Há 9 anos a
esta parte, passei a considerar, embora sem eu o merecer, o meu aniversário
natalício indissociável do dia da eleição do Cardeal Giorgio Mario Bergoglio,
então Arcebispo emérito de Buenos Aires, para o Sumo Pontificado. Desde 13 de
março de 2013, o Papa argentino tem trabalhado incessantemente em prol da paz e
da reconciliação entre os povos, levando a esperança do Evangelho às periferias
do mundo, tanto as geográficas como as existenciais.
Porém, o 9.º
aniversário do pontificado de Francisco ocorre num momento obscuro da história,
marcado pelo conflito na Ucrânia. Mas, nem por isso, se pode renunciar à sua
assinalação nem subvalorizá-la. E, se mais nada se puder fazer, há que cercá-lo
com a oração ardente da Igreja e dos cristãos, bem como participar, segundo a
condição de cada pessoa ou grupo, nas iniciativas que o Pontífice desencadeia,
sugere ou apoia.
Sobre o momento do 9.º aniversário papal, Isabela Piro tece, no “Vatican News” considerações pertinentes
e expõe uma resenha sobre os grandes tópicos deste Pontificado.
Começa por
dizer que é “a loucura da guerra” entre Rússia e Ucrânia a partir de 24 de fevereiro,
que está a caraterizar este dia de aniversário de Francisco. E recorda que, no reiterado
dizer do Papa, “a guerra é uma loucura”, que origina o deplorável derramamento
de rios de sangue e lágrimas e cria o desrespeito pela abertura de corredores
humanitários. Porém, a colunista frisa que à “loucura da guerra”, Francisco
incita a responder sempre com a “loucura do Amor” evangélico que “enche o
coração e a vida inteira” de quantos encontram Jesus.
São
constantes os apelos pela paz da parte de Bergoglio. E, por exemplo, o ano de
2021 abriu e fechou com a invocação pela paz, especialmente graças às viagens
apostólicas, em março, ao Iraque e, em dezembro, a Chipre e à Grécia. Em ambas,
o Papa instou à luta contra a violência e ao regresso às fontes de humanidade e
fraternidade – palavras repetidas, em setembro, em Budapeste e na Eslováquia,
onde condenou todas as formas de destruição da dignidade humana.
Por outro
lado, 2021 liga-se indissociavelmente a 2020 pela pandemia da covid-19, com
Francisco a exortar constantemente à liberalização das patentes das vacinas e a
convidar o mundo a confiar no Senhor. “Abraçar a sua Cruz”, dizia na ‘Statio Orbis’ de 27 de março de 2020,
postula criar “novas formas de fraternidade”. E é a fraternidade o termo que
enforma a “Fratelli tutti”, a
3.ª Encíclica do Pontífice assinada em 3 de outubro de dois anos atrás, em Assis,
na Itália, em que apela fortemente à amizade social e diz não à guerra. Já, em
2019, ecoa o termo “fraternidade” no documento sobre “Fraternidade Humana em prol da paz mundial e da convivência comum”,
subscrito, em Abu Dhabi, pelo Papa e pelo Grão Imame de Al-Azhar, a condenar a
violência e o terrorismo e representando um marco nas relações entre o
cristianismo e o islamismo.
O ano de
2019 também é marcado pela luta contra os abusos: em fevereiro, no Vaticano, realizou-se
um encontro sobre a proteção de menores que levou tanto à redação do Motu
proprio “Vos estis lux mundi”, a
estipular novos procedimentos aos bispos e superiores religiosos, como à
abolição do segredo pontifício para os casos de abuso sexual. E, já a 20 de
agosto de 2018, o Papa escrevera a Carta ao Povo de Deus a reafirmar o caminho
da verdade, da justiça, da prevenção e da reparação dos abusos, enfatizando a
proximidade da Igreja às vítimas.
Em 2017, o
vocábulo “pobres” tem ressonância forte com o primeiro “Dia Mundial” dedicado a
eles. O evento convocado pelo Papa na Carta Apostólica “Misericordia et misera” concluiu o Jubileu Extraordinário da
Misericórdia de 2016, que, proclamado pelo Bula “Misericordiae vultus”, de 11 de abril de 2015, aconteceu de forma
“difusa”, ou seja, com uma Porta Santa aberta em todas as igrejas do mundo.
A
salvaguarda da Criação é o tema principal de 2015, destacado pela Encíclica
“Laudato si”, sobre o cuidado da Casa
Comum, e pela instituição do Dia
Mundial de Oração pelos Cuidados da Criação – eventos que apontam para a
necessidade de promover uma ecologia integral que combine cuidados com o
ambiente e justiça para os pobres.
Entre 2015 e
2014, porém, o foco do pontificado é a família, à qual Francisco dedica dois
Sínodos, o extraordinário e o ordinário, que revelam a preocupação com os
ataques à família perpetrados pela sociedade contemporânea, cada vez mais
individualista e hedonista. Como antídoto a essa tendência, na Exortação
Apostólica “Amoris Laetitia”, de
2016, o Papa recorda a beleza da família baseada no matrimónio indissolúvel
entre homem e mulher, cuja importância ficou evidenciada com um “Ano Especial da Família-Amoris Laetitia”,
que terminará em junho deste ano em Roma, com o X Encontro Mundial das Famílias.
***
Tudo partiu
de 2013, o ano das novidades. Marcante é o nome papal assumido por Bergoglio:
Francisco: antes dele, nenhum Pontífice o havia escolhido, tal como nenhum Papa
fora membro da Companhia de Jesus, nem natural da América Latina, nem, nos
tempos modernos, eleito após a renúncia do antecessor. A partilha marca o
estilo de Bergoglio no governo da Igreja: em 2013, o Papa criou um Conselho de
Cardeais para o ajudar no seu trabalho e estudar a revisão da Constituição
Apostólica “Pastor bonus” sobre a
Cúria Romana, de 1988, do Papa Wojtyła. O documento, provisoriamente intitulado
“Praedicate evangelium”, ainda está
em preparação.
O grande
desígnio do atual pontificado é a reforma da Igreja: na Exortação
Apostólica “Evangelii gaudium”, de
2013, Francisco apela à renovação missionária das estruturas eclesiais,
inclusive na esfera económica. Exemplo disso é o Motu proprio “Sobre certas competências em matéria
económica e financeira”, pelo qual é transferida para a APSA a gestão
de fundos e propriedades da Secretaria de Estado e é reforçado o papel de controlo
da Secretaria de Estado da Economia, bem como a luta anticorrupção para
assegurar a transparência na gestão das finanças públicas.
Na esfera
pastoral, o Papa enaltece o papel dos leigos e das mulheres na vida da Igreja:
em 2018, Paolo Ruffini é o primeiro leigo nomeado Prefeito, à frente do
Dicastério para a Comunicação, enquanto em 2021, a Irmã Nathalie Becquart é a
primeira mulher nomeada subsecretária do Sínodo dos Bispos, e o Motu proprio “Spiritus Domini” e o “Antiquum Ministerium” , modificam
os ministérios laicais do leitor e do acólito, instituindo o do catequista. É
ainda digna de nota a Constituição Apostólica “Pascite gregem Dei”, sobre as sanções penais na Igreja.
No
pontificado de Francisco, destaca-se a atenção aos migrantes, feita emblemática
pela viagem a Lampedusa, na Itália, em 2013, e pelas duas visitas a Lesbos, na
Grécia, em 2016 e 2021; bem como a promoção da “cultura do encontro”,
destacada, por exemplo, em 2014, pelo empenho pessoal do Papa no
estabelecimento de relações diplomáticas entre os EUA e Cuba. Mesmo agora, em
tempos de guerra na Ucrânia, o Papa não poupou esforços para trabalhar para um
confronto pacífico entre as partes, visitando pessoalmente a embaixada russa
junto à Santa Sé e telefonando ao presidente ucraniano Zelenskyi.
A promoção
da unidade dos cristãos também é uma temática central, marcada por três gestos
históricos: o encontro com Kirill, Patriarca de Moscovo e de toda a Rússia em
2016; a entrega de alguns fragmentos das relíquias de São Pedro ao Patriarcado
Ecuménico de Constantinopla em 2019; e o pedido de desculpas pelos erros
cometidos pelos católicos apresentado em Atenas, em 2021, ao Primaz da Igreja
Ortodoxa da Grécia, Ieronymos.
Grande é a
atenção à sinodalidade renovada: a Assembleia de 2023 “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, será
precedida pela primeira vez dum percurso trienal de escuta, discernimento,
consulta e dividido em 3 fases: diocesana, continental e universal.
Para o
Pontífice é também fundamental valorizar os idosos, sem ceder à “cultura do
descarte” que olha as pessoas apenas com base na sua produtividade. E
justamente com a terceira idade em mente, Francisco estabeleceu o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, cuja
1.ª edição se realizou em julho do ano passado. O Papa atualmente está a
dedicar o seu ciclo de catequeses aos idosos, iniciado em 23 de fevereiro de
2022.
Até agora,
Francisco realizou 25 viagens apostólicas na Itália e 36 no exterior. E para
2022 já foram anunciadas visitas a Malta de 2 a 3 de abril e à República
Democrática do Congo e ao Sudão do Sul de 2 a 7 de julho. É novamente a
reconciliação que se destaca no trabalho do Papa: a esses dois últimos países
marcados pelo conflito e pela violência o Pontífice dedicou, já em 2017, uma
celebração de oração pela paz.
Para os
líderes do Sudão do Sul, então, em abril de 2019, o Papa organizou um retiro
espiritual, no final do qual se ajoelhou e beijou os pés das personalidades
presentes – gesto sem precedentes a “implorar
que o fogo da guerra seja extinto de uma vez por todas”. Aquelas palavras
parecem ter sido escritas hoje para a Ucrânia, tornando dramaticamente atual um
trecho da Encíclica “Fratelli tutti”:
“a guerra é um fracasso da política e da humanidade” e a reconciliação “exige o
empenho de todos”.
Por fim – e Isabela Piro não o menciona –, é de destacar
a atenção à camada jovem com quem os padres sinodais realizaram um sínodo
específico em 2018, de que resultou a Exortação Apostólica pós-sinodal “Christus vivit”, de 25 de março de 2019;
e, ainda, a atenção à região especial da Amazónia, com cujos representantes, que
se deslocaram a Roma após frutífera caminhada preparatória, se celebrou o
Sínodo de 6 a 27 de outubro de 2019 e de que resultou a Exortação Apostólica pós-sinodal
“Querida Amazónia”, de 2 de fevereiro de 2020, o documento dos sonhos da e para a Amazónia.
Enfim, um pontificado deveras rico e promissor.
2022.03.13 – Louro de Carvalho
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