sexta-feira, 4 de março de 2022

Os padres devem usar sem medo as redes sociais

 

Di-lo o Padre Guilherme Guimarães Peixoto, pároco de Amorim e Laúndos, na Arquidiocese de Braga, capelão militar, DJ e presença habitual nas redes sociais, em programas de televisão e até em spots publicitários, onde se apresenta com humor. 

Em entrevista à “Renascença” e à “Ecclesia” publicada no dia 27 de fevereiro, mas gravada antes de a Rússia lançar a ofensiva militar na Ucrânia, na madrugada de 24 de fevereiro, disse ter milhares de seguidores no Facebook e Instagram, sustentou que a Igreja não pode deixar de estar nestes novos meios de comunicação, desde que o saiba fazer, falou da ’alegria’ como marca do seu sacerdócio, relacionou Carnaval e Quaresma e olhou para a situação na Ucrânia com base na experiência que teve em serviço no Kosovo e no Afeganistão.

Começou por dizer que a alegria sempre foi marca do seu sacerdócio, mas não tão visível como agora, espelhada nas redes sociais e aliada como sempre ao bom humor.

Sobre as redes sociais, onde tem presença diversificada, apontou que quem as utiliza tem de trabalhar, pois é preciso produzir conteúdos (“Estar por estar, mais vale não fazer nada”), mas é um trabalho fantástico que dá para chegar a tanta gente que doutro modo seria inviável. 

Conhecido como o ‘padre DJ’, pela animação musical que faz no ‘Ar de Rock Laúndos”, espaço que criou ao lado da capela do monte de S. Félix, para dinamizar a comunidade local, disse que não se trata de ir para uma paróquia e criar lá tudo, o que seria muito estranho, mas de algo que “nasceu na paróquia e com a paróquia, com os paroquianos”: acabava a catequese em fins de junho ou o início de julho, abria-se este espaço, que terminava no primeiro fim de semana de setembro. O trabalho é desenvolvido por membros dos grupos corais das paróquias de Amorim e Laúndos, ministros da comunhão, do conselho económico e mais pessoas que se juntaram àquelas, todos voluntários. Tudo começou com um pequeno espaço que foi aumentando, as pessoas foram trabalhando e hoje, mercê da sua dimensão, para quem ali chega o espaço é “quase inacreditável”. Todos estão ansiosos por que reabra normalmente, mas o padre, aconselha a que se veja como decorrerá a pandemia. Como explicitou, “mal chegou a pandemia encerrámos”, pois, são voluntários e há a responsabilidade de não proporcionar nada que possa pôr em perigo a sua saúde.

‘Ar de Rock Laúndos”, tendo começado em 2005, já apanhou várias gerações e há alguns que, desde o início, continuam dedicados ao projeto, que levou também ao ‘Laúndos em movimento’, criado com o apoio das equipas do primeiro. E o Padre Peixoto referiu os convites da câmara municipal para os dias especiais da Póvoa de Varzim, com destaque para os ‘Dias no Parque’, feira local das associações, em que o padre está como DJ, para animar uma das noites. Também no São Pedro, a grande festa da cidade, ao longo dos últimos anos têm ido animar lá uma praça, com as barraquinhas e o palco, o que representa uma das fontes de receita da paróquia. Assim, pagaram a dívida, restauraram a igreja matriz e trabalham para a sede dos escuteiros. Infelizmente tiveram de parar estes dois anos, mas com a retoma vão “encher o peito, cheios de força”. 

Revelou como no confinamento recorreu à internet e às redes sociais para ir partilhando música, como DJ. A primeira comunicação que fez foi um PDF, que partilhou no Facebook da paróquia e no pessoal. Enviaram-no aos colaboradores principais da paróquia, com avisos sobre como fazer na pandemia, com o encerramento das igrejas, e como fazer catequese não presencial, explicando as regras sanitárias a observar com a ajuda de amigos médicos, um deles ligado ao INSA (Instituto Nacional Ricardo Jorge). A princípio, houve dificuldades de comunicação, mas foi-se aperfeiçoando tudo com o trabalho. Assim, com o texto, começou fazer vídeos com algum humor. E surgiu a veia humorística nas redes sociais para prender as pessoas e induzi-las à leitura. Produziu a série ‘A vida de um padre em confinamento’, a partilhar com humor momentos do quotidiano em casa, celebrar a missa sozinho, fazer as suas orações. E surgiram os lives nas redes sociais com música.

Falando da importância da criação de conteúdos específicos para cada rede social, admitiu que, para ter alcance com o que diz sobre a Igreja e a vida católica, precisou de produzir muitos conteúdos que não tivessem nada a ver. Porém, frisou que “uma coisa é uma instituição, outra coisa é a título pessoal”. Não obstante, sentiu que, a partir do momento em que passou a produzir conteúdos que não tinham a ver diretamente com a Igreja, por exemplo “conteúdos com humor, ligados às mais diversas situações” do seu quotidiano, “as pessoas começaram a partilhá-los” e, depois, quando publicava algo mais específico da Igreja, “as pessoas comentavam e interagiam, quem tinha fé e quem não tinha”. E esse dinamismo continua. Claro, esta forma de ação “ajudou muito nos confinamentos, na pandemia” e ajudou-o “também muito a passar algum tempo em casa”. Hoje interroga-se se “ainda fazem assim tanta falta as redes sociais, com tanto trabalho que já temos nas paróquias”, como se interroga se “faz sentido parar”.

Observando que a fé também se alimenta nas plataformas digitais, estando onde as pessoas estão e falando a sua linguagem, revelou ter criado, com o apoio da “Ecclesia”, um link direto em que a “Ecclesia”, ao transmitir cerimónias religiosas (o terço é uma), entra em direto na página de FB do padre e, àquela hora, “estão as pessoas à espera para rezar o terço e comentar, à noite”.

Questionado sobre o modo como é visto pelos seus pares, por exercer o ministério desta forma, sempre com alegria e bom humor, e com a música a ter um lugar importante, em contraste com  o resto da Igreja, que para muitos ainda dá uma imagem “triste” e “sisuda”, atalhou que não lhe interessa o que pensam os outros padres, mas o que o seu bispo pensa. A este respeito, sublinhou que o Arcebispo emérito lhe recomendava cuidado, mas que andasse para a frente. Já falou com Dom José Cordeiro sobre isto, mas, como o Arcebispo entrou há dias na Arquidiocese, o padre ainda não tem à vontade com ele. E explicitou que já conhecia Dom Jorge Ortiga, pois era Bispo auxiliar e Peixoto, que andava no seminário, é sacerdote desde 1999, praticamente desde que o Dom Jorge era Arcebispo de Braga (são 20 e tais anos). E, quando começou a fazer os vídeos, enviava-lhos por WhatsApp; ele via, às vezes respondia e ria; sempre esteve dentro do processo.

A propósito, defende que “o importante na vida do padre é a comunhão com o seu bispo”. Sente que alguns padres gostam, outros não, mas afirma que “o importante é que cada um veja como é que pode levar a mensagem”. Contudo, anota que “hoje as pessoas andam com o telemóvel na mão o dia todo”, pelo que, se a Igreja está com as pessoas, “tem de jogar as regras do jogo” e “não pode querer estar nas redes sociais da mesma forma que está no jornal diocesano ou na internet, no site, no formato de púlpito”. Na verdade, como detalha, “num site, a Igreja publica os seus conteúdos, e as pessoas leem, partilha quem quiser” e, “num jornal, publicam-se os conteúdos” e as pessoas leem se querem, mas, nas redes sociais, se a Igreja só publicar conteúdos, faz delas “um boletim paroquial, não cria relação” e “as redes sociais são relação”, que é preciso criar.

Reconhece que o recurso ao humor ou um padre alegre ainda é algo estranho para muita gente. Com efeito, ao chegar ao Tik Tok, muitas pessoas lhe perguntavam: “mas você é mesmo padre?”.

Sobre a representação dos padres em novelas, sketches humorísticos, etc., sustenta que “a maior parte das pessoas não conhece o padre fora do altar”. Adverte as pessoas podem ficar desiludidas se encararem a Missa que ele celebra como espetáculo. Até se confessa “muito tradicionalista no respeito e no amor à Tradição, na Igreja”, mas entende que, fora do altar, no respeito pelos princípios que o norteiam e no que é ser padre, pode “rir à vontade, ser alegre”.

As pessoas veem “o padre sério, na igreja, sisudo, concentrado na homília, na reflexão”. Com efeito, muitas vão à igreja “numa cerimónia, num batismo, num funeral…”. Tirando as que vão à Missa ao domingo, “a maioria tem com o padre um contacto pontual”.

Ainda quanto à pertinência do uso das redes sociais, sustenta que os padres as devem usar sem medo, até com o risco de que se fará muita coisa que não resulta. Têm de se capacitar para serem os primeiros a analisar o que fizeram para corrigir e evoluir. Conta que, em conversa com Dom Jorge, lhe perguntava se o queria nas redes sociais. E ele terá respondido que sim, “mas que visse bem o que ia fazer”. E o interlocutor desafiou-o a indicar-lhe um padre que esteja nas redes sociais ou a arranjar-lhe um manual. Como não há manuais nem há muitos padres nas redes sociais, este “é um caminho que cada um tem de fazer” e, “se não fizermos o caminho, nunca vamos saber”.

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Tendo em conta que o Carnaval abrange dias associados ao excesso, mas ligados ao início da Quaresma, o tempo de preparação para a Páscoa, os entrevistadores confrontaram o padre com o imediatismo em que vivemos deixando de haver a consciência da ligação entre as duas vivências.

Sobre isto, lembra que, no trabalho como capelão militar, fazia palestras de âmbito cultural e, nesta altura, falava do Carnaval deixando muitos admirados como o Carnaval tem a ver com a Igreja – come-se carne e entra-se na Quaresma; entrudo introitus (entrada) na Quaresma. E vincou:

Das palavras que nós usamos para dizer Carnaval, até às máscaras – na Idade Média era feita uma grande festa nos adros das igrejas, onde o povo se mascarava com medo de represálias e tinha a liberdade de poder criticar tudo e todos. Foi quando surgiram as sátiras. O certo é que a máscara aparece quase como uma proteção, para que houvesse alegria, sátira. A Igreja permitia que isso acontecesse. Depois entrava no tempo da Quaresma, mais de recolhimento, de penitência (…) o jejum, a abstinência. Por isso, mais importância tinha esta festa, o Carnaval, para as pessoas se libertarem, porque na nossa vida há espaço para tudo, a alegria, a oração; e uma coisa não impede a outra.”.

No quadro da sua vertente militar, recorda que foi capelão no Kosovo e no Afeganistão: o Kosovo estava praticamente em paz e, pouco depois, a força de manutenção de paz deixou de estar no terreno, era a reta final do apoio que Portugal estava lá a prestar; e, no Afeganistão, o que mais o impressionava era desfile de moda militar com EUA, Alemanha, França…: “cada país colocava lá o melhor que tinha”. As tropas portuguesas não participavam, mas o capelão diz que “víamos lá carros de combate que nem imaginávamos que existissem!”.

Refere que uma forma de atacar os carros era com as minas; e, sendo as viaturas blindadas, às vezes os militares não morriam pela força da explosão, mas pelo impacto. Por isso, apareceram carros em forma de barco, com o fundo em ‘V’. E pensa na importância de o mundo vir a não permitir que a indústria do armamento fique nas mãos de civis, pois as empresas precisam de “passerelles” para mostrar o material.

Não tem dúvida de que os militares querem a paz, não a guerra. Também eles têm família, filhos, mas querem “estar preparados para defender o seu país, preparados para o pior, mas que não aconteça”. Espera que “os interesses económicos não se sobreponham à guerra”. Frisa que o Papa dizia que os prémios Nobel da Paz estão associados à guerra, quando a paz deveria ser uma cultura de um país, que vai além das armas: viver em paz connosco, sem conflitos, sem guerras, seja nas redes sociais, seja no quotidiano. Ao falarmos de paz, esquecemos tantos pormenores da nossa vida que são conflito permanente: cultiva-se a guerra, mesmo fora das armas.

Sobre o presente conflito na Ucrânia, diz esperar que “a indústria da guerra não fale mais alto do que a importância da paz e da dignidade humana”, com toda a miséria que resultará do conflito. Vinca a necessidade de olhar para as notícias e menos para os programas de entretenimento: devia tirar-nos o sono pensar que milhões de pessoas morrem ou ficam deslocadas, refugiadas. É um drama terrível às nossas portas, que não podemos olhar como se fosse um reality show. Se há uma explosão, tão depressa se partilha isso nas redes sociais como depois nunca mais se quer saber…

E, voltando às redes sociais, alerta para o cuidado a ter com a cultura do imediato e do descarte, na lógica do consumo que gera a apetência das redes sociais, quando “há dramas a acontecer no mundo que não podem ser descartados”.

Por fim, chama a atenção para a necessidade de os cristãos não deixarem de rezar – e muito – pela paz, porque “estes tempos que vivemos são tremendos e muito duros”.

2022.03.04 – Louro de Carvalho

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