terça-feira, 22 de março de 2022

Estado deve intervir nos preços e, nos produtos energéticos, descer IVA

 

O tempo antes do Conselho Europeu de 24 e 25 de março é curto, mas os decisores políticos de Portugal e Espanha trabalham numa solução para travar os preços grossistas da eletricidade, através de medida que já não contemplará o limite estrito de 180 euros por megawatt hora (MWh) para toda a eletricidade vendida no mercado grossista, mas o limite específico aplicável às centrais de ciclo combinado a gás natural (CCGT no acrónimo em inglês), sem mexer estruturalmente no desenho do mercado grossista, nem impedir a livre atuação dos produtores de eletricidade na colocação de ofertas no mercado diário.

A expectativa é de que a limitação do preço a que as centrais a gás coloquem as suas ofertas funcione como travão do preço grossista, inibindo outros produtores de praticar preços mais altos.

Ao colocar um teto à produção das centrais a gás – o valor avançado pelo Ministro do Ambiente foi de 180 euros por MWh, mas o limite efetivo, ainda em discussão, pode ser diferente –, as centrais que diretamente concorrem com elas, as hidroelétricas, não ficam impedidas de cobrar mais caro pela sua energia, mas correm o risco de ficar fora do mecanismo oferta-procura no mercado diário, se a oferta das centrais a gás bastar para cobrir a procura em dada hora ou dia.

A medida desenha-se de modo que as elétricas que detêm centrais a gás não tenham desincentivo à venda da sua energia: embora limitadas para vender a determinado preço, terão uma garantia de compensação se o limite ficar aquém do preço normal da venda da energia considerando os valores de mercado do gás natural.

A solução permite aos governos português e espanhol intervir só num tipo de produção elétrica no mercado ibérico, evitando o risco de litígio com esses produtores por lhes ser assegurada compensação face aos custos incorridos sempre que o preço de venda da eletricidade não lhes permita recuperar custos num contexto de elevados preços de gás no mercado spot (de operações concretizáveis de imediato). E minimiza a intervenção no mercado grossista de eletricidade, limitando-se a atuar sobre a tecnologia (das centrais de ciclo combinado) que está diretamente ligada a outro mercado (do gás natural) que tem operado com custos historicamente altos, contaminando o preço grossista nos mercados elétricos, embora boa parte da energia gerada nada tenha a ver com o gás.

No dia 21, o “El Periódico de la Energia” revelou que o Governo espanhol descarta o limite de 180 € por MWh no preço grossista da eletricidade. O Ministro do Ambiente português avançou ao “Expresso”, a 10 de março,  que em cima da mesa estava o limite de 180 euros por MWh para os produtores de eletricidade, valor coincidente com o teto que vigorou desde a criação do mercado ibérico de eletricidade, em 2007, e abolido em meados de 2021. E, a 15 de março, Matos Fernandes reiterou, no Parlamento, o limite de 180 euros por MWh para a remuneração das centrais de ciclo combinado, admitindo uma compensação a estes produtores, mas notando que o benefício estimado para o sistema elétrico (por via de menores custos grossistas médios) suplantará o encargo com tal compensação.

Neste dia 21, surgiram sinais contraditórios de Espanha: fontes do gabinete da Ministra da Transição Ecológica indicavam que a medida em que o Executivo espanhol vinha trabalhando nos últimos dias não passava por colocar o referido limite de 180 euros por MWh; porém, horas mais tarde, a Ministra dos Assuntos Económicos assegurava que “o Governo não mudou em absoluto a sua posição”, procurando formas de travar a escalada do preço da eletricidade. E, neste dia 22, o Primeiro-Ministro espanhol, Pedro Sánchez, teve uma reunião com os gestores de várias elétricas espanholas, juntamente com a referida Ministra, a sinalizar a proximidade duma solução para o mercado ibérico.

O objetivo dos dois países é desacoplar o preço grossista da eletricidade do preço internacional do gás, o que poderá ser conseguido com uma medida que ataque cirurgicamente o custo das centrais alimentadas a gás natural, sem mexer na restante dinâmica do mercado.

O Ministro para os Assuntos Europeus francês lembrou que o Presidente Macron, há três anos apoiou de novo o processo de desenvolvimento das interconexões, designadamente entre a França e a Península Ibérica, para o gás e a eletricidade. Com efeito, a França já “não tem reticências” ao desenvolvimento das interconexões energéticas com a Península Ibérica, há muito reclamadas por Portugal e Espanha, como garantiu o Ministro à chegada a um Conselho de Assuntos Gerais, preparatório do Conselho Europeu que será em boa parte consagrado à crise energética, à escalada de preços e à necessidade de a Europa diversificar as suas fontes de aprovisionamento. Assim, a França – que atualmente preside ao Conselho da União Europeia – reconhece a importância de desenvolver as interconexões no mercado europeu de energia e está disposta a acelerar esse processo, sobre o qual admitiu ter havido reservas no passado.

Assumindo que não há um calendário para avançar com as interconexões, Clément Beaune concordou que é necessário acelerar o processo e antecipou discussões nas próximas semanas.

No dia 18, após uma reunião em Roma com os homólogos de Itália, Espanha e Grécia, para concertar posições e propostas relativamente à política energética, com vista à cimeira desta semana, António Costa afirmara-se convicto de que a França tem consciência da importância das interconexões com a Península Ibérica no contexto da diversificação das fontes de energia.

O Primeiro-Ministro considerou que as questões colocadas pelos reguladores estão ultrapassadas, pois resumiam-se em dizer que, “face à abundância de fornecimento de gás da Rússia, não havia necessidade de mercado de reforçar este abastecimento”. E explicitou:

Sempre achei que foi um disparate ter limitado essa análise a meras condições de mercado e desconsiderar o problema geoestratégico que estava subjacente, que é o facto de a UE não poder estar no grau de dependência energética que está relativamente à Rússia. Se tivéssemos feito essas interconexões quando elas foram acordadas hoje, a Europa não estava no problema de dependência em que estava..

Todavia, realçou que temos é que aprender com o passado e não perder nem mais um segundo:

Eu creio que neste momento a França também tem consciência disso. Tem consciência de que a energia que podemos fornecer é complementar da energia que a França também produz e que também quer naturalmente vender para o mercado europeu; e, portanto, creio que estão criadas as condições.”.

Costa voltou a lembrar “a comunicação que a Comissão Europeia publicou há duas semanas”, que “é inequívoca; e um dos exemplos que dá, além da ligação entre a Grécia e a Bulgária, é a ligação entre Portugal e Espanha, e Espanha e a França, essa é muito clara”. E concluiu:

Dos contactos que tenho tido com a Comissão Europeia, não tenho a menor das dúvidas de que esta interconexão é absolutamente prioritária. E, se não for pela França, como é o caminho normal, há caminhos alternativos, mais caros, mais difíceis, mas que não deixarão de ser executados.”.

***

Mas sem só na eletricidade está o problema. Uma decisão de curto prazo “passa por uma intervenção urgente no preço da energia, designadamente com a redução do IVA sobre todos os produtos energéticos”.

O Primeiro-Ministro afirmou, neste dia 22, que Portugal defende a rápida fixação de teto máximo para o preço do gás e a abertura da Comissão Europeia a ajudas de Estado para as empresas mais expostas à atual crise energética.

Perante a Comissão Permanente da Assembleia da República, Costa disse que se baterá por aquelas duas propostas na reunião do próximo Conselho Europeu, adiantando que Portugal apoia que se avance na UE para compras conjuntas de energia e de produtos do agroalimentar mais afetados pela crise provocada pela intervenção militar russa na Ucrânia. E sustentou:

Esta crise evidenciou bem duas coisas: a urgência de acelerar a transição energética para que a Europa seja dependente de si própria e das energias renováveis que pode produzir no território europeu; e [o modo] como a segurança energética da Europa exige a diversificação das fontes energéticas, mas também das rotas de abastecimento da energia”.

Neste último ponto, Costa salientou que a Comissão Europeia já reconheceu a urgência da existência duma interconexão em matéria de gás entre a Península Ibérica e a França; e a própria França já fez uma declaração inequívoca de que não levanta qualquer objeção a essa interconexão.

Uma decisão de curto prazo, segundo o Primeiro-Ministro, “passa por uma intervenção urgente no preço da energia, designadamente com a redução do IVA sobre todos os produtos energéticos”, mas também urge “uma intervenção na formação de preços no mercado”.

Costa disse que “há uma proposta que Portugal e Espanha trabalharam – a qual a Espanha continua a apoiar, assim como a Itália e Grécia, entre outros – visando a fixação de um teto máximo para o preço de referência do gás”. E defendeu:

Por essa via, poderemos evitar a contaminação do preço da eletricidade pelo crescimento não controlado do preço do gás. É uma solução bem equilibrada que pode resolver o problema”.

Ainda a nível económico, o líder do executivo observou que há um problema na oferta, sendo essencial uma medida de estabilização que permita “intervir no financiamento e nos auxílios de Estado às empresas intensivas em energia”, para que não parem a sua atividade. E assinalou que, “tal como fizemos nas vacinas contra a covid-19, temos de pensar em mecanismos de compra conjunta para assegurar a estabilidade do acesso a produtos essenciais” e para “minorar o impacto do preço”, não só da energia, mas também nos “componentes fundamentais no agroalimentar, como fertilizantes”.

No Parlamento, Costa defendeu a abordagem da NATO na guerra da Ucrânia, em resposta à acusação de PCP e Verdes, dizendo que “não vamos participar na guerra, mas vamos participar na defesa da ameaça contra a guerra”. E deu números: até ao dia 21, Portugal já tinha acolhido 17.504 refugiados ucranianos, dos quais 6200 menores.

Falou de sanções, medidas económicas, medidas fiscais, mas foi quando se referiu a países e pessoas que foi mais aplaudido. Na última intervenção do debate de preparação do Conselho Europeu dos próximos dias 24 e 25, Costa colheu aplausos de vários deputados quando se dirigiu a Ventura, do Chega, e a Paula Santos e Marina Silva, do PCP e dos Verdes, respetivamente.

Minutos antes, André Ventura dissera que “não, estes refugiados [ucranianos] não são iguais a outros, que vêm de Marrocos, onde não há guerra nenhuma”, que “vêm do Afeganistão colocar as nossas mulheres de burka” ou que “vêm sacar subsídios”. Mas Costa retorquiu que, desta vez, não partilha do otimismo dos que veem um novo consenso na Europa sobre o acolhimento de refugiados. Apesar de nem todos o dizerem como o deputado André, com o maior dos desplantes, há outros que não dizem, mas “pensam” o mesmo. A dignidade é para todos, “independentemente da origem”, afirmou, entre palmas. E, depois de notar que o encontro em Bruxelas vai ser “bastante diversificado e intenso”, o Chefe do Governo centrou-se na resposta que será dada à crise desencadeada pela guerra na Ucrânia. E dividiu-a em quatro pontos essenciais.

O primeiro é reafirmar a “condenação absoluta da guerra ilegítima que a Rússia desencadeou”. E isso pode ter efeitos práticos, seja no “reforço das sanções” ao regime de Putin, seja nas “medidas de apoio à Ucrânia”, com material humanitário ou outro.

A propósito da questão humanitária, o chefe do Governo adiantou os números mais recentes: Portugal recebeu, até esta segunda-feira, 17.504 refugiados, 6200 dos quais menores de idade. E mostrou-se surpreendido pelo facto de 600 desses menores já estarem inscritos na escola, o que significa uma rápida tentativa de integração.

O segundo ponto tem a ver com o reforço da “Europa da defesa”, pedindo um instrumento claro de complementaridade entre a NATO e a UE. É nesse contexto que serão discutidas no Conselho Europeu “as políticas de segurança e defesa da União”. E daí, Costa partiu para o incontornável tema do aumento dos preços.

Para o Primeiro-Ministro, “esta crise evidenciou a urgência de acelerar a transição energética”, para que a Europa seja cada vez mais “dependente de si própria” em matéria energética, e não de importações. Por isso, os países europeus devem fazer um trabalho de médio prazo – reduzir a dependência e diversificar as fontes energéticas e as rotas de abastecimento – e outro de curto prazo: perante a escalada dos preços da energia, baixá-los. E apontou que “há uma medida transversal, que é a redução do IVA sobre todos os produtos energéticos”, o que, no caso português, “já foi formalmente feito à União Europeia”. E, ainda nas medidas de curto prazo, “é necessária uma intervenção na formação do preço de mercado”. O objetivo, segundo Costa, passa não por fixar um preço de mercado, que podia pôr em risco o abastecimento de gás, mas “fixar um teto máximo para o preço de referência do gás, de forma que possamos evitar contaminação do preço da eletricidade pelo crescimento não controlado do preço do gás”.

Sem surpresa, nas perguntas dos deputados que se seguiram à primeira intervenção, o tema dos preços dos combustíveis, do gás, da eletricidade, voltaram à baila. Sobre os combustíveis, Costa recusou que o Governo “tenha estado parado”, como acusaram alguns deputados, à espera da autorização formal da UE para poder reduzir o IVA. “Congelou o aumento da taxa de carbono”, “introduziu a devolução em ISP do aumento da receita que o Estado está a obter por via do IVA”, como exemplificou. E depois prometeu mais: a descida do IVA dos combustíveis. Mas alertou:

Como os senhores deputados deveriam saber, não nos basta a autorização da Comissão Europeia: é preciso uma Assembleia da República que esteja em pleno funcionamento, visto que [esta descida] é competência da AR”.

Para a próxima semana, já com o novo Parlamento em funções e com uma previsível resposta europeia, a descida pode avançar. Para Costa, aliás, mais do que o ISP, é o IVA que “produz efeito” e é “a chave” para esta crise de preços – uma descida que deve ser “temporária”, como fez questão de avisar o Primeiro-Ministro: não deve haver dúvida de que não há margem para inverter a política energética”, acelerar o investimento nas energias renováveis, em detrimento das fósseis.

***

Enfim, precisa-se, como de pão para a boca, de intervenção estatal na composição dos preços nos produtos agrícolas e alimentares de primeira necessidade e nos produtos energéticos, bem como a descida do IVA nos produtos energéticos – não só para as empresas, mas também para os cidadãos e para as famílias.

E, estando em rampa a inflação, a subida dos preços e a subida dos juros, porque não promover um aumento extraordinário de salários e pensões? Será que a crise da guerra com todas as suas consequências se vai abater sobre os pobres e a classe média baixa e média, enquanto engrossa a carteira dos mais ricos? O enriquecimento obsceno de tão poucos na pandemia não serve de lição?

2022.03.22 – Louro de Carvalho

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