sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Da problemática da transição para a mobilidade elétrica sustentável

 

A Comissão Europeia publicou, a 10 de novembro, a norma Euro 7, para a descarbonização do setor automóvel, que entrará em vigor em 2025, mas que traz polémica para a estrada.

Depois de, em junho deste ano, o Conselho Europeu do Ambiente, ter aprovado a proibição da venda de carros novos (a combustão ou híbridos) a partir de 2035, surge agora a norma Euro 7, que impõe ainda mais exigências em matéria de emissões poluentes pelos novos carros produzidos no espaço europeu, daqui a três anos. É bom para o ambiente, mas punitivo para a indústria, que se obriga a investir em massa na produção dos motores dos carros.

Esta norma surge na sequência da norma Euro 6, em vigor, já bastante restritiva, e estabelece limites mais ambiciosos para os poluentes atmosféricos, podendo as tecnologias existentes ajudar a consegui-lo. Os padrões agora exigidos garantirão que os veículos permanecem ‘limpos’ durante muito mais tempo. As emissões serão monitorizadas por sensores de bordo, facilitando os controlos técnicos periódicos e as verificações de conformidade e garantindo que as emissões não aumentem desproporcionalmente ao longo do tempo. Isto aplica-se a automóveis ligeiros de passageiros e comerciais ligeiros, bem como a camiões e autocarros.

Segundo a Comissão Europeia, os veículos automóveis são fonte significativa de poluição do ar nas cidades, com grande parte das emissões de NOx (óxidos de azoto) e de partículas finas. Em 2018, o transporte rodoviário foi, em média, responsável por 39% das emissões nocivas de NOx (47% das emissões de NOx em áreas urbanas). Em 2035, a Euro 7 reduzirá as emissões de NOx de carros e furgões em 35%, em comparação com a Euro 6. Além disso, as partículas do tubo de escape serão reduzidas em 13%, nos carros e nos veículos comerciais ligeiros, e em 39%, nos autocarros e nos camiões; e as partículas libertadas pelos travões dos carros serão reduzidas em 27%. Serão, ainda, reduzidas as emissões originadas pelas partículas libertadas pelos pneus, que serão a principal fonte de emissões de partículas do transporte rodoviário.

Porém, a Euro 7 obrigará a indústria a aumentar o investimento em soluções de tecnologia para reduzir as emissões. Também os testes obsoletos serão substituídos por ferramentas digitais de fiscalização, como a monitorização das emissões. Por consequência, haverá diminuição dos custos de conformidade e de encargos administrativos para a indústria automóvel.

O representante do setor, Oliver Zipse, presidente da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA) e presidente executivo da BMW, disse que “o benefício ambiental da proposta da Comissão é muito limitado”, vindo a “aumentar fortemente o custo dos veículos”. E alguns analistas consideram que o preço dos carros, após a entrada em vigor da Euro 7, torná-los-á inacessíveis às classes média e baixa da população.

A nível das implicações na transição para a mobilidade elétrica, as exigências da Euro 7 implicam investimentos em massa em novas tecnologias de construção de motores a combustão, o que encarecerá o preço final dos carros, ‘empurrando-os’ para a paridade de preço dos automóveis elétricos. Por outro, a mobilização de capital para os novos investimentos nas fábricas retirará ‘poder de fogo’ às marcas que já estavam a apostar em força na construção de soluções híbridas e de 100% elétricas, atrasando a produção de veículos para a mobilidade elétrica sustentável.

Helder Pedro, secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP) observa que a Euro 7 é punitiva para a indústria europeia e gerará “distorções e incongruências no mercado global”, pois só obriga as construtoras europeias, que ficarão em desvantagem com os seus concorrentes americanos, chineses ou japoneses, que “não têm regras tão apertadas”. No limite, poderão encerrar fábricas no espaço europeu para se deslocarem para outros continentes, com implicações a nível do emprego e da criação de riqueza em geral. Só na Europa, a indústria automóvel emprega 13 milhões de pessoas, de forma direta e indireta.

De passagem por Lisboa, a 13 de setembro, o recém-eleito presidente da Opel disse que “a incerteza é o novo normal”, pelo que, até 2024, quer ter todos os modelos eletrificados.

Florian Huettl, considerando o aumento dos custos da energia, a falta de componentes, em geral, e a de semicondutores, em particular, a inflação e a subida das taxas de juro, disse que “temos de nos habituar a gerir num ambiente de permanente instabilidade e de volatilidade constante”.

Florian Huettl explicita que a Opel – saída do universo da General Motors para integrar o grupo Stellantis, liderado pelo português Carlos Tavares –, até 2017, passou um “mau bocado” em termos financeiros. Porém, nesse ano, com a viragem na estratégia de gestão, a empresa passou a ter as contas equilibradas e regressou aos lucros. Sem adiantar valores, admite que, em 2022, com o impacto de todas as variáveis macroeconómicas e com a guerra na Ucrânia, os objetivos traçados no início do ano poderão não ser totalmente alcançados, “até porque tivemos fábricas paradas várias vezes por falta de componentes”. Não obstante, assegurou: “A empresa agora está bem, com uma base financeira saudável e estamos a seguir uma estratégia claramente ganhadora.”

Uma das linhas da sua estratégia é a da eletrificação dos modelos da marca que lidera, orgulhando-se de dizer que já dispõem, no mercado, de 12 modelos elétricos ou híbridos.

Em relação a Portugal, o presidente da Opel explica que, além de estar a produzir o modelo comercial Combo, na fábrica de Mangualde, as vendas da marca, em geral, aumentaram 21% em 2021, o que trouxe a Opel de volta ao top 10 das marcas mais vendidas no mercado nacional.

Entretanto, o Presidente francês pediu à Alemanha “solidariedade” europeia ante a subida dos preços da energia e defendeu um “forte apoio”, o “mais rápido possível”, à indústria automóvel na Europa contra a China e contra os Estados Unidos da América (EUA), pois a China está a fechar o seu mercado e os EUA “estão a fazer uma estratégia muito ofensiva de ajuda estatal” e nós “não podemos ser o único espaço que considera que não há preferência”.

Estas declarações de Emmanuel Macron constam duma entrevista dada ao diário francês Les Echos, publicada a 17 de outubro, onde também considerou: “Não podemos cingir-nos às políticas nacionais, porque isso cria distorções dentro do continente europeu.” Na verdade, o Governo do chanceler alemão Olaf Scholz, acusado de seguir sozinho com o plano de apoio de 200 mil milhões de euros para proteger famílias e empresas face ao aumento dos preços de energia, está sob pressão de vários parceiros da União Europeia (UE) para mais solidariedade financeira.

Em contrapartida, Bruxelas pretende metas ambiciosas: daqui a 13 anos a Europa deixará de vender carros que produzam emissões poluentes, isto é, motores a gasóleo, a gasolina e híbridos deixarão de constar do catálogo das várias marcas automóveis.

Contudo, os carros com motores a combustão vendidos até àquela data continuarão a circular nas estradas europeias e, segundo os analistas mais céticos, poderemos assistir ao aumento da idade média dos automóveis, pelo facto de a maioria das pessoas não ter acesso a veículos elétricos, por causa dos elevados preços, que continuam acima dos carros com motores convencionais. Assim, além da discrepância europeia relativamente aos outros continentes, também em matéria de mobilidade elétrica, iremos ter uma espécie de Europa a duas velocidades.

Por exemplo, em Portugal, onde a idade média do parque automóvel ronda os 13,6 anos (é dos mais envelhecidos da Europa), se as pessoas que quiserem mudar de carro forem obrigadas a comprar um elétrico e não tiverem dinheiro para o conseguir, ficarão com o carro velho por muito mais tempo. E, ao nível da indústria automóvel, nem todas as marcas estão preparadas para a mudança que os políticos europeus lhes querem impor. Assim, no meio da pressão para acelerar o processo de mudança no espaço da UE, algumas marcas farão a transição de forma mais rápida que outras, por serem marcas de nicho, ou seja, por trabalharem para segmentos muito específicos.

Somos amigos do ambiente e a indústria está a fazer um esforço na descarbonização dos processos de produção e também dos seus veículos, mas não será fácil cumprir as metas decididas por Bruxelas, porque não existe a principal infraestrutura de base de todo o processo: a rede de postos de carregamento acessível e em número suficiente para a procura, à escala europeia. Agora, se alguém quiser atravessar a Europa em carro elétrico é um autêntico “calvário”.

Além disso, muitos dos edifícios não têm hipótese de fornecer energia a carros elétricos, pois muitos, no centro das cidades, nem sequer dispõem de garagens.

E, por mais que se fale em incentivos à compra de carros elétricos (e Portugal é dos mais mal colocados na matéria à escala europeia), logo que haja transferência em massa – por imposição política ou não – para a mobilidade elétrica, os Estados não ficarão de mãos a abanar pela perda de receita fiscal que agora resulta da venda de carros a combustão.

Por outro lado, questiona-se a capacidade de resposta da rede elétrica para o aumento exponencial de procura que Bruxelas quer implementar até 2035.

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É desejável a descarbonização, mas é preciso reforçar a capacidade de produção e distribuição elétricas a partir das barragens e dos recursos renováveis (sol, vento, ondas marinhas e outros) e dotar os edifícios e as estradas das infraestruturas de carregamento rápido e a custo módico. Importa incentivar a indústria à produção e os clientes à aquisição. É, necessária a solidariedade para se removerem os escolhos que dificultam a transição para a mobilidade elétrica sustentável. E, por fim, é preciso resistir à tentação fundamentalista do abandono total de materiais e de combustíveis fósseis. Com efeito, condenável não é o uso dos fósseis, mas o seu uso generalizado sem olhar aos seus malefícios e sem acautelar a preservação dos ecossistemas e as tão malfazejas ações climáticas, que devem se combatidas em todas as frentes, a começar pelo atual modelo de crescimento, que é profundamente nefasto. E a solução e a esperança estão nas pessoas.

2022.11.10 – Louro de Carvalho

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