Os partidos com assento parlamentar aproveitaram a sessão inaugural para
intervenções que anunciam as prioridades partidárias e as que revestem a forma
de manifestos pela liberdade.
Ao fim de 48 anos de democracia, a maioria dos grupos
parlamentares e os deputados únicos acharam útil fazer proclamações em defesa
da democracia, da liberdade e da igualdade. (Falta
a fraternidade!). Isto,
porque há uma guerra em curso na Europa e porque há um grupo parlamentar que
pretende uma mudança de regime, tendo crescido de 1 para 12 deputados.
O indigitado líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante
Dias, enalteceu a relevância da Assembleia da República, inequivocamente assumida
por “quem é radicalmente democrata”, lembrou que o PS foi fundado na Alemanha porque
era proibido em Portugal e prometeu combater “radicalismos simplificadores com
propostas concretas”.
Pelo PSD falou o seu antigo líder parlamentar, Adão
Silva, que será indicado para vice-presidente da Assembleia da República e pelo
que lhe sucederá Paulo Mota Pinto no grupo parlamentar, preconizando que “a maioria absoluta é uma situação excecional
que tem de ser exercida com inteligência e lisura” e alertando que,
nestas condições “não há desculpas para não se fazerem as reformas estruturais”
necessárias, depois de os últimos anos terem sido “marcados por tibiezas”.
Falando dos tempos que o mundo vive perante o flagelo
que os tiranos que estão a fazer e que não deviam estar a fazer, o deputado
socialdemocrata disse: “estamos aqui para
buscar caminhos de sucesso para os nossos cidadãos”.
Por seu turno, André Ventura, líder do Chega, terceira
força política na Assembleia da República, não dando a voz ao seu líder
parlamentar, preferiu ser ele o primeiro a discursar nesta legislatura, para
apontar como o sistema democrático falhou “nas últimas décadas” e como o
“Parlamento falhou aos portugueses”. E, apontando direto ao PS, lembrou como o
Primeiro-Ministro não convocou o Chega para os encontros com os partidos a
seguir às eleições, o que apodou de “tirania socialista”. E respondeu subliminarmente a Santos Silva,
doravante Presidente da Assembleia da República, afirmando que não importa nada ao seu partido que ache que o
nacionalismo é algo negativo. E terminou a citar Fernando Pessoa, o poeta mais
citado nesta abertura de legislatura: “Falta
cumprir-se Portugal!”.
Rodrigo Saraiva, outra estreia na liderança duma
bancada, advogou que, para a Iniciativa Liberal, é preciso “libertar o potencial
criativo e empreendedor” do país, salientou a “urgência” do regresso dos debates quinzenais e lembrou que Santos Silva será “o garante de que o
Estado de Direito e as suas regras não são atropelados”.
Paula Santos, do PCP, outra
líder parlamentar estreante, vindo
com um alerta semelhante, disse recear
as “tentativas de abuso que são usais nas maiorias absolutas” e enumerou
as prioridades do PCP, que ali está “para defender os aumentos de
salários e pensões” e “medidas que travem a gula dos grupos económicos”.
Pedro Filipe Soares, do
Bloco de Esquerda, o único líder de bancada que transita da XIV legislatura, começou pela
referência à guerra na Ucrânia referindo que “todos os povos têm direito à
autonomia, à soberania e à independência” e defendeu “a integridade do
território ucraniano”.
Sobre Santos Silva disse que espera que “seja a
garantia de independência da Assembleia da República” e terminou com
referências ao 25 de abril e à necessidade de defender de igual forma a
democracia, a liberdade e a igualdade.
Foi, a seguir, dada voz aos deputado únicos, mas não
sem nova intervenção de Ventura, não para se opor, mas para lembrar como em
2019 não foi dada a palavra, na primeira sessão da legislatura, ao Chega e à IL
que também tinham só um deputado. E, acusando Santos Silva de estar a passar
por cima do regimento para “dar a palavra a dois amigos do PS”, vincou: “quando é o Chega não há palavra nenhuma”.
Porém, o novo presidente da
Assembleia da República, parecendo dar já mostra de como vai exercer o seu novo
ofício, não respondeu e limitou-se a dar a palavra a Inês Sousa Real, agora
deputada única do PAN, que
prometeu propor uma alteração ao regimento para clarificar os direitos dos
deputados únicos.
Por fim, Rui Tavares, o fundador do Livre finalmente
feito deputado, deixou no plenário a ultima citação de Pessoa deste dia: “Somos do tamanho daquilo que vemos”.
***
Como ficou entredito, os deputados únicos
tiveram direito à palavra, mas querem “mais voz” e “diálogo”. Se o PAN volta à condição de 2015, o Livre recupera o
lugar perdido com a retirada da confiança política a Joacine Katar Moreira, em
2020. Inês de Sousa Real e Rui
Tavares querem defender agora as suas causas, garantir “oposição” ao Governo e
procurar “convergências” nas áreas da ecologia e justiça social.
A deputada do PAN garante
que, “mesmo enquanto deputada única”,
continuará a dar voz a todas as causas que o partido tem representado até agora.
Como o direito à oposição existe, diz que vai exigir “que haja mais poder de
apresentação e agendamento, algo que até aqui não tem acontecido”. E avançou
que o partido iria entregar de imediato uma
proposta de alteração ao regimento da Assembleia da República, a procurar dar “mais
voz” aos deputados únicos, frisando que o partido já defende a proposta
desde 2015, porque não faz sentido que um deputado único, que representa uma “força
política eleita diretamente” para a Assembleia da República não possa ter mais
oportunidades de agendar discussões de propostas suas.
Apesar de ter registado com “muito agrado” o facto de Augusto Santos Silva,
o novo presidente da Assembleia da República, ter dado a palavra aos deputados
únicos na primeira sessão plenária – ao invés do que tinha acontecido em 2019,
o que motivou o protesto de Ventura – Sousa Real insiste que é preciso garantir
mais representatividade por parte dos partidos mais pequenos.
Na proposta, a deputada do PAN pede participação dos deputados únicos na
conferência de líderes, o reforço do direito ao agendamento potestativo, que “não
pode ficar limitado a uma iniciativa por legislatura”, e o reforço dos seus
direitos no âmbito das declarações políticas, assegurando a “igualdade” quanto
aos grupos parlamentares em termos do número total e direito a interpelar os
partidos aquando das suas declarações políticas. Por outro lado, propõe o
regresso dos debates quinzenais, insistindo no reforço do escrutínio ao
Executivo de Costa, esperando “que
não só em sede do OE, mas também durante todo o ano haja esta capacidade
dialogante por parte do PS, porque uma maioria absoluta não pode representar um
enfraquecimento da democracia ou da oposição das demais forças políticas”.
Por sua vez, Rui Tavares defendeu o reforço do “diálogo” e a “convergência”
à esquerda, com vista a alcançarem-se consensos nas áreas da ecologia e da justiça
social. Como vinca o deputado do Livre, a maioria absoluta do PS acaba por
enfatizar a necessidade de, no Parlamento, “termos mais diálogo” e “articulação”
entre as forças progressistas, ecologistas. Revelou que já teve “oportunidade
de falar com as bancadas que estão à esquerda no Parlamento para pedir
reuniões, facilitando esse diálogo”, pois sabe que “é mais fácil em conjunto
apresentar propostas cuja justiça seja inegável e às quais o Governo, mesmo com
a maioria absoluta, não se possa fechar”.
Embora tenha admitido que
hoje é, de certa forma, um dia em que é reposta a “justiça” para com o Livre
após a perda da representação parlamentar (mas o Livre
perdeu representação parlamentar por má cabeça de representante e representado), Rui Tavares confessa que pessoalmente
hoje, para si, “é um dia normal”. E, para os 230 deputados, espera que não seja um mandato como os outros, da política do
costume, já que “estamos num momento muito importante para a história do país,
vamos comemorar os 50 anos dos 25 de Abril, já temos mais dias de liberdade do
que ditadura e é altura de olhar para o futuro e mudar o país”.
No arranque da legislatura, já apresentou duas iniciativas, uma na área da
Ecologia e outra na área da Europa, os dois pilares do Livre. A primeira, um programa de investimento na eficiência
energética das casas, anunciada no Congresso do partido (em Coimbra). E Tavares explicou:
“Designamos o ‘Programa
3 C, de Casa, Conforto e Clima’, que tem a ver com uma questão de dignidade das
pessoas nas suas casas, de segurança porque também se morre de frio em
Portugal, e de ajudar a combater as alterações climáticas”.
Já o outro projeto propõe que Vladimir
Putin seja considerado “responsável por crimes de guerra” e insta as autoridades
portuguesas a participarem no esforço de investigação e de instrução dos
processos no Tribunal Penal Internacional para julgar todos os crimes de guerra na Ucrânia.
***
Augusto Santos Silva, sentado no topo da Mesa, pois tinha acabado de ser
eleito Presidente da Assembleia da República, com 156 votos a favor, 63 brancos
e 11 nulos, fez o seu primeiro discurso nesta condição. O alvo foi os
nacionalistas e populistas que se distinguem dos patriotas porque “não amam as
pátrias dos outros”, pois uma coisa é ser patriota, outra é ser nacionalista. E
Santos Silva, sem nunca se dirigir diretamente à bancada do Chega, vincou a
linha que separa estes dois eixos no seu primeiro discurso parlamentar,
carregando nas palavras:
“O patriotismo
só medra no combate ao nacionalismo. O patriota que ama a sua pátria enaltece o
amor dos outros pelas respetivas pátrias, porque sabe que só na pluralidade das
pátrias floresce a sua. O nacionalista odeia a pátria dos outros,
discrimina quem é diferente.”.
E, para Santos Silva, é do lado oposto a esse nacionalismo que o Parlamento
deve estar.
O discurso, centrado nos valores da tolerância, da diversidade e virado
para as comunidades portuguesas, várias vezes aplaudido pelas bancadas da
esquerda, por deputados do PSD e, a espaços, pelos 8 da Iniciativa Liberal, não
encontrou eco na ora robusta bancada do Chega, cujas cabeças abanavam em sinal
negativo. Porém, o Presidente da Assembleia da República prosseguia – sempre
com a língua portuguesa como fio condutor – a defender o acolhimento e a integração
de refugiados no respeito pela diversidade, sustentando:
“Basta pensar um minuto
na incrível força desta língua de tantas pátrias para entender que o bom
requisito para ser patriota é não ser nacionalista; é não ter medo de abrir
fronteiras, integrar migrantes, acolher refugiados”.
Para Santos Silva, a missão do patriota é combater o nacionalismo, que traz
consigo o discurso do ódio, o insulto e os pontos de exclamação, sendo que “a
liberdade e a igualdade custaram demasiado para que aceitássemos regredir para
novos tempos de barbárie”.
Antes, Santos Silva ditara as regras do novo Parlamento e a receita para combater o populismo.
A primeira regra é o respeito de todos os mandatos; a segunda, o respeito pela
vontade popular que se exprime na exata medida da grandeza dos grupos
parlamentares. Mas ele sabe que os atuais tempos são “difíceis”, “complexos” e,
portanto, propícios “a toda a espécie de manipulações e de messianismos”, o que
exige cuidado.
A receita para o combate a esses populismos é assim enunciada:
“Estes são
tempos em que pode vingar o populismo, a invenção de inimigos e a substituição
do debate pelo insulto. A sociedade portuguesa não está imune a este vírus, mas
a melhor maneira de o combater é não lhe conceder mais relevância do que aquela
que o povo português quis atribuir. (…) A
melhor receita é contrapor aos seus obsessivos pontos de exclamação a
serenidade de quem tem o conforto da razão – razão que interroga, que ouve,
avalia, corrige, que é a razão democrática.”.
Augusto Santos Silva tinha avisado que seria imparcial, que daria
importância igual a todos e que trataria todos pela ordem de grandeza que a
vontade popular ditou.
***
Está, pois, inaugurada a XV legislatura e a sua primeira sessão
legislativa.
2022.03.29 – Louro
de Carvalho
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