quarta-feira, 2 de março de 2022

Escalada da violência na Ucrânia faz subir preços do petróleo e outros

Face à escalada de violência na Ucrânia, os preços do petróleo continuam em subida nos mercados internacionais, tendo o barril de Brent chegado a perto do 112 dólares e a Galp subido 6%.

É a incerteza instalada na Europa pela invasão russa da Ucrânia – acompanhada das fortes sanções do mundo à Rússia – que puxa pelas cotações do Brent e do WTI a tocar em máximos de 7 anos.

O Brent sobe 5,87%, para 111,13 dólares, enquanto o WTI sobe 6,28%, para 109,90 dólares.

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As referências Brent e WTI têm a ver com a existência de vários tipos de petróleo: dos mais leves, como o da Arábia Saudita, fáceis de refinar, aos mais pesados, barrentos, como o da Venezuela, que exigem refinamento mais custoso para se transformarem em combustível. Os mais leves tendem a ser mais baratos, enquanto os mais pesados são necessariamente mais caros.

Cada ponto do planeta gera petróleos com caraterísticas específicas. E cada um deles tem uma designação própria. Nos EUA, por exemplo, há o West Texas Intermediate (WTI), o Louisiana Light, o Gulf Cost; no Oriente Médio, há o Iran Heavy, o Kwait Export Blend; e, no Brasil, há o Marlin, o Lula (que vem do campo homónimo, anteriormente conhecido como Tupi)

Por simplificação, instituíram-se dois tipos como referência: o WTI, produzido no West Texas – principal região petrolífera dos EUA e negociado no mercado de Nova Iorque; e o do tipo Brent, também leve, produzido no Mar do Norte, na Europa, e negociado em Londres.

Porém, a grande referência é o Brent, mesmo para OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).

Em Londres, o contrato de Brent para entrega em maio chegou a negociar a 111,99 dólares na sessão deste dia 2 de março. Entretanto, o preço aliviou com os futuros a subirem agora 5,15%, para 110,38 dólares o barril.

Do outro lado do Atlântico, os futuros do light sweet para entrega em abril avançam 5,12%, para 108,63 dólares. Mas chegaram a transacionar a 111,47 dólares o barril neste 2 de março.

Esta guerra num importante flanco da Europa tem gerado constrangimentos severos no setor energético, alimentando a subida vertiginosa dos preços do crude nos últimos dias. Assim, no domingo, 27 de fevereiro, EUA e aliados acordaram em libertar 60 milhões de barris de petróleo de reservas estratégicas, na expectativa de pressionar os preços.

A subida do petróleo está a ter respaldo no desempenho da bolsa nacional. A Galp Energia valoriza 5,43%, para 10,78 euros por ação, segurando o PSI-20 em terreno positivo.

Entretanto, decidiu suspender a aquisição de produtos petrolíferos oriundos da Rússia. De facto, em comunicado, informou que, apesar de não participar em joint ventures com quaisquer entidades russas, “está em vias de eliminar a exposição direta ou indireta a produtos petrolíferos provenientes, quer da Rússia, quer de empresas russas, em contratos existentes”. Na verdade, como explica, “este terrível ato de agressão da Rússia contra a Ucrânia viola em absoluto os valores que a Galp defende, como a liberdade e os direitos humanos”, pelo que, num contexto tão complexo e terrível, a nossa decisão é simples: a Galp não vai contribuir para financiar a guerra”. E, “embora esta medida possa ter impacto na refinaria de Sines e na sua contribuição financeira, a Galp continuará a assegurar o fornecimento de gás e de combustíveis ao mercado português”.

No plano internacional, este dia é marcado pelo anúncio da petrolífera Eni de que vai vender a sua posição no gasoduto que liga Rússia e Turquia e pela decisão da Exxon Mobil de desinvestir na Rússia, face à guerra promovida pelo Kremlin na Europa.

Por seu turno, os preços do gás natural sobem nos mercados internacionais à medida que se intensificam os ataques russos na Ucrânia e em linha com a escalada dos preços do petróleo e de outros produtos que vêm escasseando nos mercados. Assim, na Europa, o gás natural está em forte alta e os futuros de referência Dutch TTF Gas para entrega em abril chegaram mesmo a disparar 55%, para um recorde de 194 euros por MWh.

Para lá da incerteza que os sucessivos ataques da Rússia na Ucrânia, que vão já no sétimo dia, as dezenas de novas sanções que continuam a ser impostas à Rússia, a proibição de navios russos nos portos do Reino Unido e a nova lei alemã que prevê quantidades mínimas de armazenamento de gás natural contribuem para esta escalada dos preços dos gás.

Trata-se de cenário que deverá agravar-se. De facto, como sublinha a Reuters, a imprevisibilidade da situação geopolítica e o risco de agravamento da guerra e ainda mais sanções forçam uma subida ainda maior dos preços. Além disso, os investidores temem que a Rússia use o gás natural como arma de pressão, pois é o principal fornecedor de gás aos europeus.

Neste dia 2 de março, o Dutch TTF Gas Apr ’22 tocou o valor mais alto de sempre, superando o pico de 180 euros por MWh registado em dezembro. Negociava até agora a cerca de 154 euros por MWh, um avanço de quase 30%.

Desde que a Rússia atacou militarmente a Ucrânia o preço do gás natural tem subido de forma acentuada. Nesse dia, o 24 de fevereiro, o gás natural registou um aumento de 30%.

Analistas da S&P Global Platts afirmaram que o efeito da “interrupção física” do gás russo que flui da Rússia para a Europa através da Ucrânia seria “extremo” e, possivelmente, semelhante ao pico observado em dezembro de 2021. E isso aconteceu.

Segundo Norbert Rücker, da Julius Baer, citada pelo “Finantial Times”, “os preços do petróleo e do gás natural tornaram-se o barómetro do medo da crise” e qualquer interrupção dos fluxos entre a Rússia e a Europa por danos ou sanções, aumentaria drasticamente a escassez de oferta já presente”. Com efeito, os preços do gás natural já vinham a subir antes da guerra por vários fatores. A menor geração eólica, a seca severa que se vive em Portugal e a menor produção hídrica (derivada da decisão do Governo de suspender a geração em várias barragens) são alguns dos elementos que têm levado à subida das importações de gás natural, usado pelas centrais de ciclo combinado.

Por isso, no dia 27 de fevereiro, o Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, anunciou que está em avaliação a criação duma linha de crédito para os setores mais afetados pela subida dos preços do gás, nomeadamente vidro, cerâmica e têxtil, bem como outros dois que o Governo ainda está a identificar. Em Portugal, ao invés de outros países europeus, o gás natural não é muito usado para o aquecimento pelos portugueses, sendo sobretudo usado na indústria e na produção de eletricidade.

Jornal de Negócios acaba de noticiar que Sines pode ter novo terminal para levar à Europa GNL (gás natural liquefeito) norte-americano e africano. O presidente da Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS) assegurou haver capacidade para construir um novo terminal de gás natural liquefeito e aumentar “a capacidade de armazenamento. São declarações que surgem depois de Marques Mendes ter afirmado na SIC que Bruxelas se prepara para “incentivar as interconexões entre a Península Ibérica e França para levar gás até à Europa Central”.

Já o Secretário de Estado da Energia tinha defendido que para ultrapassar a forte dependência face ao gás russo (40%), a Europa tem de repensar a sua estratégia e aproximar-se do perfil da Península Ibérica: diversificar fornecedores e apostar mais no GNL, transportado por navios metaneiros, pois os EUA reforçaram a sua capacidade de exortação por essa via para a Europa.

Uma das portas de entrada do gás americano na Europa, dizia João Galamba, pode ser o Porto de Sines. No entanto, há a limitação da interligação ente Espanha e França. O gasoduto nos Pirenéus tem pouca capacidade. Assim, o papel dos portos da Península Ibérica tem de ser repensado, sendo a melhor defesa contra a dependência do gás natural investir mais nas renováveis.

Um estudo do think tank belga Bruegel reconhece que “a Península Ibérica é um hub para terminais de importação de Gás Natural Liquefeito” (gás natural em estado líquido que foi arrefecido para facilitar a segurança de armazenamento e transporte em navios) proveniente, por exemplo, dos EUA. Por outro lado, a Península Ibérica pode importar 40 terawatts-hora (TWh) por mês, mas só pode consumir 30 TWh. O desafio é transportar o excesso de gás para o resto da Europa, já que os gasodutos existentes permitem uma transferência máxima de 5 TWh por mês.

Além disso, o sistema de gasodutos da Europa central e do leste foi concebido para levar as importações do leste aos consumidores finais. Apesar do investimento em capacidade de fluxo reverso e da construção de novos gasodutos, se muito gás viesse do oeste da Europa, os gargalos dos gasodutos poderiam impedir entregas suficientes para a Europa central e oriental.

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E nem só de petróleo e de gás natural se fala em subida de preço e quebra de abastecimento. A invasão russa da Ucrânia e a torrente de sanções internacionais a cair sobre a Rússia deixam em risco o abastecimento de diversos minérios e matérias-primas. Elementos, como o níquel e o alumínio, estão em máximos históricos. Além do petróleo e do gás natural, a Rússia tem papel relevante na exportação doutros ativos. Face às sanções económicas em vigor e à eventualidade duma 3.ª ronda de sanções contra Moscovo, diversos ativos começaram a subir de preço.

Assim, a Rússia é o maior exportador de paládio a nível mundial (Nornickel, empresa de mineração russa, é a maior produtora mundial de paládio), com a participação de 45,6% no mercado global. Usado na indústria automóvel e joalharia, desvalorizou, a 25 de fevereiro, cerca de 6,7% no mercado de futuros, para os 2.336,02 dólares a onça, mas valorizou 23% desde o início de janeiro.

A Nornickel é também uma das principais produtoras de platina, tendo produzido cerca de 641.000 onças em 2021. Desde inícios de janeiro o metal valorizou 8,6%, passando dos 970 dólares por onça, para os 1054 dólares.

O ouro russo provém maioritariamente de empresas como a Polyus e a Polymetal, sendo a Rússia o terceiro maior exportador a nível mundial, logo a seguir à Austrália e China. Segundo o World Gold Council, chegou às 3.500 toneladas em 2021. Desde janeiro que este ativo de refúgio tem valorizado, com uma subida acentuada a partir do dia 28 desse mês. Enquanto estava nos 1.830 dólares a onça no início do ano, agora está nos 1.886 dólares (subida de 3%).

Apesar do barril de petróleo se encontrar em subida à boleia da transição energética, a subida é agravada com o confronto na Ucrânia. Desde o início do ano que o barril de Brent valorizou cerca de 18%, passando dos 79 dólares para os 93,5.

Após a interrupção da certificação do gasoduto Nord Stream 2 pela Alemanha e a invasão russa, o mercado de gás natural começou a subir vertiginosamente. A Rússia exporta cerca de 6,2% do gás natural a nível mundial, contudo, segundo a Reuters fornece cerca de 40% do gás natural europeu. Apesar de o gás natural desvalorizar cerca de 3,5% no dia 25, desde o início do ano que aumentou cerca de 17,7% no mercado de futuro. E, como se disse, está em acentuada subida.

O níquel russo provém maioritariamente da Nornickel, tendo a empresa produzido cerca de 193.006 toneladas do componente em 2021. Usado na produção de aço inoxidável está nos 24.680,50 dólares, quando em janeiro estava nos 21 mil dólares (valorização de 17%).

As exportações de trigo pela Rússia e Ucrânia correspondem ao valor combinado de 29% das exportações globais. A cotação do trigo no mercado de futuros de Londres nas 219,70 libras por tonelada em inícios de janeiro está agora nas 243,75 libras (sobe cerca de 11% e tende a continuar).

A Rusal é a maior produtora de alumínio na Rússia e o preço disparou para o valor mais alto da última década. A tonelada esteve, a 25 de fevereiro, nos 3.406 dólares, um aumento de 0,34% desde a última sessão, mas de cerca de 20% desde os 2.834 dólares registados no início do ano.

A Rússia exporta cerca de 3,5% de todo o carvão mundial e, embora a transição energética planeie eliminar progressivamente o seu uso, o carvão valorizou cerca de 51,5% desde o início do ano no mercado de futuros, passando dos 157 dólares para os 239 dólares no Newcastle Coal Futures.

O cobre refinado correspondeu a cerca de 920.000 toneladas em 2021 segundo o USGS (United States Geological Survey), tendo 406.841 toneladas vindo da Nornickel. As empresas de mineração UMMC e RCC são as maiores produtoras russas de cobre a seguir à Norcnickel, exportando sobretudo para a Europa e Ásia. Desde o início do ano o preço oscila com algumas subidas e descidas acentuadas, mas o valor desde então subiu cerca de 0,46% para os 4,48 dólares.

As exportações russas de prata equivalem a cerca de 2,6% da produção mundial, tendo este metal desvalorizado cerca de 2,32%, face aos valores registados no dia 24, com o início da invasão. Apesar da descida e à semelhança dos restantes ativos, a onça de prata chegou aos 24,115 dólares, um aumento de 3,47% desde inícios de janeiro, altura em que rondava os 23,3 dólares.

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Não sei se as sanções à Rússia fazem travar a ambição de Moscovo ou se não desencadeia uma onda de carências a nível mundial, sobretudo com prejuízo para os mais pobres – cidadãos e países. E não sei se a situação, que alguns consideram explosiva, não alastrará pelo mundo. Se o Ocidente mantiver o medo duma guerra nuclear e Moscovo o reganhar, poderemos ter alguma paz, mas o mundo não será mais como era. Resta-nos a esperança ativa.

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