A poucas horas do fecho da contagem dos votos dos emigrantes recenseados no
círculo da Europa, o resultado já se revelava incontornável: o PS fazia o pleno
e elegia os dois deputados daquele círculo eleitoral na repetição das eleições
ordenada pelo Tribunal Constitucional (TC).
Nas eleições de 30 de janeiro, o resultado na Europa tinha ficado um para
um: um deputado para o PS (Paulo Pisco) e um para o
PSD (Maria Ester
Vargas). Agora, o resultado foi diferente e
é o PS que fica com os dois. E Ester Vargas,
que tinha sido eleita, teve de sair da corrida.
As eleições foram repetidas no círculo eleitoral em referência depois de o
PSD ter alertado para o facto de os votos da emigração que chegavam por correio
sem cópia do cartão do cidadão estarem a ser misturados com os outros e serem
considerados válidos, “numa clara transgressão das regras eleitorais”. O PSD
fez barulho, fez queixa na CNE e ameaçou com uma queixa-crime contra os
responsáveis das mesas de voto, mas terá acordado com o PS não levar o caso ao
TC para não atrasar mais todo o processo de tomada de posse do Parlamento e do
Governo.
Porém, outros partidos, como o Volt, o PAN, o MAS e o Chega, recorreram ao
TC contra os cerca de 157 mil votos considerados nulos e o TC decretou a
repetição das eleições no círculo da Europa – o que atrasou em mais de um mês a
tomada de posse do Parlamento e do Governo.
Rui Rio foi pessoalmente a França e a Inglaterra em campanha, afirmando
querer conquistar os dois mandatos em disputa. Contudo, o resultado saiu pior:
de forma inédita, o PSD deixa de eleger deputados no círculo da Europa e fica
com 77 deputados no total – menos um que em 2019. Já o PS reforça a sua maioria
absoluta, com a eleição de Nathalie de Oliveira, e obtém 120 mandatos, mais 12
que em 2019.
Fora do Parlamento desde 2015, Maria Ester Vargas, professora de línguas
estrangeiras do ensino secundário, recebera com surpresa o convite do próprio Rui
Rio para suceder a Carlos Gonçalves e encabeçar a lista do PSD pelo círculo da
Europa. E foi eleita em janeiro, mas a repetição das eleições um mês e meio depois
das primeiras penalizou o PSD, que perdeu representação nas comunidades
portuguesas na Europa. E, como é “uma democrata”, rende-se “às evidências”.
Quando, em fevereiro, viu publicados os resultados eleitorais dos dois
círculos da emigração, achou que a sua vida, aos 66 anos, voltaria a passar por
Lisboa. Estava mentalizada de que iria voltar à Assembleia da República, donde
tinha saído no final dos quatro anos de governação de Passos Coelho e Paulo
Portas, mas agora, em vez de integrar o seu círculo eleitoral, Viseu, iria
encabeçava a lista pelo círculo da Europa. Com efeito, Rio procurava quem
substituísse Carlos Gonçalves, que era deputado desde 2002, com lugar cativo no
círculo da Emigração, e a escolha recaiu sobre esta militante de São Pedro do
Sul, formada em Estudos Germânicos, que tinha estado nos últimos seis anos como
consultora para a área social na Embaixada de Portugal em Berna, na Suíça. E
Ester Vargas, que tinha voltado de Berna para a sua terra em junho de 2021,
estava entusiasmada com o desafio.
Pelo que dita o histórico das eleições, contava ser eleita, pois há muito
que os dois deputados da Europa se dividem entre PS e PSD (um para
cada partido). Foi o que
aconteceu também nas eleições legislativas de 30 de janeiro. Entretanto, os
votos por correspondência, que são a grande maioria dos votos da emigração, chegavam
sem cópia do cartão do cidadão ou com a cópia do cartão de identificação
colocada no sítio errado e estavam a ser misturados com os outros – o que fez
com que mais de 150 mil votos tenham sido considerados inválidos. Por
isso, o PSD fez tanta celeuma que, apesar de não ter impugnado formalmente
o processo eleitoral nem ter levado o caso ao TC, outros partidos o fizeram e
os juízes decidiram pela repetição das eleições. Por isso, organizou-se nova campanha, nova ida às
urnas, novo envio dos envelopes brancos e verdes e novo resultado: o PSD não
elegeu nenhum deputado e a convidada de Rio fica em São Pedro Sul, com
os papéis para a aposentação em andamento.
A professora de alemão à beira da aposentação, que no último mês esteve a
fazer campanha nas comunidades portuguesas com Rui Rio ao lado a explicar aos
eleitores que a culpa da repetição das eleições não tinha sido do PSD, apesar
de aceitar democraticamente os resultados, lamenta não ter sido suficiente o
seu esforço e o seu discurso. Referindo que “estamos sempre sujeitos a ser
eleitos ou não ser”, esperava que as pessoas tivessem percebido que o PSD não
foi o responsável por esta trapalhada” e, apontando o dedo ao Ministério da Administração
Interna, defende que todo o sistema eleitoral deve ser revisto com urgência.
***
Ora, vejamos.
Os emigrantes não perdoaram o facto de 80% dos seus votos terem sido
anulados. Esta falta de respeito não cabe tout
court ao Ministério da Administração Interna, que é executor da lei e não
seu autor. E a diretiva de aceitar os votos que não fossem acompanhados de
cópia do cartão de cidadão ou equivalente é um precedente de 2019 e é da CNE (Comissão
Nacional de Eleições), uma
entidade supostamente independente; e foi reiterada neste ano com acordo de
cavalheiros entre os delegados dos diversos partidos a 18 de janeiro,
perfeitamente aceitável, já que a junção da fotocópia em referência apenas
constituía um reforço da pessoalidade do voto, conseguida também de outra
forma.
Foi efetivamente o PSD que fez barulho pela anulação e os sobreditos
pequenos partidos foram à boleia e, em nome da consequência que o PSD supostamente
devia ter tirado do seu protesto proclamado sem seguimento, lançaram o barro à
parede e o TC, optando pelo princípio da “dura
lex sed lex”, instou à repetição do escrutínio. É óbvio que o PSD é vítima,
mas do fogo que lançou. Ademais, os emigrantes que repetiram a votação (os da
presencial foram mais que em janeiro) podiam
seguir uma de duas vias: penalizar o partido do Governo por não ter tomado a
tempo a iniciativa de esclarecer amplamente o que prevalecia, ou seja, se era a
norma da lei eleitoral ou a da proteção de dados pessoais; ou penalizar o
partido responsável pela anulação de 80% dos votos dos emigrantes sujeitando-se
à letra da lei, que mata e de que resulta a concretização do aforismo “summum ius, summa iniuria”. E, pelos
vistos, os emigrantes eleitores optaram pela segunda hipótese, rejeitando que
se criem dificuldades supérfluas para o cumprimento dum dever cívico e para o
exercício de um direito, ambos concretizáveis num só ato: votar.
Votaram 107.553 pessoas por via postal, o que corresponde a 54,8% dos votos
recebidos na primeira fase da votação. E, ainda assim, mais de 30 mil votos
continuaram a ser considerados nulos. Porém, a eleita que não foi eleita
diz que “O PSD
não impugnou eleições, apenas tentou que a lei fosse cumprida, mas foi
penalizado por isso”,
e mostra-se aliviada por o longo e penoso processo ter chegado ao fim. Depois
de seis anos a cumprir duas comissões de serviço em Berna e depois de quatro anos
no Parlamento, a trabalhar sobretudo na comissão dos Negócios Estrangeiros,
Ester Vargas admitiu ao “Expresso”
que pode finalmente organizar o que vai ser a sua vida daqui para a frente: sem
lugar no hemiciclo em Lisboa, vai finalmente gozar a reforma.
O PS não precisava deste reforço da sua maioria absoluta e a prioridade, que
era a reforma eleitoral, agora com a guerra no Leste europeu, há de ser a crise
socioeconómica, psicossocial e humanitária que a Europa vai atravessar.
2022.03.24 – Louro de Carvalho
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