Di-lo o Padre Guilherme Guimarães
Peixoto, pároco de
Amorim e Laúndos, na Arquidiocese de Braga, capelão militar, DJ e presença
habitual nas redes sociais, em programas de televisão e até em spots
publicitários, onde se apresenta com humor.
Em entrevista à “Renascença”
e à “Ecclesia” publicada no dia 27 de
fevereiro, mas gravada antes de a Rússia lançar a ofensiva militar na Ucrânia, na madrugada
de 24 de fevereiro, disse ter milhares de seguidores no Facebook e
Instagram, sustentou que a Igreja não pode deixar de estar nestes novos meios
de comunicação, desde que o saiba fazer, falou da ’alegria’ como marca do seu
sacerdócio, relacionou Carnaval e Quaresma e olhou para a situação na Ucrânia
com base na experiência que teve em serviço no Kosovo e no Afeganistão.
Começou por dizer que a
alegria sempre foi marca do seu sacerdócio, mas não tão visível como agora,
espelhada nas redes sociais e aliada como sempre ao bom humor.
Sobre as redes sociais,
onde tem presença diversificada, apontou que quem as utiliza tem de trabalhar,
pois é preciso produzir conteúdos (“Estar por estar, mais vale não fazer nada”), mas é um
trabalho fantástico que dá para chegar a tanta gente que doutro modo seria
inviável.
Conhecido como o ‘padre
DJ’, pela animação musical que faz no ‘Ar de Rock Laúndos”, espaço que criou ao
lado da capela do monte de S. Félix, para dinamizar a comunidade local, disse
que não se trata de ir para uma paróquia e criar lá tudo, o que seria muito
estranho, mas de algo que “nasceu na paróquia e com a paróquia, com os paroquianos”: acabava a
catequese em fins de junho ou o início de julho, abria-se este espaço, que
terminava no primeiro fim de semana de setembro. O trabalho é desenvolvido por
membros dos grupos corais das paróquias de Amorim e Laúndos, ministros da comunhão,
do conselho económico e mais pessoas que se juntaram àquelas, todos voluntários.
Tudo começou com um pequeno espaço que foi aumentando, as pessoas foram
trabalhando e hoje, mercê da sua dimensão, para quem ali chega o espaço é “quase
inacreditável”. Todos estão ansiosos por que reabra normalmente, mas o padre, aconselha
a que se veja como decorrerá a pandemia. Como explicitou, “mal chegou a
pandemia encerrámos”, pois, são voluntários e há a responsabilidade de não
proporcionar nada que possa pôr em perigo a sua saúde.
‘Ar de Rock Laúndos”, tendo
começado em 2005, já
apanhou várias gerações e há alguns que, desde o início, continuam dedicados ao
projeto, que levou também ao ‘Laúndos em movimento’, criado com o apoio das
equipas do primeiro. E o Padre Peixoto referiu os convites da câmara municipal para
os dias especiais da Póvoa de Varzim, com destaque para os ‘Dias no Parque’, feira
local das associações, em que o padre está como DJ, para animar uma das noites.
Também no São Pedro, a grande festa da cidade, ao longo dos últimos anos têm ido
animar lá uma praça, com as barraquinhas e o palco, o que representa uma das
fontes de receita da paróquia. Assim, pagaram a dívida, restauraram a igreja
matriz e trabalham para a sede dos escuteiros. Infelizmente tiveram de parar estes
dois anos, mas com a retoma vão “encher o peito, cheios de força”.
Revelou como no
confinamento recorreu à internet e às redes sociais para ir partilhando
música, como DJ. A primeira comunicação que fez foi um PDF, que partilhou no Facebook da
paróquia e no pessoal. Enviaram-no aos colaboradores principais da paróquia,
com avisos sobre como fazer na pandemia, com o encerramento das igrejas, e como
fazer catequese não presencial, explicando as regras sanitárias a observar com
a ajuda de amigos médicos, um deles ligado ao INSA (Instituto Nacional Ricardo Jorge). A princípio, houve dificuldades de comunicação, mas foi-se aperfeiçoando
tudo com o trabalho. Assim, com o texto, começou fazer vídeos com algum humor.
E surgiu a veia humorística nas redes sociais para prender as pessoas e
induzi-las à leitura. Produziu a série ‘A
vida de um padre em confinamento’, a partilhar com humor momentos do
quotidiano em casa, celebrar a missa sozinho, fazer as suas orações. E surgiram
os lives nas redes sociais com música.
Falando da importância da
criação de conteúdos específicos para cada rede social, admitiu que, para ter
alcance com o que diz sobre a Igreja e a vida católica, precisou de produzir
muitos conteúdos que não tivessem nada a ver. Porém, frisou que “uma coisa é uma instituição, outra coisa é
a título pessoal”. Não obstante, sentiu que, a partir do momento em que
passou a produzir conteúdos que não tinham a ver diretamente com a Igreja, por
exemplo “conteúdos com humor, ligados às mais diversas situações” do seu
quotidiano, “as pessoas começaram a partilhá-los” e, depois, quando publicava
algo mais específico da Igreja, “as pessoas comentavam e interagiam, quem tinha
fé e quem não tinha”. E esse dinamismo continua. Claro, esta forma de ação
“ajudou muito nos confinamentos, na pandemia” e ajudou-o “também muito a passar
algum tempo em casa”. Hoje interroga-se se “ainda fazem assim tanta falta as
redes sociais, com tanto trabalho que já temos nas paróquias”, como se
interroga se “faz sentido parar”.
Observando que a fé também se alimenta nas plataformas
digitais, estando onde as pessoas estão e falando a sua linguagem, revelou ter
criado, com o apoio da “Ecclesia”,
um link direto em que a “Ecclesia”, ao
transmitir cerimónias religiosas (o terço é uma), entra em direto na página de FB do padre e,
àquela hora, “estão as pessoas à espera para rezar o terço e comentar, à noite”.
Questionado sobre o modo
como é visto pelos seus pares, por exercer o ministério desta forma, sempre com
alegria e bom humor, e com a música a ter um lugar importante, em contraste com
o resto da Igreja, que para muitos ainda dá uma imagem “triste” e
“sisuda”, atalhou que não lhe interessa o que pensam os outros padres, mas o
que o seu bispo pensa. A este respeito, sublinhou que o Arcebispo
emérito lhe recomendava cuidado, mas que andasse para a frente. Já falou
com Dom José Cordeiro sobre isto, mas, como o Arcebispo entrou há dias na
Arquidiocese, o padre ainda não tem à vontade com ele. E explicitou que já
conhecia Dom Jorge Ortiga, pois era Bispo auxiliar e Peixoto, que andava no
seminário, é sacerdote desde 1999, praticamente desde que o Dom Jorge era Arcebispo
de Braga (são 20 e tais anos). E, quando começou a fazer os vídeos, enviava-lhos por WhatsApp; ele via,
às vezes respondia e ria; sempre esteve dentro do processo.
A propósito, defende que “o importante na vida do
padre é a comunhão com o seu bispo”. Sente que alguns padres gostam, outros não,
mas afirma que “o importante é que cada um veja como é que pode levar a
mensagem”. Contudo, anota que “hoje as pessoas andam com o telemóvel na mão o
dia todo”, pelo que, se a Igreja está com as pessoas, “tem de jogar as regras
do jogo” e “não pode querer estar nas redes sociais da mesma forma que está no
jornal diocesano ou na internet, no site, no formato de púlpito”. Na verdade, como
detalha, “num site, a Igreja publica os seus conteúdos, e as pessoas leem,
partilha quem quiser” e, “num jornal, publicam-se os conteúdos” e as pessoas
leem se querem, mas, nas redes sociais, se a Igreja só publicar
conteúdos, faz delas “um boletim paroquial, não cria relação” e “as
redes sociais são relação”, que é preciso criar.
Reconhece que o recurso ao
humor ou um padre alegre ainda é algo estranho para muita gente. Com efeito, ao
chegar ao Tik Tok, muitas pessoas
lhe perguntavam: “mas você é mesmo padre?”.
Sobre a representação dos
padres em novelas, sketches humorísticos, etc., sustenta que “a maior parte das pessoas não conhece o
padre fora do altar”. Adverte as pessoas podem ficar desiludidas se
encararem a Missa que ele celebra como espetáculo. Até se confessa “muito
tradicionalista no respeito e no amor à Tradição, na Igreja”, mas entende que,
fora do altar, no respeito pelos princípios que o norteiam e no que é ser
padre, pode “rir à vontade, ser alegre”.
As pessoas veem “o padre sério, na igreja, sisudo,
concentrado na homília, na reflexão”. Com efeito, muitas vão à igreja “numa
cerimónia, num batismo, num funeral…”. Tirando as que vão à Missa ao domingo, “a
maioria tem com o padre um contacto pontual”.
Ainda quanto à pertinência do uso das redes sociais,
sustenta que os padres as devem usar sem medo, até com o risco de que se fará
muita coisa que não resulta. Têm de se capacitar para serem os primeiros a
analisar o que fizeram para corrigir e evoluir. Conta que, em conversa com Dom
Jorge, lhe perguntava se o queria nas redes sociais. E ele terá respondido que
sim, “mas que visse bem o que ia fazer”. E o interlocutor desafiou-o a indicar-lhe
um padre que esteja nas redes sociais ou a arranjar-lhe um manual. Como não há
manuais nem há muitos padres nas redes sociais, este “é um caminho que cada um
tem de fazer” e, “se não fizermos o caminho, nunca vamos saber”.
***
Tendo em conta que o
Carnaval abrange dias associados ao excesso, mas ligados ao início da Quaresma,
o tempo de preparação para a Páscoa, os entrevistadores confrontaram o padre
com o imediatismo em que vivemos deixando de haver a consciência da ligação
entre as duas vivências.
Sobre isto, lembra que, no trabalho como capelão
militar, fazia palestras de âmbito cultural e, nesta altura, falava do Carnaval
deixando muitos admirados como o Carnaval tem a ver com a Igreja – come-se
carne e entra-se na Quaresma; entrudo introitus
(entrada) na Quaresma. E vincou:
“Das
palavras que nós usamos para dizer Carnaval, até às máscaras – na Idade Média
era feita uma grande festa nos adros das igrejas, onde o povo se mascarava com
medo de represálias e tinha a liberdade de poder criticar tudo e todos. Foi
quando surgiram as sátiras. O certo é que a máscara aparece quase como uma
proteção, para que houvesse alegria, sátira. A Igreja permitia que isso
acontecesse. Depois entrava no tempo da Quaresma, mais de recolhimento, de
penitência (…) o jejum, a abstinência. Por isso, mais importância tinha esta
festa, o Carnaval, para as pessoas se libertarem, porque na nossa vida há
espaço para tudo, a alegria, a oração; e uma coisa não impede a outra.”.
No quadro da sua vertente
militar, recorda que foi capelão no Kosovo e no Afeganistão: o Kosovo estava praticamente em paz e,
pouco depois, a força de manutenção de paz deixou de estar no terreno, era a
reta final do apoio que Portugal estava lá a prestar; e, no Afeganistão, o que
mais o impressionava era desfile de moda militar com EUA, Alemanha, França…: “cada
país colocava lá o melhor que tinha”. As tropas portuguesas não participavam,
mas o capelão diz que “víamos lá carros de combate que nem imaginávamos que
existissem!”.
Refere que uma forma de atacar os carros era com as minas;
e, sendo as viaturas blindadas, às vezes os militares não morriam pela força da
explosão, mas pelo impacto. Por isso, apareceram carros em forma de barco, com
o fundo em ‘V’. E pensa na importância de o mundo vir a não permitir que a
indústria do armamento fique nas mãos de civis, pois as empresas precisam de
“passerelles” para mostrar o material.
Não tem dúvida de que os militares querem a paz, não a
guerra. Também eles têm família, filhos, mas querem “estar preparados para
defender o seu país, preparados para o pior, mas que não aconteça”. Espera que “os
interesses económicos não se sobreponham à guerra”. Frisa que o Papa dizia que
os prémios Nobel da Paz estão associados à guerra, quando a paz deveria
ser uma cultura de um país, que vai além das armas: viver em paz connosco, sem
conflitos, sem guerras, seja nas redes sociais, seja no quotidiano. Ao falarmos
de paz, esquecemos tantos pormenores da nossa vida que são conflito permanente:
cultiva-se a guerra, mesmo fora das armas.
Sobre o presente conflito na Ucrânia, diz esperar que “a
indústria da guerra não fale mais alto do que a importância da paz e da
dignidade humana”, com toda a miséria que resultará do conflito. Vinca a
necessidade de olhar para as notícias e menos para os programas de
entretenimento: devia tirar-nos o sono pensar que milhões de pessoas morrem ou
ficam deslocadas, refugiadas. É um drama terrível às nossas portas, que não
podemos olhar como se fosse um reality show. Se há uma explosão, tão depressa
se partilha isso nas redes sociais como depois nunca mais se quer saber…
E,
voltando às redes sociais, alerta para o cuidado a ter com a cultura do
imediato e do descarte, na lógica do consumo que gera a apetência das redes
sociais, quando “há dramas a acontecer no mundo que não podem ser descartados”.
Por fim, chama a atenção para a necessidade de os
cristãos não deixarem de rezar – e muito – pela paz, porque “estes tempos que
vivemos são tremendos e muito duros”.
2022.03.04 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário