sexta-feira, 4 de novembro de 2022

A 33.ª Cimeira Ibérica é pluritemática e muito assertiva

 

Decorreu, em Viana do Castelo, a 4 de novembro, a 33.ª cimeira ibérica – iniciada às 11 horas com honras militares e a receção das comitivas dos governos de Portugal e de Espanha na Praça da República de Viana do Castelo, seguida de passeio pelo centro histórico da cidade que se iniciou com a visita ao museu do Traje. As comitivas, que integravam 18 ministros dos dois governos (nove de cada um), abrangem as pastas da energia, do ambiente, dos transportes, das obras púbicas, da igualdade, da administração interna, dos negócios estrangeiros e da coesão territorial.

O primeiro-ministro português, António Costa, ao lado do presidente da câmara de Viana do Castelo, o também socialista Luís Nobre, recebeu o homólogo espanhol, Pedro Sánchez, à hora aprazada, num cenário emoldurado por algumas dezenas de populares.

À saída do museu, na rua de Manuel Espregueira, Costa e Sánchez acenaram e cumprimentaram populares, antes de entrarem na pastelaria Natário, conhecida pelas bolas de Berlim.

Durante a estada dos dois primeiros-ministros na pastelaria, militantes do Fórum Cívico Ibérico exibiram um cartaz em que se lia “Por uma aliança ibérica”, sendo desmobilizados pela polícia, que os encaminhou para uma zona que não se encontrava no trajeto de Sánchez e de Costa.

Portugal e Espanha reuniram-se para aprofundar as “excelentes” e “intensas” relações bilaterais, avançar na estratégia transfronteiriça e reforçar publicamente a sintonia no quadro europeu, como acontece com a energia.

Esta cimeira luso-espanhola teve como tema geral a inovação. E, antes da sua abertura, os dois primeiros-ministros visitaram o Laboratório Ibérico de Nanotecnologia de Braga, onde assistiram à assinatura de um protocolo entre universidades portuguesas e espanholas para a criação de um laboratório ibérico na área da segurança alimentar.

Depois da cerimónia oficial de abertura na Praça da República e do referido passeio, a cimeira seguiu com reuniões de trabalho e com a sessão plenária. No final, foram assinados vários acordos, na área da ciência, das ligações rodoviárias e da cooperação transfronteiriça, nas áreas do turismo, da emergência médica e da cultura, entre outras. E a cimeira terminou com a conferência de imprensa conjunta de António Costa e Pedro Sánchez.

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Assim, após as reuniões de trabalho e da sessão plenária, foram assinados vários acordos, entre eles, os que vão criar dois projetos de investigação científica, com fundos europeus dos planos de recuperação e resiliência (PRR): uma “constelação atlântica de satélites para a observação da terra” e o centro de investigação e de armazenamento de energia de Cáceres, conexo com semi e micro condutores. Ambos são iniciativas de cooperação científica, não estando este último, o de Cáceres, relacionado com o anúncio que o primeiro-ministro português e o presidente do Governo espanhol fizeram em Bruxelas no mês de outubro, visando o desenvolvimento de infraestruturas comuns para armazenamento de eletricidade. Não obstante, este anúncio foi feito no dia em que Portugal, Espanha e França revelaram terem chegado a acordo para a criação de um Corredor de Energia Verde, para transporte de energia, com ligações entre Celorico da Beira e Zamora (CelZa) e entre Barcelona e Marselha (BarMar), destinadas ao ‘hidrogénio verde’ no futuro, mas com capacidade para gás no imediato.

O tema esteve presente na declaração final deste encontro, mas como “declaração política”. Com efeito, Portugal e Espanha, além de “intensas” e “excelentes” relações bilaterais, têm assumido “papel importante” na Europa, sobretudo com a crise energética, em que defendem em conjunto posições comuns, de que são exemplos o mecanismo ibérico para colocar um preço máximo ao gás usado para produzir eletricidade e o acordo com França para o Corredor de Energia Verde. E os dois países defendem uma resposta comum europeia às crises, replicando, no atual momento, com a guerra da Ucrânia, o que sucedeu com a unidade em relação à pandemia.

No âmbito da estratégia comum de desenvolvimento transfronteiriço, foram ainda assinados acordos relacionados com a agenda cultural de fronteira, uma estratégia para a sustentabilidade do turismo transfronteiriço, a luta contra a violência de género e a articulação de uma rede luso-espanhola de entidades promotoras da cooperação nestes territórios.

Nestes termos e no quadro da estratégia comum de desenvolvimento transfronteiriço, anunciada na cimeira ibérica da Guarda de outubro e 2020 – que abrange 1.551 freguesias, cerca de metade das freguesias portuguesas, numa área de 62% do território nacional (1,6 milhões de Portugueses), e inclui, do lado espanhol, 1.231 municípios das províncias de Badajoz, Cáceres, Huelva, Ourense, Pontevedra, Salamanca e Zamora, correspondentes a 17% da superfície de Espanha (3,3 milhões de habitantes) –, destacam-se os seguintes projetos:

Foi apresentado o “guia do trabalho transfronteiriço” que materializa o compromisso de Portugal e de Espanha em relação às pessoas que cruzam a fronteira para trabalhar (umas 15 mil) e que “reúne toda a informação quanto aos direitos dos trabalhadores transfronteiriços”, definindo quando se enquadram nessa situação, “as regalias” a que têm direito por isso e como aceder a elas, “em matéria de segurança social, assistência médica, invalidez temporária por doença comum ou acidente, invalidez temporária por acidente de trabalho, maternidade, paternidade, reforma, desemprego, inspeção do trabalho”, entre outras, como explicou Ana Abrunhosa à Lusa.

Assim, os trabalhadores acederão a equipamentos sociais, como escolas e creches, terão direito aos centros de emprego e ao regime de segurança social nos dois países.

Também o 112 Transfronteiriço, ora criado, constitui resposta de urgência em saúde e avança na Galiza e no Norte de Portugal, com a assinatura de um protocolo, que é “um projeto-piloto para assistência médica de urgência entre a Galiza e a região Norte de Portugal, entrando em funcionamento após a assinatura pelo Instituto Nacional de Emergência Médica de Portugal (INEM) e pela entidade de saúde da Galiza, durante a cimeira. Assim, o 112 Transfronteiriço garante “assistência médica rápida e adequada em situações de urgência e de emergência, pelos meios que estão mais próximos, independentemente de serem portugueses ou espanhóis. E inclui assistência hospitalar, isto é, após receber tratamento de urgência, a pessoa “poderá escolher onde deseja continuar a fazer o tratamento", na sua zona de residência ou no local para onde foi transferida nessa primeira resposta, mesmo que seja do outro lado da fronteira.

Outro memorando de entendimento assinado na cimeira de Viana do Castelo visa aumentar a cooperação na resposta à violência de género nas regiões transfronteiriças. O objetivo é garantir que os protocolos de atuação dos dois países nesta matéria são semelhantes e abrangendo, por exemplo, a vigilância eletrónica de agressores, mecanismos mais céleres de troca de informação a nível policial e judicial e a possibilidade de partilha de infraestruturas e de equipamentos, como casas abrigo para vítimas.

Portugal e Espanha vão criar estruturas permanentes para controlar o cumprimento da convenção que regula a gestão dos rios partilhados, segundo a declaração final da cimeira ibérica: “Ambos os países decidem impulsionar o desenvolvimento de um Secretariado Técnico Permanente da Comissão para a Aplicação e Desenvolvimento da Convenção de Albufeira (CADC), em linha com as melhores práticas na gestão partilhada de bacias hidrográficas internacionais, que facilite o trabalho contínuo nas matérias reguladas pela Convenção de Albufeira e, em particular, no planeamento hidrológico.” E vão trabalhar “de forma conjunta para harmonizar os indicadores de seca e escassez usados por ambos os Estados e, em particular, os que caraterizam as situações de exceção previstas na Convenção de Albufeira”. Assim, os dois executivos decidiram “criar um grupo de trabalho sobre água e energia que contribua para abordar conjuntamente o papel da água como fonte de energia e explorar as oportunidades do armazenamento energético”.

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No final da 33.ª Cimeira Ibérica, Pedro Sánchez disse que nos vamos unir “em tempos de crise”, ao passo que António Costa sublinhou a “transversalidade” dos entendimentos alcançados entre os dois países que, sob o chapéu da “inovação”, apostam em estreitar as relações transfronteiriças, no respeitante às ligações ferroviárias de alta velocidade que se prevê que venham a ligar os dois países (por Vigo ou pelo corredor de Elvas/Badajoz até Madrid, e nas ligações futuras a Salamanca e Sevilha), como também no atinente ao combate à seca e ao acordo entre Portugal, Espanha e França para as interconexões energéticas. Para este surgiu a garantia de que até 15 de dezembro, o plano de financiamento estará fechado e pronto para apresentar a Bruxelas. Com efeito, o encontro de Alicante, a realizar a 9 de dezembro, conta com a presença do presidente francês e servirá para acertar os detalhes.

No âmbito do reforço da relação transfronteiriça, Costa e Sánchez reforçaram o compromisso de dar seguimento ao que o primeiro-ministro português chama “a maior obra ferroviária dos últimos 100 anos”. E isto passa, primeiro, pela construção, até 2025, das pontes sobre os rios Sever (entre Nisa e Cedillo) e Guadiana (Alcoutim e Sanlucar de Guadiana), para melhor ligação rodoviária; e, depois, pelo investimento ferroviário que parou com a pandemia, mas que visa vir a ligar as duas capitais. A ideia é manter como meta, até ao final de 2023 ou início de 2024, a conclusão da construção do corredor Lisboa-Badajoz, para o transporte de mercadorias e de passageiros e para servir de base à futura “alta velocidade” entre Sines, Lisboa, Badajoz e Madrid.

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Quanto ao kit de projetos protocolados, alguns são credíveis, mas outros são demasiados lentos para saírem do marasmo do papel. Mais difíceis de mover que os elefantes. A estes animais pesados basta que deixem que se lhes façam cócegas na barriga e avançam consideravelmente.

Por fim, é de registar a veleidade fanfarrã de António Costa: Em 2023, o país terá um “seguro de vida” para enfrentar as incertezas do mercado energético e garantirá uma “rede de segurança” às empresas e às famílias. Bem o esperamos. Oxalá esteja certo!

2022.11.04 – Louro de Carvalho

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