segunda-feira, 14 de março de 2022

O Papa do diálogo no caminho da evangelização

 

Há 9 anos a esta parte, passei a considerar, embora sem eu o merecer, o meu aniversário natalício indissociável do dia da eleição do Cardeal Giorgio Mario Bergoglio, então Arcebispo emérito de Buenos Aires, para o Sumo Pontificado. Desde 13 de março de 2013, o Papa argentino tem trabalhado incessantemente em prol da paz e da reconciliação entre os povos, levando a esperança do Evangelho às periferias do mundo, tanto as geográficas como as existenciais.

Porém, o 9.º aniversário do pontificado de Francisco ocorre num momento obscuro da história, marcado pelo conflito na Ucrânia. Mas, nem por isso, se pode renunciar à sua assinalação nem subvalorizá-la. E, se mais nada se puder fazer, há que cercá-lo com a oração ardente da Igreja e dos cristãos, bem como participar, segundo a condição de cada pessoa ou grupo, nas iniciativas que o Pontífice desencadeia, sugere ou apoia.    

Sobre o momento do 9.º aniversário papal, Isabela Piro tece, no “Vatican News” considerações pertinentes e expõe uma resenha sobre os grandes tópicos deste Pontificado.

Começa por dizer que é “a loucura da guerra” entre Rússia e Ucrânia a partir de 24 de fevereiro, que está a caraterizar este dia de aniversário de Francisco. E recorda que, no reiterado dizer do Papa, “a guerra é uma loucura”, que origina o deplorável derramamento de rios de sangue e lágrimas e cria o desrespeito pela abertura de corredores humanitários. Porém, a colunista frisa que à “loucura da guerra”, Francisco incita a responder sempre com a “loucura do Amor” evangélico que “enche o coração e a vida inteira” de quantos encontram Jesus.

São constantes os apelos pela paz da parte de Bergoglio. E, por exemplo, o ano de 2021 abriu e fechou com a invocação pela paz, especialmente graças às viagens apostólicas, em março, ao Iraque e, em dezembro, a Chipre e à Grécia. Em ambas, o Papa instou à luta contra a violência e ao regresso às fontes de humanidade e fraternidade – palavras repetidas, em setembro, em Budapeste e na Eslováquia, onde condenou todas as formas de destruição da dignidade humana.

Por outro lado, 2021 liga-se indissociavelmente a 2020 pela pandemia da covid-19, com Francisco a exortar constantemente à liberalização das patentes das vacinas e a convidar o mundo a confiar no Senhor. “Abraçar a sua Cruz”, dizia na ‘Statio Orbis’ de 27 de março de 2020, postula criar “novas formas de fraternidade”. E é a fraternidade o termo que enforma a “Fratelli tutti”, a 3.ª Encíclica do Pontífice assinada em 3 de outubro de dois anos atrás, em Assis, na Itália, em que apela fortemente à amizade social e diz não à guerra. Já, em 2019, ecoa o termo “fraternidade” no documento sobre “Fraternidade Humana em prol da paz mundial e da convivência comum”, subscrito, em Abu Dhabi, pelo Papa e pelo Grão Imame de Al-Azhar, a condenar a violência e o terrorismo e representando um marco nas relações entre o cristianismo e o islamismo.

O ano de 2019 também é marcado pela luta contra os abusos: em fevereiro, no Vaticano, realizou-se um encontro sobre a proteção de menores que levou tanto à redação do Motu proprio “Vos estis lux mundi”, a estipular novos procedimentos aos bispos e superiores religiosos, como à abolição do segredo pontifício para os casos de abuso sexual. E, já a 20 de agosto de 2018, o Papa escrevera a Carta ao Povo de Deus a reafirmar o caminho da verdade, da justiça, da prevenção e da reparação dos abusos, enfatizando a proximidade da Igreja às vítimas.

Em 2017, o vocábulo “pobres” tem ressonância forte com o primeiro “Dia Mundial” dedicado a eles. O evento convocado pelo Papa na Carta Apostólica “Misericordia et misera” concluiu o Jubileu Extraordinário da Misericórdia de 2016, que, proclamado pelo Bula “Misericordiae vultus”, de 11 de abril de 2015, aconteceu de forma “difusa”, ou seja, com uma Porta Santa aberta em todas as igrejas do mundo.

A salvaguarda da Criação é o tema principal de 2015, destacado pela Encíclica “Laudato si”, sobre o cuidado da Casa Comum, e pela instituição do Dia Mundial de Oração pelos Cuidados da Criação – eventos que apontam para a necessidade de promover uma ecologia integral que combine cuidados com o ambiente e justiça para os pobres.

Entre 2015 e 2014, porém, o foco do pontificado é a família, à qual Francisco dedica dois Sínodos, o extraordinário e o ordinário, que revelam a preocupação com os ataques à família perpetrados pela sociedade contemporânea, cada vez mais individualista e hedonista. Como antídoto a essa tendência, na Exortação Apostólica “Amoris Laetitia”, de 2016, o Papa recorda a beleza da família baseada no matrimónio indissolúvel entre homem e mulher, cuja importância ficou evidenciada com um “Ano Especial da Família-Amoris Laetitia”, que terminará em junho deste ano em Roma, com o X Encontro Mundial das Famílias.

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Tudo partiu de 2013, o ano das novidades. Marcante é o nome papal assumido por Bergoglio: Francisco: antes dele, nenhum Pontífice o havia escolhido, tal como nenhum Papa fora membro da Companhia de Jesus, nem natural da América Latina, nem, nos tempos modernos, eleito após a renúncia do antecessor. A partilha marca o estilo de Bergoglio no governo da Igreja: em 2013, o Papa criou um Conselho de Cardeais para o ajudar no seu trabalho e estudar a revisão da Constituição Apostólica “Pastor bonus” sobre a Cúria Romana, de 1988, do Papa Wojtyła. O documento, provisoriamente intitulado “Praedicate evangelium”, ainda está em preparação.

O grande desígnio do atual pontificado é a reforma da Igreja: na Exortação Apostólica “Evangelii gaudium”, de 2013, Francisco apela à renovação missionária das estruturas eclesiais, inclusive na esfera económica. Exemplo disso é o Motu proprio “Sobre certas competências em matéria económica e financeira”, pelo qual é transferida para a APSA a gestão de fundos e propriedades da Secretaria de Estado e é reforçado o papel de controlo da Secretaria de Estado da Economia, bem como a luta anticorrupção para assegurar a transparência na gestão das finanças públicas.

Na esfera pastoral, o Papa enaltece o papel dos leigos e das mulheres na vida da Igreja: em 2018, Paolo Ruffini é o primeiro leigo nomeado Prefeito, à frente do Dicastério para a Comunicação, enquanto em 2021, a Irmã Nathalie Becquart é a primeira mulher nomeada subsecretária do Sínodo dos Bispos, e o Motu proprio “Spiritus Domini” e o “Antiquum Ministerium” , modificam os ministérios laicais do leitor e do acólito, instituindo o do catequista. É ainda digna de nota a Constituição Apostólica “Pascite gregem Dei”, sobre as sanções penais na Igreja.

No pontificado de Francisco, destaca-se a atenção aos migrantes, feita emblemática pela viagem a Lampedusa, na Itália, em 2013, e pelas duas visitas a Lesbos, na Grécia, em 2016 e 2021; bem como a promoção da “cultura do encontro”, destacada, por exemplo, em 2014, pelo empenho pessoal do Papa no estabelecimento de relações diplomáticas entre os EUA e Cuba. Mesmo agora, em tempos de guerra na Ucrânia, o Papa não poupou esforços para trabalhar para um confronto pacífico entre as partes, visitando pessoalmente a embaixada russa junto à Santa Sé e telefonando ao presidente ucraniano Zelenskyi.

A promoção da unidade dos cristãos também é uma temática central, marcada por três gestos históricos: o encontro com Kirill, Patriarca de Moscovo e de toda a Rússia em 2016; a entrega de alguns fragmentos das relíquias de São Pedro ao Patriarcado Ecuménico de Constantinopla em 2019; e o pedido de desculpas pelos erros cometidos pelos católicos apresentado em Atenas, em 2021, ao Primaz da Igreja Ortodoxa da Grécia, Ieronymos. 

Grande é a atenção à sinodalidade renovada: a Assembleia de 2023 “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, será precedida pela primeira vez dum percurso trienal de escuta, discernimento, consulta e dividido em 3 fases: diocesana, continental e universal.

Para o Pontífice é também fundamental valorizar os idosos, sem ceder à “cultura do descarte” que olha as pessoas apenas com base na sua produtividade. E justamente com a terceira idade em mente, Francisco estabeleceu o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, cuja 1.ª edição se realizou em julho do ano passado. O Papa atualmente está a dedicar o seu ciclo de catequeses aos idosos, iniciado em 23 de fevereiro de 2022.

Até agora, Francisco realizou 25 viagens apostólicas na Itália e 36 no exterior. E para 2022 já foram anunciadas visitas a Malta de 2 a 3 de abril e à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul de 2 a 7 de julho. É novamente a reconciliação que se destaca no trabalho do Papa: a esses dois últimos países marcados pelo conflito e pela violência o Pontífice dedicou, já em 2017, uma celebração de oração pela paz.

Para os líderes do Sudão do Sul, então, em abril de 2019, o Papa organizou um retiro espiritual, no final do qual se ajoelhou e beijou os pés das personalidades presentes – gesto sem precedentes a “implorar que o fogo da guerra seja extinto de uma vez por todas”. Aquelas palavras parecem ter sido escritas hoje para a Ucrânia, tornando dramaticamente atual um trecho da Encíclica “Fratelli tutti”: “a guerra é um fracasso da política e da humanidade” e a reconciliação “exige o empenho de todos”.

Por fim – e Isabela Piro não o menciona –, é de destacar a atenção à camada jovem com quem os padres sinodais realizaram um sínodo específico em 2018, de que resultou a Exortação Apostólica pós-sinodal “Christus vivit”, de 25 de março de 2019; e, ainda, a atenção à região especial da Amazónia, com cujos representantes, que se deslocaram a Roma após frutífera caminhada preparatória, se celebrou o Sínodo de 6 a 27 de outubro de 2019 e de que resultou a Exortação Apostólica pós-sinodal “Querida Amazónia, de 2 de fevereiro de 2020, o documento dos sonhos da e para a Amazónia.

Enfim, um pontificado deveras rico e promissor.  

2022.03.13 – Louro de Carvalho

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