É uma das
conclusões dum estudo da Universidade de Lisboa para a Fundação Calouste
Gulbenkian, dado que não surpreende os escritores que frequentaram os
corredores do Correntes d’Escritas, o encontro anual de autores de línguas
portuguesa e espanhola que decorreu de 23 a 28 de fevereiro na Póvoa de Varzim.
Afonso Cruz acredita
que “40% não é um número assim tão
desprestigiante para a leitura” e considera que a leitura, em comparação
com outras atividades culturais, é um entretenimento difícil. Por exemplo,
relativamente à música, uma vez que “as pessoas cantam e dançam em conjunto”, a
aplicação torna-se “mais apetecível e gratificante”. Já a leitura remete-nos ao
silêncio, à contemplação, à reflexão, a um fechamento. Assim, pode ser muito menos cativante que
outras atividades culturais. Porém, a sua exigência de concentração induz a
captação da beleza e a fruição do inefável, que outras expressões culturais
mais dispersas dificilmente proporcionam.
Álvaro
Laborinho Lúcio observa que o susodito volume percentual confirma “uma
preocupação que já tinha” e defende que “o importante não é fazer uma avaliação
estatística”, mas perceber as razões profundas que estão por trás da ausência
de leitura. Em vez da leitura, as pessoas passaram a dedicar-se a outras formas
de aproximação ao conhecimento e até à cultura. Por isso, considera importante valorizar o livro e perceber até
que ponto “a educação e a escola podem ter um papel decisivo para estabelecer
uma mudança”.
José Luís
Peixoto diz encontrar muita gente que lê, mas “essas pessoas não são
representativas da totalidade da população”. Como poeta e dramaturgo defende
que “a leitura edifica e favorece a construção social de um país” e “considera
crucial refletir sobre o real empenho perante esta área cultural”. Mais
sugere aos que se preocupam com a falta
de leitura dos outros que eles próprios leiam, pois, fazendo-o, dão “um passo
muito determinante na valorização da leitura”.
Em comparação
com Espanha, o estudo verificou que, “no
último ano, 61% dos portugueses inquiridos não leram nenhum livro em papel,
contra 38% dos espanhóis”. Assim, a realidade espanhola mostra-se
diferente da portuguesa. O escritor espanhol Xosé Ramón Pena supõe que tal
diferença se deve sobretudo a fatores sociais e históricos “que só com o tempo, investindo dinheiro em
educação se podem corrigir”, mas aponta que “o número de leitores
espanhóis não é assim tão alto comparativamente a outros países europeus”.
O contexto
familiar e os hábitos que se criam na infância e adolescência podem ser algumas
razões para os portugueses lerem pouco. Foi-se abandonando a leitura do livro e
criaram-se outras formas acesso à cultura, ao conhecimento e à informação. Segundo
Laborinho Lúcio, o gosto pela leitura passou a ser pouco avaliado criticamente
e, “antes de se aprender a ler, é
preciso criar leitores e ensinar às crianças a necessidade e o desejo de saber
ler”: “o gostar de ler é fundamental”.
Afonso Cruz
menciona algumas das medidas implementadas para contornar estes números, como o
Plano Nacional de Leitura, a vasta rede de bibliotecas, a grande circulação de
livros e até a acessibilidade aos livros. De facto, como vinca, “antes, as pessoas não tinham biblioteca em
casa”, ao passo que agora é impensável entrar numa casa e não haver ao menos um
livro. Ora, havendo acessibilidade, “é muito mais fácil chegar à leitura”.
O escritor, referindo a problemática das assimetrias de classes sociais, da
educação e do acesso à cultura, o que afeta as pessoas, diz:
“Há uma grande percentagem que não frequenta
espaços culturais com medo de não serem capazes de fruir de um objeto
artístico. Mas esse receio é que tem de ser combatido. Não é preciso ser um
crítico, um grande intelectual ou ter um doutoramento para entrar num museu.”.
O estudo
focou-se na análise das práticas culturais dos portugueses em 2020, através de
inquérito a 2 mil pessoas, com 15 ou mais anos de idade a residir em Portugal.
Quanto à leitura, mesmo em baixa percentagem, os portugueses ainda a veem como
refúgio e leem por prazer, sobretudo os mais idosos e pessoas menos instruídas.
Com efeito, como indica José Luís Peixoto, “os livros levam vida dentro e a leitura contribui para uma vida com
sentido, portanto, se as pessoas dessa idade conseguem reconhecer isso, é parte
da sua sabedoria certamente”.
Para os
referidos escritores, a cultura é essencial, é por ela que o ser humano é
educado. Afonso Cruz diz que “quanto
mais acesso tivermos à leitura e quanto mais nos habituamos a esse contacto
entre leitores, escritores, pessoas que não leem, que acham que não gostam de
ler, é possível através de conversas um pouco informais, tal como estas são,
encontrar novos leitores e criar uma nova rede humana”. José Luís
Peixoto valoriza o encontro entre
pessoas que escrevem e pessoas que leem, pois, apesar de não resolverem os
problemas da leitura todos, ajuda a que surjam novos projetos, a que se cativem
novos grupos e que mais pessoas cheguem à leitura”. E Xosé Ramón Pena considera
que o importante não é o que os escritores dizem, mas o que refletem das
conversas. Os eventos de encontro de escritores e leitores “são fundamentais” para promover o “gosto
pelos livros e pela leitura”.
Em suma, o
referido estudo, que os escritores que frequentaram os corredores do Correntes
d’Escritas no âmbito da leitura, permite expor os seguintes dados:
Os
portugueses leem pouco e os hábitos que se criam em casa podem ser uma das
razões.
No primeiro
ano da pandemia, 61% dos portugueses
inquiridos não leram nenhum livro em papel, contra 38% dos
espanhóis.
A leitura de livros digitais foi feita por 10% dos inquiridos portugueses em comparação a 20% dos de Espanha.
À luz do que
os dados do inquérito permitem apurar, o contexto familiar e as práticas incutidas na infância e adolescência
têm influência nos hábitos de leitura. A maioria dos inquiridos revelou
que nunca foi acompanhado pelos pais ou outro familiar a uma livraria, uma
feira do livro ou a uma biblioteca. Além disso, 47% admitiu nunca ter recebido
um livro e 54% nunca leu um livro de histórias. Estas podem ser algumas das
razões para os portugueses lerem pouco e cada vez menos: uma realidade mais
distante para os inquiridos mais jovens
e aqueles cujos pais têm ou tinham qualificações académicas superiores, que reconhecem
esse apoio familiar e usufruíram de mais experiencia de aproximação ao mundo do
livro. Os dados denunciam a manutenção de assimetrias sociais na criação
de hábitos de leitura e sinalizam uma mudança. O facto de os jovens de terem
pais mais escolarizados que os das gerações mais velhas e, por isso, mais
sensíveis ao valor cultural da leitura evidencia o importante elo de
transmissão geracional: a democratização do acesso à educação potencia ganhos
culturais nas gerações sucessoras.
Embora os
números sejam baixos, os portugueses ainda encaram os livros como um refúgio.
A larga
maioria dos inquiridos (68%) lê livros por
prazer e a percentagem eleva-se com o
avanço da idade, sendo maior nos mais idosos e os indivíduos de mais baixa
instrução. Esta tendência não se verifica nos jovens dos 15 aos 24 anos,
que leem para estudar ou fazer trabalhos escolares (45%). Porém, o privilégio concedido à leitura por prazer verifica-se
seja qual for a classe socioprofissional dos portugueses.
Os jornais são o objeto da cultura impressa com mais leitores, com 43% dos inquiridos a afirmarem que leram jornais
em papel no último ano. Só depois vêm os livros, que contam com mais leitores
que as revistas (39% e 32%, respetivamente). Também na esfera digital os jornais são a publicação
mais lida (por 21% dos portugueses inquiridos), vindo só
depois, a maior distância, os livros e as revistas (10% de
leitores para ambos os formatos).
Enfim, há
muito trabalho a fazer no sentido de criar leitores com gosto. Se o suporte
digital de leitura é de fácil acesso e é bem-vindo, a incentivação à leitura em
suporte de papel é benfazeja pela capacidade de concentração que suscita, pelo desenvolvimento
psico-motor que desencadeia e pelo especial prazer que dá mexer no papel, ao
mesmo tempo que não obriga à fixação permanente e unidirecional no objeto de leitura.
2022.03.04 – Louro de Carvalho
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