sábado, 12 de março de 2022

Economia e Finanças têm discurso complementar

 

 

Em tempo de guerra no Leste europeu é natural que a Europa e, embora em menor escala, Portugal tenham dificuldades de abastecimento, nomeadamente em bens do setor energético e do setor alimentar. Efetivamente, quando o Ocidente impôs sanções económicas e financeiras à Rússia de Vladímir Putin, pareceu ter esquecido a interdependência a que a globalização votou o mundo, como parece ter esquecido que a Rússia poderia fazer algo semelhante em matérias que os ocidentais pretenderiam manter em circulação a partir de lá.

É certo que Portugal em termos do gás natural, do petróleo e da eletricidade não depende muito da Rússia. Assim é que a GALP decidiu prescindir dos produtos russos. Porém, a dependência portuguesa da Rússia é grande em cereal, nomeadamente em trigo, como o é da Ucrânia. E, no setor energético, a dependência da Europa é significativa. Depois, é de ter em conta que uma Ucrânia em guerra não pode produzir, muito menos enviar, cereais para o Ocidente. É certo que, em Portugal, se equaciona a construção de infraestruturas (fala-se de Sines, por exemplo) que permitam o fornecimento diversificado, mas isso demora muito tempo e, entretanto, os efeitos da guerra fazem-se sentir. O Ministro do Ambiente acena com o reforço da produção de energias renováveis em terra e no mar. E até há quem diga que os EUA pretenderão que a Europa passe a consumir os seus produtos energéticos, alimentares e minerais.

Por outro lado, estamos, como toda a Europa, dispostos a receber cidadãos ucranianos, dar-lhes condições de vida digna, incluindo empregos e reunião familiar. Porém, três questões se levantam: como acolhê-los se nos minguam os recursos; como têm as empresas a lata de dispor de mais de 11 mil empregos, quando estavam, há bem pouco tempo, a apertar os cordões à bolsa; e que empregos estão disponíveis.  

Ao cenário do aumento galopante e reiterado dos preços dos combustíveis e da eletricidade junta-se o cenário apresentado pela CAP e outros agentes da produção e da distribuição.           

As consequências da invasão russa já se fazem sentir em Portugal, nomeadamente em termos alimentares, porque Rússia e Ucrânia são dois dos maiores fornecedores mundiais de cereal. E os produtores nacionais já admitem o racionamento de alimentos, com disparos de 20% a 30% nos preços nos próximos dias. Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), diz que “estamos numa situação de emergência alimentar” como não se lembra de se ter vivido.

Neste sentido, o presidente da CAP aponta que, “além de um aumento de preços, haverá carência de produtos, o que leva à especulação, que, por sua vez, leva a um novo aumento”, sendo “impossível saber até onde vai chegar a escalada”. Há agricultores que vão desistir de produzir várias culturas sazonais – milho, hortícolas e algumas frutas – para não terem prejuízo. O stock de alguns produtos, como farinha para massas, é tão reduzido que daqui a um ou dois meses podemos ter de fazer racionamentos como aconteceu nos anos 70.

Ao “Expresso, Gonçalo Lobo Xavier, vice-presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, revelou que, para já, não se registam ruturas de produção, “mas há uma pressão de preços absolutamente inédita”. Pedro Pimentel, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca, admite que “podemos ter no retalho um cenário idêntico às filas nas gasolineiras, com as pessoas a comprarem antecipadamente produtos não perecíveis”. E Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a Fome, alerta que “as carências alimentares vão atingir um nível como há muitos anos não se via”.

A isto o Governo já disse pela voz do Primeiro-Ministro que há reservas suficientes. Mais prometeu descontar semanalmente no ISP o aumento da carga fiscal por via do IVA e mesmo reduzir o IVA, neste caso se a UE autorizar.

Por outro lado, o Ministro da Economia acabou de anunciar o lançamento duma linha de crédito de 400 milhões de euros para ajudar as empresas na sequência dos sucessivos aumentos dos preços da energia. E disse que, “neste momento”, o país não atravessa crise de abastecimento alimentar nem energética, mas que os portugueses devem estar preparados para um “impacto grande nos preços”. “Temos stock para algumas semanas em todos os bens que são críticos”, afirmou, adiantando que o Governo está a “procurar reforçar esses stocks e diversificar as fontes de abastecimento para além da tradicional Ucrânia”.

Pedro Siza Vieira apontou que, na sequência desses aumentos, é necessário “ajudar as empresas, particularmente as que têm mais consumo de energia na sua estrutura de custos de produção a amortecerem este choque”. É para isso que o Governo lançará na próxima semana a predita linha de crédito de 400 milhões de euros, destinada a “dar liquidez às empresas e fazer com que elas não entrem em dificuldades”. E o Ministro garante que o Governo vai continuar a “monitorizar a situação e a  as linhas na medida das necessidades”, pelo que exorta os empresários a que trabalhem em conjunto com o Governo para encontrar formas de “não se destruir a capacidade produtiva nem o emprego” neste “período de turbulência”.

Além disso, Siza Vieira frisou que o Governo está a estudar a hipótese de serem concedidos apoios a fundo perdido “às empresas com maior peso na energia nos custos de produção”. Essa questão está a ser estudada com a Comissão Europeia e deverá haver novidades “nos próximos dias”.

E, referindo que outra prioridade do Executivo é “apoiar os segmentos mais vulneráveis da população” face ao aumento dos preços dos produtos essenciais, o Ministro sublinhou que “o Governo está a trabalhar ao nível dos combustíveis, particularmente naquilo que são os combustíveis utilizados na produção e transporte de profissionais”.

Paralela e complementarmente o Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais avisou que, mesmo com apoios, os portugueses terão de mudar de vida.

O aviso de Mendonça Mendes é no sentido de termos “a noção de que nas próximas semanas a nossa vida não vai ser igual à que tínhamos”, pois “a situação da guerra só agora se começou a sentir e vai exigir da parte de todos uma adaptação”.

“Apoios às famílias e empresas, sim, para ajudar a amortecer impacto da guerra nos preços da energia”, mas “não podemos entrar em aventuras” que possam “comprometer o amanhã”, advertiu o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, sinalizando que Portugal está em situação orçamental e de endividamento que deve ser tida em conta “sem comprometer o amanhã”.

A ideia é continuar a cumprir as regras do Pacto, mais à frente, logo que esta crise seja debelada, e constitui uma importante mensagem para consumo em Bruxelas. Assim, no próximo dia 14, João Leão, Ministro das Finanças, vai à reunião de homólogos da zona euro, e no dia 15, ao conselho europeu das Finanças da UE (Ecofin), querendo passar essa mensagem de compromisso do País com as regras da disciplina orçamental europeia junto dos parceiros, em Bruxelas, aliás como Lisboa tem feito sempre.

Por agora, o crescimento da economia deve ser revisto em baixa por causa da guerra da Rússia contra a Ucrânia e a inflação vai subir muito mais. As contas públicas não ficarão na mesma, nem como apareciam na proposta de Orçamento do Estado de 2022 (OE 2022) apresentada em outubro.

Em março, as Finanças já estão a fazer contas à nova meta para o défice e para a dívida. No OE2022 (que não chegou a ver a luz do dia), a ambição era notória. O plano era reduzir o défice para 3,2% do produto interno bruto (PIB), já perto do limite de 3% do Pacto de Estabilidade, e a dívida para o equivalente a 122,8% do PIB, redução forte face aos 127,5% com que terminou 2021. O crescimento previsto ia ser de 5,5% em 2022.

O clima de ambição era tão grande que o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, antecessor de João Leão à frente das Finanças, chegou a dizer em público que até era possível Portugal chegar a défice inferior a 3% em 2021, o que daria margem substancial para um duplo brilharete no OE: em 2021 e 2022. Mas isto foi antes de rebentar a guerra.

O primeiro sinal de que haverá grandes contrariedades orçamentais veio esta semana do Banco Central Europeu (BCE). A economia da zona euro já só deve crescer 3,7% em 2022, tendo em conta os primeiros dados económicos muito negativos e incertos que emergiram com a guerra.

O BCE incorporou apenas 5 a 7 dias de dados a contar do início do conflito, que começou a 24 de fevereiro. A nova previsão do BCE compara com os 4,2% de há três meses.

Frankfurt também subiu e muito a projeção de inflação para o ano corrente. Em dezembro, as contas da instituição sediada em Frankfurt apontavam para 3,2% (quase o dobro face aos 1,7% de setembro) já por causa das fortes pressões que se sentiam na altura ao nível dos preços da energia e de muitas outras matérias-primas, sobretudo alimentares.

Mas com a guerra, os preços passaram de muito altos a explosivos. Assim, o BCE subiu a previsão de inflação para 5,1% este ano, sendo que Christine Lagarde, presidente do banco central do euro, foi avisando de que há sinais de que a aceleração fortíssima da inflação pode não ser temporária.

Com isto, o BCE anunciou que vai reduzir a potência dos programas de compras de divida, que permitem injetar dinheiro muito barato nas economias do euro através dos bancos (Assim, na prática, já está a subir os juros). E vai acabar com a compra de dívida pública no 3.º trimestre.

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No dia 11, o ainda presidente do PSD pediu no Twitter uma ação mais musculada das Finanças a nível fiscal. A este respeito, considerou que “a redução do ISP pelo valor do aumento extraordinário da receita de IVA”, para que alertara, “não deve ser só a partir do preço atual, tem de ter em conta o preço médio de 2021”, sustentando que “é o mínimo que o Governo deve fazer, face à enorme carga fiscal que criou sobre os combustíveis”.

Porém, Mendonça Mendes respondeu que o Governo, nesta fase, não tem tabus e vai avaliar a situação pari passu: “todas as hipóteses estão em cima da mesa”. E, logo a seguir, deixou claro que tudo deve ser feito “dentro das possibilidades do País”, “mantendo um nível aceitável e comportável de apoios aos cidadãos e empresas”.

Defendeu que “o Governo tem a responsabilidade de responder aos problemas de hoje sem comprometer o amanhã” e que “todos os responsáveis políticos” não devem mostrar apenas essa responsabilidade “em campanha eleitoral”, pois “a responsabilidade é algo que deve ser permanente”.

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, repetindo-se, advertiu que é preciso que “tenhamos noção de que nas próximas semanas a nossa vida não vai ser igual à que tínhamos”, que “a situação da guerra só agora se começou a sentir e vai exigir da parte de todos uma adaptação”. E insistiu que “não podemos entrar em aventuras” que possam destabilizar o rumo orçamental do país. E fazer muita despesa fiscal pode ter esse efeito negativo no OE, sobretudo se os apoios, ora concedidos, forem difíceis ou politica e socialmente incomportáveis de reverter.

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Enfim, para o Governo cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal; e nós temos de nos adaptar de forma crítica e abjurando dos sacrifícios excessivos e injustificados, mormente se impostos sob o signo da inevitabilidade. Já vimos e sofremos disso e não queremos repetir!

2022.03.12 – Louro de Carvalho

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