Como consta
do comunicado do Conselho de Ministros deste dia 16 de março, o Governo aprovou
a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, instrumento de política
pública que visa concretizar a abordagem multidimensional e transversal de
articulação das políticas públicas para a erradicação da pobreza através de um
conjunto de ações coerentes e articuladas.
O documento,
sujeito a consulta pública no mês de outubro (até ao dia 25), é condição habilitante do Portugal 2030 e uma das
reformas inscritas no PRR para contribuir para a coerência e eficácia dos
investimentos inscritos nestes dois programas. Enquadrada no desafio
estratégico de redução das desigualdades, define 6 eixos prioritários de
intervenção, em articulação com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e com os ODS
(Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável) da Agenda
2030. Tais eixos estão
organizados nas seguintes dimensões: reduzir a
pobreza nas crianças e jovens e nas suas famílias; promover a integração plena dos jovens adultos na sociedade e a redução
sistémica do seu risco de pobreza;
potenciar o emprego e a qualificação
como fatores de eliminação da pobreza;
reforçar as políticas públicas de
inclusão social, promover e melhorar a integração societal e a proteção social
de pessoas e grupos mais desfavorecidos;
assegurar a coesão territorial e o
desenvolvimento local;
e fazer do combate à pobreza um
desígnio nacional.
A Estratégia
tem entre os seus objetivos a redução da taxa de pobreza monetária para 10% da
população, retirando 660 mil pessoas da situação de pobreza, e a redução para
metade a taxa de pobreza nas crianças, retirando 170 mil crianças dessa
condição.
Foi também aprovado
o decreto-lei que altera o regime de instalação, funcionamento e fiscalização
dos estabelecimentos de apoio social, o qual, concretizando uma medida Simplex
2021, cujo objetivo é tornar mais célere o processo de instalação e de
funcionamento das várias respostas sociais, pela eliminação de constrangimentos
detetados, melhoria na articulação dos diferentes intervenientes e agilização e
desmaterialização dos procedimentos legais. Visando acelerar o processo de
entrada em funcionamento das respostas sociais e a previsibilidade da decisão
administrativa, o que alavancará novas respostas e as medidas previstas no PRR
para a área social, é dos contributos legais para a concretização da diminuição
e erradicação da pobreza.
***
A 8.ª e
última conferência do ciclo “Sociedade no Século XXI: Desafios Sociais,
Geracionais, Políticos e Económicos”, organizado pelo Instituto de Altos
Estudos da Academia das Ciências de Lisboa, sob o título “Desigualdade e pobreza no século XXI” e proferida por Carlos
Farinha Rodrigues, professor de Economia no ISEG, conclui que a transmissão intergeracional
é caraterística determinante da pobreza em Portugal.
Como refere o palestrante, o estudo
recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos “Faces da pobreza em Portugal” mostra que grande parte das pessoas
em situação de pobreza cresceu num contexto continuado de privação,
condicionando as suas oportunidades de vida, nomeadamente pela antecipação da
sua saída da escola e a entrada precoce no mercado de trabalho, assim como pelo
ingresso em empregos pouco qualificados. Muitas famílias convivem com a pobreza
há várias gerações. Estudo recente da OCDE mostra que a baixa mobilidade
social no país implica que uma família com baixos rendimentos precisa de 125
anos (5 gerações) para os seus descendentes atingirem um nível de salário
médio. Assim, o elevador social funciona com grandes limitações, que se
agravaram com os efeitos socioeconómicos da pandemia. O afastamento das
crianças e jovens do sistema de ensino por largos períodos de tempo (em 2020 e
2021) terá efeitos significativos na
igualdade de oportunidades que, tarde ou cedo, darão no agravamento das
desigualdades económicas e num potenciar acrescido de fatores de pobreza e exclusão
social.
E a grande
questão é que é possível ter trabalho e salário fixo, mas ser pobre. De facto,
têm papel fundamental no fomento e manutenção das condições de pobreza baixos
salários, desigualdade salarial e generalização do trabalho precário. Segundo o
INE, em 2019, encontravam-se em situação de pobreza 444 milhares de
trabalhadores (taxa de working poor: 9,6%). Os trabalhadores pobres representavam 33.6% da população pobre com 18 ou
mais anos. Em 2020 a proporção de working poors subiu para
11,2%. Os jovens, em transição do sistema educativo para o mercado de trabalho
são afetados por formas desreguladas de funcionamento do mercado de trabalho. E
a relação entre participação no mercado de trabalho e situação de pobreza não depende
só dos níveis salariais, mas também da dimensão e composição da família do
trabalhador. Por exemplo, em 2020 um trabalhador a viver sozinho e a ganhar o
salário mínimo estava acima do limiar de pobreza. Porém, num casal com dois
filhos em que só um dos elementos auferisse o salário mínimo, os rendimentos do
trabalho estão cerca de 30% abaixo do limiar de pobreza: são pobres.
Os últimos
dados disponíveis para comparar a desigualdade entre os vários países europeus
remontam a 2019 não refletindo o agravamento das desigualdades provocadas pela
pandemia. Em 2019, Portugal era o 8.º país mais desigual da UE com um
coeficiente de Gini de 31,2%, ou seja, 0,2 pontos percentuais acima da média
dos 27 países da UE. A descida da desigualdade no país entre 2014 e 2019
justifica a aproximação dos níveis de desigualdade medida pelo índice de Gini
em Portugal com o valor médio da UE. Assim, em 2014, o nível de desigualdade em
Portugal era 3,2 pontos percentuais (pp) superior à média da UE. Os efeitos da crise pandémica foram muito
desiguais e agravaram os níveis de desigualdade. Em 2020, o índice de Gini
assumiu o valor de 33%, agravando-se 1.8 pontos percentuais. São múltiplas e
complexas as razões que explicam que Açores e Madeira sejam as regiões do país
com maior incidência da pobreza: os custos da insularidade, as taxas de
participação no mercado de trabalho, os baixos níveis médios de rendimento (comparados
com o continente) têm papel
importante na incidência acrescida da pobreza nessas regiões. E é nestas regiões
que se verificam os maiores níveis de desigualdade. Isto quer dizer que a
desigualdade e a pobreza são as duas faces da mesma moeda. E assim não é
possível combater a pobreza sem simultaneamente reduzir as desigualdades.
Para tanto, há que incrementar o aumento dos níveis de ensino e das qualificações,
pois, segundo o palestrante, “constitui o instrumento mais eficiente para, de
forma estrutural, reduzir a pobreza no nosso país”. Com efeito, em 2019, a
incidência da pobreza entre os indivíduos com 18 e mais anos que possuíam o 1º
ciclo do Ensino Básico ou menos era de 44%. Tal incidência reduzia-se para 12%
para quem tinha o ensino secundário e para 5% para quem tinha um curso
superior. Apesar disso, nos anos mais recentes, desvaloriza-se a eficácia da
educação na redução da pobreza, desvalorização sentida sobretudo nos jovens,
que na transição do sistema de ensino para o mercado de trabalho enfrentam
dificuldades acrescidas – precariedade de trabalho, salários não congruentes
com as qualificações, etc. – o que é deveras preocupante. Ora, a aposta na
educação dos jovens e na requalificação dos adultos é condição necessária para
a redução da pobreza, mas não é condição suficiente, pois, se não for
assegurado o verdadeiro potencial que uma formação acrescida representa, de
modo que se transforme em valor acrescentado para a economia e em valorização
do fator trabalho os seus efeitos na redução da pobreza serão mitigados.
Nas últimas
décadas tem havido flutuações acentuadas na forma como os governos priorizam a o
combate à pobreza na agenda política. Se às vezes foi possível identificar o
aparecimento de novas políticas de combate à pobreza, como o rendimento social
de inserção, o complemento solidário para idosos, etc., noutros momentos
assistiu-se ao retorno a políticas mais assistencialistas de eficácia reduzida
no combate à pobreza. Mas regra geral a redução da desigualdade, pobreza e
exclusão social foi sempre algo de subalterno nas políticas públicas e na
política económica. Agora, a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, acabada
de aprovar, pode constituir um elemento de coerência das diferentes políticas
públicas para priorizar e implementar a efetiva política de redução da pobreza,
mas tem de ser vista como ponto de partida e nunca como ponto de chegada. O
combate pela redução e erradicação da pobreza só ganha pleno sentido se for, combate
por uma economia ao serviço das pessoas, que preserve a casa comum que habitamos
e onde novas gerações habitarão no futuro e que assegure um desenvolvimento
socioeconómico sustentado e inclusivo.
Também a
nível europeu os avanços e retrocessos no combate à pobreza têm estado associados
à prioridade que as políticas comunitárias atribuem a tal objetivo. Se em
determinados momentos foram implementados mecanismos e recursos para a efetiva
redução da pobreza e construção de uma Europa mais social (Planos
Nacionais para o Combate à Pobreza, Planos Nacionais para a Inclusão, etc.), nos anos mais recentes predominaram as políticas que
desvalorizam este tipo de preocupações. O plano de ação do Pilar Europeu dos
Direitos Sociais, aprovado na presidência portuguesa da UE, pode ser elemento
estruturante para recolocar as questões sociais na agenda. Mas a existência dum
quadro mais favorável a nível europeu não basta para o sucesso da redução da
pobreza nos países da Europa. Isso postula que cada país faça da redução da
pobreza um desígnio nacional e instrumento de redução das injustiças sociais,
de fortalecimento da coesão social e de fortalecimento da economia. Se não for
assegurado o potencial que a formação acrescida representa, os efeitos na
redução da pobreza serão necessariamente mitigados.
***
“O número de
pessoas em risco de pobreza aumentou de 1,7 milhões em 2019 para 1,9 milhões em
2020” e com subidas maiores entre mulheres e idosos, mas também nas famílias,
segundo o relatório “Portugal, Balanço Social 2021”, elaborado pela Nova School
of Business & Economics, uma das 5 faculdades da Universidade Nova de
Lisboa, em resultado de parceria entre a faculdade, a Fundação “La Caixa” e o
BPI que se juntaram em 2019 para lançar a Iniciativa para a Equidade Social,
com vista a impulsionar o setor social em Portugal.
De acordo com
o relatório, a que já aludi em janeiro e que tem por base os dados preliminares
do ICOR (Inquérito aos Rendimentos
e Condições de Vida) que
o INE disponibilizou em dezembro de 2021, a taxa de risco de pobreza aumentou 2
pp entre 2019 e 2020.
Os dados do
ICOR têm por base a situação financeira e profissional das famílias em 2020 e
permitem “descrever sumariamente o impacto da pandemia nas condições de vida
das famílias”, desde logo que a taxa de risco de pobreza após transferências
sociais passou de 16,2% em 2019 para 18,4% em 2020. Esta taxa de risco de
pobreza aumentou mais nas mulheres (2,5 pp) e nas pessoas com mais de 65 anos (2,6 pp), como subiu entre todos os tipos de famílias, “especialmente nas
famílias com crianças” (2,7
pp). Nas famílias, o
maior aumento registou-se nas monoparentais, com o crescimento de 4,7 pp da
pobreza para 30,2% durante o ano de 2020. Já nas pessoas desempregadas, a taxa
de risco de pobreza atingiu 46,5%, isto é, mais 5,8 pp que em 2019.
Em 2019, a
taxa de risco de pobreza diminuiu 1 pp, para 16,2%, relativamente a 2018, sendo
o 5.º ano consecutivo em que este indicador diminui. E lê-se no relatório que “a
taxa de risco de pobreza antes de transferências sociais também diminuiu face a
2018, atingindo 42,4%” e, como em 2018, a taxa de incidência de pobreza é maior
entre os desempregados, famílias monoparentais e indivíduos menos escolarizados.
Assim, a análise
permite ficar a saber que nesse ano a pobreza era mais prevalente em pessoas
desempregadas (33,3%), famílias monoparentais (25,5%) e pessoas com níveis de escolaridade mais baixos (21,9%), sendo maior nas mulheres que
nos homens a taxa de risco de pobreza (16,7% contra 15,6%).
Para as
crianças (0 aos 17 anos) e as pessoas mais velhas (mais de 65 anos) a taxa de risco de pobreza é, em
2019, superior à média nacional, com 19,1% e 17,5%, respetivamente.
No atinente aos idosos, a taxa de risco de pobreza de 17,5% é 2,3 pp acima da
média nacional e o valor é superior ao de 2018, quando a taxa de pobreza se
ficou nos 17,3%. Isto é, em 2019, eram pobres 381 mil idosos. Como é
expectável, o pagamento de pensões reduz a taxa de risco de pobreza deste
segmento da população: para 20%, em 2019. O efeito das restantes transferências
é menor, mas relevante: entre 2017 e 2019, a taxa de risco de pobreza foi cerca
de 1,15 vezes maior que na ausência destas transferências.
Relativamente
à percentagem de pessoas em risco de pobreza de forma persistente, ou seja, no
ano em análise e na maioria dos três anos anteriores, a taxa é de 9,8%, o que
quer dizer que “60% das pessoas pobres em 2020 estavam numa situação de pobreza
persistente”, sendo que destas, 6% nunca saíram da situação de pobreza no
período de 4 anos, entre 2016 e 2019.
Um dos determinantes da pobreza é a relação com o mercado de trabalho, de
modo que uma em cada 3 pessoas desempregadas é pobre e, em alguns casos, não
basta trabalhar para fugir à pobreza, pois uma em 10 pessoas empregadas é pobre. Efetivamente, “40,6% dos indivíduos
pobres vivem em agregados onde se trabalha a tempo inteiro”.
Apesar das melhorias
verificadas, as famílias pobres é que têm piores condições habitacionais, saúde
pior (autoavaliada) e mais dificuldade em aceder a
cuidados de saúde.
No atinente à
desigualdade na distribuição dos rendimentos, sabe-se que em 2018, os 25% mais
ricos detinham 42% do rendimento do país, valor que em 2019 sobe para quase
46%.
Mais de 330
mil crianças eram pobres em 2019, revela o relatório, segundo o qual o risco de
pobreza aumentou para 19,1%, o que quer dizer que quase duas em cada 10 viviam
na pobreza. As crianças [0
aos 17 anos] são um dos
grupos da população mais vulnerável a situações de pobreza e exclusão social. A
taxa de risco de pobreza em crianças aumentou entre 2018 e 2019 (de 18,5% para 19,1%). Isto significa que há, em 2019,
mais de 330 mil menores pobres em Portugal. Por outro lado, a pobreza afetava
25,5% das famílias monoparentais, ou seja, cerca de 1/4 de todos os agregados
familiares, tendo esse valor diminuído 8,4 pp em relação a 2018, apesar de
estas famílias continuarem a ser o tipo de agregado com maior taxa de risco de
pobreza. No
atinente a carências habitacionais e alimentares, e já em relação a 2020, “mais
de uma em cada 4 crianças vivia em casas com telhado, paredes, janelas e chão permeáveis
à água ou apodrecidos”, enquanto 11% das habitações não tinha aquecimento
adequado. E os investigadores referem:
“A
incapacidade de comer, pelo menos de dois em dois dias, uma refeição de carne,
peixe (ou equivalente vegetariano), manteve-se estável nos últimos três anos,
com uma ligeira melhoria em 2020 (de 1,9% para 1,8%).”.
E, quanto à
escolaridade, sobressai o seu papel na mitigação da transmissão intergeracional
da pobreza, salientando que nos anos anteriores à escolaridade obrigatória, o
rendimento das famílias está relacionado com a frequência da creche e da educação
pré-escolar e revelando que quase 7 em 10 crianças pobres não tem acesso a
creche e, entre os 4 e os 7 anos, as mais pobres são as que menos frequentam a educação
pré-escolar. Na escolaridade obrigatória, são as crianças com piores resultados
que as de meios socioeconómicos menos desfavorecidos, no Estudo Diagnóstico
para os alunos do 3.º ano, do IAVE em janeiro de 2021, para apurar os atrasos
na aquisição de competências em virtude da crise pandémica.
Três crianças em 10 estavam em situação de pobreza em pelo
menos um ano do tempo em análise (2016
e 2019), valor que baixa a 10,5% considerando um ano, embora 8,9% das crianças
tenham sido pobres nos 4 anos (em 2019 a taxa de risco de pobreza era de 9,8%, mas
o valor em crianças chegava 30,3%).
***
Tem o Governo e o país gigantesco
trabalho pela frente. Apesar da guerra, é preciso cumprir!
2022.03.16 – Louro de Carvalho
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