quinta-feira, 10 de março de 2022

Pede-se apelo do Patriarca russo pelo fim da guerra

 

Benedetta Capelli comenta no “Vatican News” que o presidente dos Bispos Católicos europeus, escreveu ao Patriarca de Moscovo e de todas as Rússias Kirill em demanda de esperança e a pedir que solicite às autoridades russas a cessação das hostilidades e uma solução diplomática e incentivando a abertura eficaz de corredores humanitários. Com efeito, ao invés do que tem sucedido com outros hierarcas e grupos da Igreja Católica e das Igrejas Ortodoxas, não se conhecia uma posição pública do Patriarcado de Moscovo e de todas as Rússias.

Diz o Cardeal Jean-Claude Hollerich, presidente da Comece (Comissão das Conferências Episcopais Católicas da União Europeia) que é uma carta nascida do profundo pesar do seu coração, em que implorou claramente, “no espírito de fraternidade”, que faça “um apelo urgente às autoridades russas para cessar imediatamente as hostilidades contra o povo ucraniano e mostrar boa vontade na busca duma solução diplomática para o conflito, com base no diálogo, bom senso e respeito pelo direito internacional, permitindo corredores humanitários seguros e acesso ilimitado à assistência humanitária”.

O purpurado, “com o coração partido”, aponta as nefastas consequências da “loucura da guerra”, designadamente a morte de “milhares de pessoas, tanto soldados como civis” e a deslocação de mais de um milhão de pessoas, que fugiram da sua terra natal, a maioria quais são “mulheres e crianças vulneráveis”.

Também se lê na carta que, ante esforços diplomáticos “infrutíferos”, ataques violentos, “não se pode excluir a possibilidade dum conflito europeu ou mesmo mundial mais amplo com consequências catastróficas”. Assim, como explica o Cardeal, “nestes momentos sombrios para a humanidade, acompanhados de intensos sentimentos de desespero e medo, muitos olham para o senhor, Sua Santidade, como alguém que poderia trazer um sinal de esperança para uma solução pacífica deste conflito”.

É preciso, numa linha de consequência, lembrar que tanto o Papa Francisco como Kirill haviam deplorado, em declaração conjunta, em 2016, a hostilidade na Ucrânia, que havia ceifado vidas, infligido feridas à população e provocado uma grave crise económica e humanitária. Ambos apelavam para “ações que visem a construção da paz e da solidariedade social”. Assim, considerando o peso dessas palavras e na esteira dos sentimentos de angústia, o Cardeal Hollerich evocou as palavras de Kirill ao Núncio na Federação Russa: “a Igreja pode ser uma força pacificadora”, especialmente no tempo da Quaresma, quando rezamos ao “Deus da paz e não da guerra”. E o presidente da Comece conclui:

Façamos o nosso melhor para ajudar a pôr fim a esta guerra sem sentido, para que a reconciliação e a paz possam mais uma vez habitar o continente europeu”.

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Também o Cardeal Secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, reitera a urgência de iniciar negociações para encontrar soluções para um conflito que, com o ataque ao hospital infantil de Mariupol, mostrou uma das suas faces mais terríveis. Por isso, torna-se necessária a boa vontade das partes e a disponibilidade para fazer compromissos se realmente desejam alcançar a paz.

Em conformidade com este pressuposto, Parolin, reitera que a Santa Sé está disposta a fazer tudo para deter a guerra, pois o conflito deve ser interrompido e há sempre uma solução. Assim, o purpurado reafirmou o papel de mediação da Santa Sé, mas deixou claro que a intenção não é interferir nas outras tentativas em andamento. Referiu que tudo deve ser feito para deter a guerra, que não parece estar a terminar, antes está a mostrar a sua face cada vez mais cruel.

No dia 9, à margem duma conferência em Roma, o Secretário de Estado falou do ataque aéreo russo que destruiu o hospital em Mariupol, provocando vítimas, a maternidade e pediatria, descrevendo o ataque como inaceitável. E disse que, embora o espaço para negociações seja limitado, espera uma posição negociada. E, em relação ao telefonema que teve com o Ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, revelou que a conversa não tinha dado nenhuma garantia e que não tinha havido nenhuma certeza sobre os corredores humanitários.

Segundo Parolin, a presença de dois cardeais na Ucrânia, o esmoler papal Konrad Krajewski e o prefeito interino do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral, Michael Czerny, é um sinal de que o Papa quer dar a sua contribuição não apenas a nível mais propriamente diplomático e espiritual, mas também em nível de ajuda humanitária. E, sobre as palavras do patriarca Kirill, proferidas após a receção da susodita carta da Comece, disse que tais declarações não encorajam e não promovem um entendimento. Ao invés, correm o risco de inflamar ainda mais os ânimos, levando a uma escalada que não resolverá a crise de modo pacífico.

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Entretanto, o Cardeal Michael Czerny, prefeito interino do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, enviado pelo Papa à Hungria para confortar os refugiados ucranianos, encontrou-se com o vice-primeiro-ministro e visitou a fronteira de Barabás, onde centenas de pessoas se encontram em 5 pontos de acolhimento. Depois, superou a fronteira e parou na aldeia ucraniana de Beregove, em Transcarpathia, área poupada pelos bombardeios e ponto de encontro para milhares de refugiados.

Ironicamente, lê-se numa placa desbotada, coberta de ramos secos, na fronteira de Barabás, entre a Ucrânia e a Hungria, um “Bem-vindo à Ucrânia”. Ora, na fronteira, viam-se, dum lado, dezenas de carros à espera da passagem pelos rigorosos e muito lentos controlos alfandegários; e, do outro, só carros da polícia. O cardeal Czerny cruzou a fronteira no final da tarde, acompanhado por dois sacerdotes envolvidos no cuidado pastoral dos migrantes e pelo eparca greco-católico de Nyíregyháza, Ábel Szocksa, que disponibilizou o seu carro para ele ir “para o outro lado”, ao encontro dos refugiados. O eparca fez o sinal da cruz antes de entrar, mais como bênção para a missão que por medo de qualquer perigo, pois, nos últimos dias, foi assiduamente visitar “os irmãos” que ajudam as pessoas que fogem e levar alimentos e outros tipos de ajuda. Enquanto esperava que os seus documentos fossem verificados, o cardeal recebeu a notícia do bombardeio dum hospital pediátrico em Mariupol. E comentou:

Bombardeio e hospital, estas duas palavras na mesma frase já fazem estremecer. Se você depois lê pediátrico... O cardeal Parolin tem razão, é inaceitável! É preciso deter estes ataques a civis.”.

O trajeto até Beregove – Beregszász para os húngaros – dura menos de 20 minutos. A periferia é semideserta e de longe vê-se uma Dácia, uma das típicas casas de campo russas. “É lá que ficam os refugiados ricos” – dizem. Beregove é o cenário duma luta entre os pobres: refugiados contra outros refugiados, ricos contra menos ricos, valentões que exigem dos mais fracos uma espécie de imposto ou as suas rações de alimento. Alguns ucranianos parecem pedir até 2.000 florins para ajudar os compatriotas a cruzar a fronteira ou para fornecer aos homens um certificado de saúde frágil para contornar a lei marcial que os obriga a permanecer no país. Muitos oferecem-se para transportar os refugiados para Budapeste a preços elevados. Muitos aceitam, desconfiados dos autocarros húngaros que esperam fora da fronteira, especialmente as mulheres que temem ser sequestradas e colocadas nas ruas, receios que não são totalmente infundados. E Czerny disse:

O tráfico de pessoas é um problema real, uma tragédia dentro de uma tragédia que se alimenta de crises humanitárias”.

A poucos metros do centro da cidade, onde a vida parece fluir, o carro com o cardeal para em frente a um colégio interno ainda em construção. Deveria ser um dormitório para estudantes que agora se tornou um abrigo. O nome é longo, mas poderia ter sido chamado “Fratelli tutti(Todos irmãos), pois reúne os esforços de católicos, greco-católicos, católicos-romanos, protestantes e reformados. E o eparca Nil Luschschak, ao fazer sentar à mesa os representantes das diversas confissões, explicitou:

Não há distinção, somos todos agora o Bom Samaritano chamado a ajudar nosso próximo. Entendemos que se não cooperarmos, não podemos dar ajuda real àqueles que sofrem.”.

Cada um contou ao emissário do Papa a experiência de acolher pessoas em fuga, o encontro com o drama de famílias destruídas pela morte ou pela separação dum membro da família ou o pesar de soldados russos que pensavam participar numa rápida operação militare se encontraram no meio duma guerra. Referindo-se às vítimas, o bispo latino Péter Miklós Lucsok disse, quase em sussurro, que “é um genocídio” e desenvolveu:

Para o nosso povo é uma Via-Sacra e muitos estão prontos para ir ao Gólgota. Os ucranianos não estão a fugir, não estão a desistir. Queremos defender os valores da liberdade, da verdade e da dignidade humana.”.

Somos todos pobres diante deste desafio da guerra”, disse o Cardeal Czerny, a quem os presentes pediram que agradeça ao Papa a visita e o “ter feito tocar no Vaticano o sino da pequena Ucrânia”. E Czerny explicou que são dois purpurados a visitar o país: ele e o cardeal Konrad Krajewski, que está atualmente em Lviv. E acrescentou:

É uma resposta dupla, de caridade imediata e de desenvolvimento humano integral a longo prazo. Um compromisso que durará através dos séculos. Seria triste responder à emergência e depois voltar para a vida pobre e desarticulada que tantos vivem e sofrem neste mundo. Depois deste pesadelo não queremos voltar como era antes, mas sair melhores como seres humanos.”.

Czerny reiterou a vontade do Papa de “fazer todo o possível” pela paz e desafiou: “Se vocês têm alguma ideia do que pode ser feito, não hesitem em fazer uma sugestão”. Ao chefe do dicastério vaticano foram apresentados alguns refugiados hospedados no internato. Entre eles estava Glib, de 14 anos, que fugiu de Kiev com a mãe e as irmãs e que disse que só quer “voltar para casa”.

Falam sobre casa centenas de refugiados no centro da Caritas em Barabás, que Czerny visitou antes e depois da sua paragem na Ucrânia. Alguns lamentam as casas devastadas pelos bombardeios em Kiev e outros falam de casa em referência às acomodações que os esperam na Alemanha, Áustria ou nos EUA. Assim, Irina que, tendo fugido de Kiev pela manhã, disse estar irritada com o sistema de transporte lento que a fez perder o avião. Porém, não é fácil administrar o ritmo das chegadas e transferências: foram anunciadas 80 pessoas nas poucas horas em que o cardeal fez um giro pelo prédio, onde foram montadas camas e mesas cheias de comida, colocados jogos e roupas. “Estamos a trabalhar muito pouco, apenas 24 horas por dia...”, ironizou o coordenador da Caritas. O cardeal agradeceu aos refugiados e voluntários pelo trabalho de todos e revelou que o Santo Padre o fizera portador da sua bênção, o que ele fazia de bom grado. Uma mulher, que tinha ficado deitada até ao momento, levantou-se para lhe mostrar no telemóvel a imagem triste duma mulher morta por uma bomba em Irpil, enquanto tentava fugir com os filhos: “É isso que a guerra faz: pessoas inocentes mortas, mulheres violentadas” – disse. Alguns acenam, a maioria continua a fazer o que está a fazer: dormir, fazer as malas, distrair as crianças, ler um conto de fadas ou brincar à construção. Czerny passa entre as camas, dá terços, acaricia as crianças. Numerosos jornalistas locais esperavam por ele fora da estrutura. A eles, na esteira do último Angelus do Papa, expressou sua gratidão:

Continuem o seu serviço e vão com a bênção do Papa. Que a verdade venha à tona, que a verdade seja conhecida.”.

O cardeal retornou ao Centro no final da noite para partilhar uma sanduíche e uma bebida quente com os refugiados. Algumas mulheres aproximaram-se. Uma jovem falou: “levamos seis dias para nos transferir de uma região para outra”. Uma mulher com chapéu de pelo explicou que fugiu de Donesk em 2014 e se refugiou em Karkhiv, devastada pelas bombas. A guerra perseguiu-a e está novamente em fuga. Czerny estava para abençoá-la, mas a sua mão foi intercetada por Inna, poetisa idosa de Kiev, que lhe disse:

Sou judia, tenho cidadania ucraniana e falo russo. O Senhor não quer que concorramos, mas que trabalhemos para o bem.”.

O segundo dia da missão do cardeal teve início com um encontro com o vice-primeiro-ministro húngaro, Zsolt Semjén, que reiterou o apoio do Governo às iniciativas da Igreja em resposta à crise humanitária e afirmou que “a Hungria disse que acolherá os refugiados sem nenhuma restrição”. E Czerny espera que esta atitude acolhedora se torne permanente, não apenas limitada à emergência: “Que estes braços estejam sempre abertos”.

2022.03.10 – Louro de Carvalho

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