O tempo antes do Conselho Europeu de 24 e 25 de março é curto, mas os
decisores políticos de Portugal e Espanha trabalham numa solução para travar os
preços grossistas da eletricidade, através de medida que já não contemplará o
limite estrito de 180 euros por megawatt hora (MWh) para toda a eletricidade vendida no mercado grossista, mas o limite
específico aplicável às centrais de ciclo combinado a gás natural (CCGT no
acrónimo em inglês), sem mexer
estruturalmente no desenho do mercado grossista, nem impedir a livre atuação
dos produtores de eletricidade na colocação de ofertas no mercado diário.
A expectativa é de que a limitação do preço a que as centrais a gás
coloquem as suas ofertas funcione como travão do preço grossista, inibindo outros
produtores de praticar preços mais altos.
Ao colocar um teto à produção das centrais a gás – o valor avançado pelo Ministro
do Ambiente foi de 180 euros por MWh, mas o limite efetivo, ainda em discussão,
pode ser diferente –, as centrais que diretamente concorrem com elas, as
hidroelétricas, não ficam impedidas de cobrar mais caro pela sua energia, mas
correm o risco de ficar fora do mecanismo oferta-procura no mercado diário, se a
oferta das centrais a gás bastar para cobrir a procura em dada hora ou dia.
A medida desenha-se de modo que as elétricas que detêm centrais a gás não
tenham desincentivo à venda da sua energia: embora limitadas para vender a determinado
preço, terão uma garantia de compensação se o limite ficar aquém do preço
normal da venda da energia considerando os valores de mercado do gás natural.
A solução permite aos governos português e espanhol intervir só num tipo de
produção elétrica no mercado ibérico, evitando o risco de litígio com esses
produtores por lhes ser assegurada compensação face aos custos incorridos
sempre que o preço de venda da eletricidade não lhes permita recuperar custos
num contexto de elevados preços de gás no mercado spot (de operações concretizáveis de imediato). E minimiza a intervenção no mercado grossista de
eletricidade, limitando-se a atuar sobre a tecnologia (das
centrais de ciclo combinado) que está
diretamente ligada a outro mercado (do gás natural) que tem operado com custos historicamente altos,
contaminando o preço grossista nos mercados elétricos, embora boa parte da
energia gerada nada tenha a ver com o gás.
No dia 21, o “El Periódico de la
Energia” revelou que o Governo espanhol descarta o limite de 180 € por
MWh no preço grossista da eletricidade. O Ministro do Ambiente português
avançou ao “Expresso”, a 10 de
março, que em cima da mesa estava o limite de 180 euros por MWh para os
produtores de eletricidade, valor coincidente com o teto que vigorou desde a
criação do mercado ibérico de eletricidade, em 2007, e abolido em meados de
2021. E, a 15 de março, Matos Fernandes reiterou, no Parlamento, o limite de
180 euros por MWh para a remuneração das centrais de ciclo combinado, admitindo
uma compensação a estes produtores, mas notando que o benefício estimado para o
sistema elétrico (por via de menores custos grossistas médios) suplantará o encargo com tal compensação.
Neste dia 21, surgiram sinais contraditórios de Espanha: fontes do gabinete
da Ministra da Transição Ecológica indicavam que a medida em que o Executivo
espanhol vinha trabalhando nos últimos dias não passava por colocar o referido
limite de 180 euros por MWh; porém, horas mais tarde, a Ministra dos Assuntos
Económicos assegurava que “o Governo não mudou em absoluto a sua posição”, procurando
formas de travar a escalada do preço da eletricidade. E, neste dia 22, o Primeiro-Ministro
espanhol, Pedro Sánchez, teve uma reunião com os gestores de várias elétricas
espanholas, juntamente com a referida Ministra, a sinalizar a proximidade duma
solução para o mercado ibérico.
O objetivo dos dois países é desacoplar o preço grossista da eletricidade
do preço internacional do gás, o que poderá ser conseguido com uma medida que
ataque cirurgicamente o custo das centrais alimentadas a gás natural, sem mexer
na restante dinâmica do mercado.
O Ministro para os Assuntos Europeus francês lembrou que o Presidente Macron,
há três anos apoiou de novo o processo de desenvolvimento das interconexões,
designadamente entre a França e a Península Ibérica, para o gás e a
eletricidade. Com efeito, a França já “não tem reticências” ao desenvolvimento
das interconexões energéticas com a Península Ibérica, há muito reclamadas por
Portugal e Espanha, como garantiu o Ministro à chegada a um Conselho de
Assuntos Gerais, preparatório do Conselho Europeu que será em boa parte
consagrado à crise energética, à escalada de preços e à necessidade de a Europa
diversificar as suas fontes de aprovisionamento. Assim, a França – que
atualmente preside ao Conselho da União Europeia – reconhece a importância de
desenvolver as interconexões no mercado europeu de energia e está disposta a
acelerar esse processo, sobre o qual admitiu ter havido reservas no passado.
Assumindo que não há um calendário para avançar com as interconexões,
Clément Beaune concordou que é necessário acelerar o processo e antecipou
discussões nas próximas semanas.
No dia 18, após uma reunião em Roma com os homólogos de Itália, Espanha e
Grécia, para concertar posições e propostas relativamente à política
energética, com vista à cimeira desta semana, António Costa afirmara-se
convicto de que a França tem consciência da importância das interconexões com a
Península Ibérica no contexto da diversificação das fontes de energia.
O Primeiro-Ministro considerou que as questões colocadas pelos reguladores
estão ultrapassadas, pois resumiam-se em dizer que, “face à abundância de
fornecimento de gás da Rússia, não havia necessidade de mercado de reforçar
este abastecimento”. E explicitou:
“Sempre achei
que foi um disparate ter limitado essa análise a meras condições de mercado e
desconsiderar o problema geoestratégico que estava subjacente, que é o facto de
a UE não poder estar no grau de dependência energética que está relativamente à
Rússia. Se tivéssemos feito essas interconexões quando elas foram acordadas
hoje, a Europa não estava no problema de dependência em que estava.”.
Todavia, realçou que temos é que aprender com o passado e não perder nem
mais um segundo:
“Eu creio que
neste momento a França também tem consciência disso. Tem consciência de que a
energia que podemos fornecer é complementar da energia que a França também
produz e que também quer naturalmente vender para o mercado europeu; e,
portanto, creio que estão criadas as condições.”.
Costa voltou a lembrar “a comunicação que a Comissão Europeia publicou há duas
semanas”, que “é inequívoca; e um dos exemplos que dá, além da ligação entre a
Grécia e a Bulgária, é a ligação entre Portugal e Espanha, e Espanha e a
França, essa é muito clara”. E concluiu:
“Dos contactos
que tenho tido com a Comissão Europeia, não tenho a menor das dúvidas de que
esta interconexão é absolutamente prioritária. E, se não for pela França, como
é o caminho normal, há caminhos alternativos, mais caros, mais difíceis, mas
que não deixarão de ser executados.”.
***
Mas sem só na eletricidade está o
problema. Uma decisão de curto prazo “passa por uma intervenção urgente no
preço da energia, designadamente com a redução do IVA sobre todos os produtos
energéticos”.
O Primeiro-Ministro afirmou, neste
dia 22, que Portugal defende a rápida fixação de teto máximo para o preço do
gás e a abertura da Comissão Europeia a ajudas de Estado para as empresas mais
expostas à atual crise energética.
Perante a Comissão Permanente da
Assembleia da República, Costa disse que se baterá por aquelas duas propostas
na reunião do próximo Conselho Europeu, adiantando que Portugal apoia que se
avance na UE para compras conjuntas de energia e de produtos do agroalimentar
mais afetados pela crise provocada pela intervenção militar russa na Ucrânia. E
sustentou:
“Esta
crise evidenciou bem duas coisas: a urgência de acelerar a transição energética
para que a Europa seja dependente de si própria e das energias renováveis que
pode produzir no território europeu; e [o modo] como a segurança energética da
Europa exige a diversificação das fontes energéticas, mas também das rotas de
abastecimento da energia”.
Neste último ponto, Costa salientou
que a Comissão Europeia já reconheceu a urgência da existência duma
interconexão em matéria de gás entre a Península Ibérica e a França; e a
própria França já fez uma declaração inequívoca de que não levanta qualquer
objeção a essa interconexão.
Uma decisão de curto prazo, segundo o
Primeiro-Ministro, “passa por uma
intervenção urgente no preço da energia, designadamente com a redução do IVA
sobre todos os produtos energéticos”, mas também urge “uma
intervenção na formação de preços no mercado”.
Costa disse que “há uma proposta que
Portugal e Espanha trabalharam – a qual a Espanha continua a apoiar, assim como
a Itália e Grécia, entre outros – visando a fixação de um teto máximo para o
preço de referência do gás”. E defendeu:
“Por
essa via, poderemos evitar a contaminação do preço da eletricidade pelo
crescimento não controlado do preço do gás. É uma solução bem equilibrada que
pode resolver o problema”.
Ainda a nível económico, o líder do
executivo observou que há um problema na oferta, sendo essencial uma medida de
estabilização que permita “intervir no financiamento e nos auxílios de Estado
às empresas intensivas em energia”, para que não parem a sua atividade. E assinalou
que, “tal como fizemos nas vacinas contra a covid-19, temos de pensar em
mecanismos de compra conjunta para assegurar a estabilidade do acesso a
produtos essenciais” e para “minorar o impacto do preço”, não só da energia,
mas também nos “componentes fundamentais no agroalimentar, como fertilizantes”.
No Parlamento, Costa defendeu a abordagem da NATO na
guerra da Ucrânia, em resposta à acusação de PCP e Verdes, dizendo que “não
vamos participar na guerra, mas vamos participar na defesa da ameaça contra a
guerra”. E deu números: até ao dia 21, Portugal já tinha acolhido 17.504
refugiados ucranianos, dos quais 6200 menores.
Falou
de sanções, medidas económicas, medidas fiscais, mas foi quando se referiu a
países e pessoas que foi mais aplaudido. Na última intervenção do debate de
preparação do Conselho Europeu dos próximos dias 24 e 25, Costa colheu aplausos
de vários deputados quando se dirigiu a Ventura, do Chega, e a Paula Santos e
Marina Silva, do PCP e dos Verdes, respetivamente.
Minutos antes, André Ventura dissera
que “não, estes refugiados [ucranianos] não são
iguais a outros, que vêm de Marrocos, onde não há guerra nenhuma”, que “vêm do
Afeganistão colocar as nossas mulheres de burka” ou que “vêm sacar subsídios”. Mas
Costa retorquiu que, desta vez, não partilha do otimismo dos que veem um novo
consenso na Europa sobre o acolhimento de refugiados. Apesar de nem todos o
dizerem como o deputado André, com o maior dos desplantes, há
outros que não dizem, mas “pensam” o mesmo. A dignidade é para todos,
“independentemente da origem”, afirmou, entre palmas. E, depois de notar que o
encontro em Bruxelas vai ser “bastante diversificado e intenso”, o Chefe do
Governo centrou-se na resposta que será dada à crise desencadeada pela guerra
na Ucrânia. E dividiu-a em quatro pontos essenciais.
O
primeiro é reafirmar a “condenação absoluta
da guerra ilegítima que a Rússia desencadeou”. E isso pode ter
efeitos práticos, seja no “reforço das sanções” ao regime de Putin, seja nas
“medidas de apoio à Ucrânia”, com material humanitário ou outro.
A
propósito da questão humanitária, o chefe do Governo adiantou os números mais
recentes: Portugal recebeu, até esta segunda-feira, 17.504 refugiados, 6200 dos
quais menores de idade. E mostrou-se surpreendido pelo facto de
600 desses menores já estarem inscritos na escola, o que significa uma rápida
tentativa de integração.
O segundo ponto tem a ver com o
reforço da “Europa da defesa”, pedindo um instrumento claro de complementaridade entre a NATO e a UE.
É nesse contexto que serão discutidas no Conselho Europeu “as políticas de
segurança e defesa da União”. E daí, Costa partiu para o incontornável tema do
aumento dos preços.
Para o Primeiro-Ministro, “esta crise evidenciou a urgência de acelerar a transição energética”,
para que a Europa seja cada vez mais “dependente de si própria” em matéria
energética, e não de importações. Por isso, os países europeus devem fazer um
trabalho de médio prazo – reduzir a dependência e diversificar as fontes
energéticas e as rotas de abastecimento – e outro de curto prazo: perante a escalada dos preços da energia, baixá-los. E apontou
que “há uma medida transversal, que é a redução do IVA sobre todos os produtos
energéticos”, o que, no caso português, “já foi formalmente feito à União
Europeia”. E, ainda nas medidas de curto prazo, “é necessária uma intervenção
na formação do preço de mercado”. O objetivo, segundo Costa, passa não por
fixar um preço de mercado, que podia pôr em risco o abastecimento de gás, mas “fixar um teto máximo para o preço de referência do gás, de forma que
possamos evitar contaminação do preço da eletricidade pelo crescimento não
controlado do preço do gás”.
Sem
surpresa, nas perguntas dos deputados que se seguiram à primeira intervenção, o
tema dos preços dos combustíveis, do gás, da eletricidade, voltaram à baila.
Sobre os combustíveis, Costa recusou que o Governo “tenha estado parado”, como
acusaram alguns deputados, à espera da autorização formal da UE para poder
reduzir o IVA. “Congelou o aumento da taxa de carbono”, “introduziu a devolução
em ISP do aumento da receita que o Estado está a obter por via do IVA”, como exemplificou.
E depois prometeu mais: a descida do
IVA dos combustíveis. Mas alertou:
“Como os senhores deputados
deveriam saber, não nos basta a autorização da Comissão Europeia: é preciso uma
Assembleia da República que esteja em pleno funcionamento, visto que [esta
descida] é competência da AR”.
Para a próxima semana, já com o novo
Parlamento em funções e com uma previsível resposta europeia, a descida pode
avançar. Para Costa, aliás, mais do que o ISP, é o IVA que “produz efeito” e é
“a chave” para esta crise de preços – uma descida que deve ser “temporária”,
como fez questão de avisar o Primeiro-Ministro: não deve haver dúvida de que não
há margem para inverter a política energética”, acelerar o
investimento nas energias renováveis, em detrimento das fósseis.
***
Enfim,
precisa-se, como de pão para a boca, de intervenção estatal na composição dos preços
nos produtos agrícolas e alimentares de primeira necessidade e nos produtos
energéticos, bem como a descida do IVA nos produtos energéticos – não só para
as empresas, mas também para os cidadãos e para as famílias.
E,
estando em rampa a inflação, a subida dos preços e a subida dos juros, porque
não promover um aumento extraordinário de salários e pensões? Será que a crise
da guerra com todas as suas consequências se vai abater sobre os pobres e a
classe média baixa e média, enquanto engrossa a carteira dos mais ricos? O enriquecimento
obsceno de tão poucos na pandemia não serve de lição?
2022.03.22 – Louro de Carvalho
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