O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla inglesa) defendeu que a Rússia deverá manter operações convencionais na Ucrânia – provavelmente sem recorrer a armas nucleares e sem promover um conflito direto com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO/OTAN) – e apostar no colapso do apoio ocidental durante o inverno.
Na
sua mais recente avaliação diária sobre a guerra na Ucrânia, publicada no dia
30 de outubro, à noite, aquele centro de estudos norte-americano considerou
pouco provável que o presidente russo, Vladimir Putin, recorra a armas
nucleares e promova um conflito direto com a NATO, embora insista na ameaça “como parte do seu esforço
para quebrar a vontade ocidental de continuar a apoiar a Ucrânia”. O
cenário de utilização da força tática nuclear só se colocaria, com o “súbito
colapso” das forças russas que permitisse às forças ucranianas “avanços
descontrolados em todo o teatro de operações”. E o ISW justificou os cenários que
equaciona com a avaliação de que Putin continuará a enviar tropas mal
preparadas para a Ucrânia após a mobilização de 300.000 reservistas, “em vez de parar as operações
para reconstituir forças militares eficazes”. Por outro lado, a teoria da vitória de Putin depende da utilização do inverno
rigoroso para “quebrar a vontade da Europa”. É a saga do ‘General Inverno’ em
versão atual.
A
invasão da Ucrânia pela Rússia, a 24 de fevereiro, lançou a Europa na mais grave
crise de segurança desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Além de um
número de baixas militares e civis por determinar e de milhões de refugiados, provocou
uma crise energética na Europa, não só pela destruição de infraestruturas vitais,
como por consequência das sanções contra Moscovo. Por isso, vários analistas têm
antecipado que a Rússia aposta que a crise energética torne difícil a vida dos
europeus durante o inverno, levando a pressões para que os governos diminuam o
apoio a Kiev e aliviem as sanções contra Moscovo. Por outro lado, a guerra tem
como consequência a subida de preços de bens essenciais e a
perturbação dos mercados alimentares devido à suspensão das exportações
ucranianas e russas de produtos agrícolas e de fertilizantes.
Na
sua avaliação diária sobre a guerra, de 31 de outubro, o Ministério da Defesa
do Reino Unido aludiu ao envio de milhares de reservistas russos para a Ucrânia
desde meados desse mês, “em muitos casos mal equipados” e até mal treinados. E disse, com
base nos serviços de inteligência militar, que imagens de satélite sugerem que os reservistas
levam espingardas AKM, “arma introduzida pela primeira vez em 1959”, estando
muitas, provavelmente, em condições de sofrível utilização, após
deficiente armazenamento.
A
AKM usa munições de 7,62 milímetros (mm), “enquanto as unidades de combate
regulares da Rússia estão, na sua maioria, equipadas com espingardas AK-74M ou
AK-12 de 5,45 mm. Assim, as forças armadas russas terão de enviar dois tipos de
munições de armas ligeiras para as posições da linha da frente, em vez de um, o
que pode complicar ainda mais os sistemas logísticos já sob tensão da Rússia.
***
A 31 de
outubro, Iryna Vereshchuk, vice-primeira-ministra da Ucrânia, aconselhou os
cidadãos que fugiram do país, aquando da invasão da Rússia, a não regressarem a
casa neste inverno, pois há apagões causados por ataques à rede elétrica.
O
racionamento da eletricidade tornou-se realidade sombria, à medida que a Rússia
destrói a capacidade económica da Ucrânia e força os seus líderes a sentarem-se
à mesa das negociações, hipótese que a Ucrânia vem afastando, embora pareça
estar a seguir as indicações do Presidente da Turquia com vista a conversações
entre Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky.
O ministro da Energia avisou que a Ucrânia pode precisar de importar
eletricidade para sobreviver ao inverno, quando, até há pouco tempo, exportava
eletricidade para a União Europeia (UE).
O fraco
desempenho do exército russo, particularmente nos últimos meses, fez com que Putin
e os seus generais mudassem de tática. À medida que as forças ucranianas avançam
para recuperar Kherson, cidade estrategicamente importante, a campanha militar
russa passou a privar civis de eletricidade e de aquecimento. E, enquanto a Ucrânia
se mune de velas e lenha em preparação para cortes de energia durante as
temperaturas de inverno que regularmente caem abaixo de 20 graus negativos, os
líderes ocidentais têm de ponderar sobre o que podem fazer para impedir Putin
de atingir civis ucranianos e criar uma catástrofe humanitária.
Os países
europeus receiam que a devastação das infraestruturas energéticas da Ucrânia afete
em muito a economia e aumente drasticamente o número de refugiados rumo ao
ocidente. Estima-se que oito milhões de ucranianos tenham fugido para países da
UE por causa da guerra.
Cada vez mais Putin terá de combater a guerra com novos meios assimétricos,
porque o exército russo corre o risco de perder no campo de batalha e de se
tornar mais desmoralizado. A retirada das forças destacadas no nordeste da
Ucrânia foi um indicador da fragilidade russa. Ao invés, o exército ucraniano mostra
uma resistência maior à que o Kremlin esperava. Os países ocidentais forneceram
equipamento e formação suficientes para a Ucrânia criar uma forte
contraofensiva e recuperar todo o território capturado desde o início da
invasão.
A recente
mobilização da Rússia de cerca de 300 mil soldados, que aparenta ser
desordenada, pode tornar-se em desvantagem. Para a população russa, essa
mobilização significa que o conflito não é uma abstração vista na televisão sob
a forma de uma “operação militar especial”, mas uma guerra em que se espera que
os russos morram por razões que não são convincentes.
O facto de Moscovo atacar centrais elétricas é clara violação do direito
internacional. O objetivo é provocar sofrimento à população civil e
persuadir os ucranianos de que o preço de continuarem a combater é demasiado
elevado. Porém, apesar do transtorno inicial, que levou à escassez de gasóleo e
gasolina em Kiev e noutras cidades, a Ucrânia encontrou fornecimentos
alternativos de vários países da UE que até agora se mantêm firmes. E a
Alemanha – a maior economia europeia que importou 55% do seu gás da Rússia
antes da guerra – tem agora gás suficiente armazenado de outras fontes para
suportar o inverno sem grandes perturbações. Todavia, para enfrentar a mais
recente escalada de Putin, os governos europeus têm de estar prontos para aceitar
mais refugiados a curto prazo. E os países da NATO devem fornecer mais
armamento para reforçar as defesas aéreas da Ucrânia e fornecer os recursos
necessários para ajudar os engenheiros ucranianos a reparar os danos causados
às centrais elétricas.
Moscovo
intimida o Ocidente com a possibilidade de poder lançar uma arma nuclear na
Ucrânia, mas escolheu uma estratégia convencional para tentar inverter a sua
sorte no campo de batalha.
Até agora, a
Ucrânia lidou bem com os efeitos económicos da guerra e, apesar da
desvalorização de 30%, a moeda não entrou em colapso. No entanto, o défice
orçamental dispara e deverá atingir os 40 mil milhões de dólares até ao fim do
ano – 30 a 40% do seu produto interno bruto (PIB).
O verdadeiro
teste do compromisso com a Ucrânia está por vir. Para a Ucrânia sair vencedora,
os governos ocidentais terão de fornecer os recursos militares e financeiros
adequados.
***
O cruel e
implacável inverno russo – conhecido por ‘General Inverno’, mas detendo também outras
designações, como ‘General Gelo’ e ‘General Neve’ – foi uma poderosa arma com a
qual a Rússia contou contra os inimigos, geralmente acostumados aos invernos
europeus mais amenos, embora tenha havido casos em que se voltou
caprichosamente contra o seu aliado.
Foi em 1812 que
o nome ‘General Inverno’ foi utilizado pela primeira vez num texto britânico
sobre a catastrófica campanha russa de Napoleão. Aí, o piadista britânico
escreveu: “General Inverno barbeando o pequeno Boney.” E o nome pegou.
Os generais
de Napoleão escreveram nas suas memórias que o inverno russo foi a principal
razão da derrota do Grande Exército. Porém, isto foi sobretudo um truque para
salvar as aparências. Com efeito, as tropas francesas foram esmagadas pela
coragem dos Russos, nos confrontos com guerrilheiros e pela estratégia do
comando russo. Não obstante, é inegável que o ‘General Inverno’ desferiu golpe
mortal contra o inimigo. A forte geada fez-se sentir na retirada da Rússia por
parte do mal preparado Grande Exército. Apenas algumas dezenas de milhares dos
600 mil soldados franceses voltaram para casa, mercê do rigor hiemal.
Já um século
antes, em 1708, durante a Grande Guerra do Norte, entre a Suécia e a Rússia, o ‘General
Inverno’ fez das suas contra o exército de Carlos XII, que enfrentou o inverno
na Ucrânia – o mais frio que a Europa registara em 500 anos. Para os guerreiros
escandinavos, o frio intenso não era novidade, mas o desse ano era ímpar em relação
aos que já tinham passado. Quase metade dos soldados e cavalos suecos morreram
congelados, o que ajudou grandemente o tzar Pedro, o Grande, na batalha
decisiva de Poltava, em que as tropas inimigas foram esmagadas.
Porém, o ‘General
Inverno’ não esteve sempre do lado russo. Por exemplo, na Guerra de Inverno, as
tropas soviéticas enfrentaram um dos invernos mais cruéis do século XX.
Divisões inteiras isoladas e cercadas pelos Finlandeses morreram congeladas no
meio da neve profunda. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)
venceu a guerra, mas pagou um alto preço, com mais de 126 mil mortos, contra 25
mil mortos entre os finlandeses.
Também na
Batalha de Moscovo, dificilmente o inverno russo pôde ser considerado aliado da
URSS. Os generais da Wehrmacht alegaram que o frio intenso de -30ºC e até -50ºC
interrompera a sua ofensiva. Todavia, os dados meteorológicos mostram que o novembro
de 1941 foi moderado e propício ao avanço. O frio, congelando o solo, ajudou as
divisões blindadas alemãs a manobrar.
Como lembrou
o marechal Konstantin Rokossovski, nas suas memórias, o frio congelou os
pântanos, ficando os tanques e as unidades motorizadas alemãs mais livres para
se locomoverem e começaram a usar tanques “fora das estradas”. E, quando as
tropas soviéticas partiram para a contraofensiva, em dezembro e janeiro, um
clima extremamente frio provocou muitos estragos. Os soldados soviéticos que
avançavam acabaram por congelar nos campos e afundar-se na neve profunda, enquanto
os alemães se firmavam nas suas posições nos assentamentos tomados nos entornos
de Moscovo.
No entanto, em
geral, o inverno russo ajudou os Soviéticos na defesa da pátria. As tropas
alemãs não tinham uniformes de inverno suficientemente quentes e o seu
equipamento militar ficava preso no frio cortante. O ‘General Inverno’ destruiu
literalmente o 6.º Exército na Batalha de Estalinegrado, o que representou a
reviravolta no conflito. E, após a capitulação das tropas alemãs, em 31 de
janeiro e em 2 de fevereiro, 91 mil sobreviventes tornaram-se prisioneiros de
guerra.
E deve
assinalar-se que o ‘General Inverno’ contou com uma poderosa aliada, a General
Lama. Para o inimigo que avançava, o outono russo não era melhor do que o
inverno russo. As tropas eram obrigadas a marchar com lama até aos joelhos
por via das chuvas persistentes. Considerando as condições precárias das
estradas, os avanços pelo interior eram verdadeiros pesadelos.
***
Agora, o ‘General
Inverno’ tem contornos diferentes, de efeitos quase planetários.
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