradicado pela sensibilização e pelo aumento e pela melhoria de recursos humanos, financeiros e logísticos. O ensino secundário – científico e profissional – tem de ser mais valorizado (sobretudo no setor público), abranger toda a população em idade escolar e ser acessível a todos os adultos. O ensino superior tem de ser mais valorizado tornar-se acessível a todos. O parque habitacional tem de sair das crises em que facilmente se sepulta e crescer, sobretudo no setor público (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, Segurança Social e autarquias), para concretizar o direito constitucional à habitação. E os estrangeiros devem ser bem-vindos, mas sem privilégio ou sem escravização – situações indignas da sã democracia.   

2022.11.23 – Louro de Carvalho

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