quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Unesco propõe “novo contrato social” para o setor da educação

 

A Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) imagina um cenário em que todas as escolas servirão de modelo para o respeito dos direitos humanos.

Na verdade, em novo relatório “Futuros da Educação: Reimaginando os nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação”, que suscitou a consulta a mais de 1 milhão de pessoas, aquela agência da ONU pede reflexão sobre o tipo de educação que o mundo imagina e quer em 2050, mencionando práticas a manter e outras que podem ser abandonadas, bem como sugerindo criatividade. O principal ponto é a pedagogia baseada na cooperação e solidariedade, por um mundo com mais compaixão.

A produção do relatório, apresentado ao mundo a 10 de novembro pp, levou 2 anos e foca-se na transformação do sistema educacional, para o tornar mais justo, humano e sustentável, e na transformação do mundo com empatia e compaixão, pelo que propõe que a “pedagogia tenha como base os princípios da cooperação, colaboração e solidariedade”, levando em conta as capacidades intelectuais e morais dos alunos, o que implica reverter preconceitos e divisões.

Também a Unesco recomenda que os currículos escolares deem foco à aprendizagem intercultural e interdisciplinar para que os estudantes produzam conhecimento e desenvolvam a suas capacidades críticas. O documento defende que o programa educacional “abrace conhecimentos sobre ecologia, para que a humanidade reequilibre a maneira com que se relaciona com o planeta Terra”; releva a importância em combater a desinformação, devendo as escolas aplicar conhecimentos científicos, digitais e humanísticos que desenvolvam as habilidades dos alunos de saber diferenciar informações falsas das verdadeiras; e sugere um futuro no qual os professores sejam sempre reconhecidos pela sua importância na transformação social, pelo que as principais caraterísticas da atuação dos docentes devem ser a colaboração e o trabalho em equipa, com práticas pedagógicas focadas na autonomia, liberdade e inclusão.

Assim, é imaginável um cenário em que todas as escolas sirvam de modelo de respeito pelos direitos humanos, sendo ambientes capazes de unir grupos diversos e expor os alunos a desafios e possibilidades únicos, com foco no trabalho em equipa.

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A 29 de novembro de 2021, a Fundação SM – obra de religiosos, ligada à ordem Marianista, na Espanha e criada em 1977 com a missão de contribuir para o desenvolvimento integral das pessoas por meio da educação – garantiu que publicaria o predito relatório em português e espanhol em fevereiro de 2022, bem como as próximas cinco edições nestas duas línguas. Com efeito, o documento convida governos e cidadãos do mundo a forjar uma nova visão, regida por princípios como o reforço da educação como bem público e comum, aumentando o investimento nela, na linha do escopo da Fundação, incentivando o pensamento diferente sobre a aprendizagem e as relações entre os estudantes, os professores, o conhecimento e o mundo e defendendo sobretudo o papel dos professores.

Nas palavras de Mayte Ortiz, diretora global da Fundação SM, “vivemos um tempo decisivo para tornar a Terra um lugar humanamente habitável e “este grande desafio só poderá ser alcançado por meio da educação e em parceria com outras entidades”. Para a Fundação SM, é uma honra e grande alegria trabalhar em parceria com a Unesco para fazer chegar às escolas o impulso e motivação necessários para compreender e tornar realidade Os futuros da educação”.

Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco, e Sahle-Work Zewde, presidenta da Etiópia, apresentaram este relatório, que é o resultado de um trabalho de dois anos, conduzido por uma comissão internacional independente, de que faz parte o português Sampaio da Nóvoa, a qual, para dar corpo a esta reflexão global, além de mais de um milhão de cidadãos, consultou 400 escolas associadas e 200 cátedras Unesco em todo o mundo. A sua leitura do relatório vê o tratamento pormenorizado de temas ligados às tecnologias digitais, à mudança climática, ao retrocesso democrático e à polarização social, bem como às incertezas em relação ao futuro no mercado de trabalho. De acordo com as conclusões do documento, é urgente a mobilização para criar novos contratos sociais ligados à educação que permitam colaborar com o objetivo de forjar futuros pacíficos, justos e sustentáveis para todas as pessoas.

Por tudo isto, os países membros da Unesco comprometem-se a alocar 15% a 20% do gasto público à educação e a aumentar o volume, previsibilidade e eficácia da ajuda internacional à educação pelo cumprimento da doação de 7% do PIB para a ajuda oficial ao desenvolvimento.

Nestes termos, está constituída a “Agenda para a educação em 2050”, segundo a qual pode a educação constituir um contrato social proposto pela Unesco para superar a discriminação, a marginalização e a exclusão, devendo garantir a igualdade de género e os direitos de todos, independentemente de raça, origem étnica, religião, deficiência, orientação sexual, idade ou cidadania. Para tanto, é necessário um grande compromisso em favor do diálogo social e do pensamento e ação conjuntos.

Porém, o novo contrato social propõe renovar a educação: organizando a pedagogia  em torno dos princípios de cooperação, colaboração e solidariedade; levando os currículos a dar ênfase a uma aprendizagem ecológica, intercultural e interdisciplinar que ajude os alunos a aceder a conhecimentos e a produzi-los, desenvolvendo ao mesmo tempo a sua capacidade de os criticar e aplicar; continuando na aposta da profissionalização do ensino como um esforço colaborativo em que o papel dos professores como produtores de conhecimento e figuras essenciais na transformação educacional e social seja reconhecido; tornando as escolas locais educacionais protegidos, visto que promovem a inclusão, a equidade e o bem-estar individual e coletivo, pelo que devem ser reinventadas a fim de facilitar ainda mais a transformação do mundo em direção a futuros mais justos, equitativos e sustentáveis; levando as pessoas e instituições a aproveitar e fortalecer as oportunidades educacionais que surgem ao longo da vida e em diferentes contextos culturais e sociais.

O novo contrato social em referência vem na continuidade do 4.º ODS (objetivo de desenvolvimento sustentável) um dos 17 ODS definidos pela ONU para 2030 – “educação e qualidade” – que se desdobra em: garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade; e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.  

Nestes termos, até 2020, ONU propôs-se ampliar substancialmente, a nível global, o número de bolsas de estudo para os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países africanos, para o ensino superior, incluindo programas de formação profissional, de tecnologia da informação e da comunicação, técnicos, de engenharia e programas científicos em países desenvolvidos e outros países em desenvolvimento. A tal ampliação substancial é a batalha de todos os dias.

Até 2030, a agenda da educação comprometia-se a:  

- Garantir que todas as meninas e meninos completam o ensino primário e secundário, de acesso livre, equitativo e de qualidade e conducente a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes; e têm acesso a um desenvolvimento de qualidade na 1.ª fase da infância, bem como a cuidados e educação pré́-escolar, de modo a estarem preparados para o ensino primário;

- Assegurar a igualdade de acesso de todos, homens e mulheres, à educação técnica, profissional e superior de qualidade, a preços acessíveis (incluindo à universidade); aumentar substancialmente o número de jovens e adultos que tenham habilitações relevantes (inclusive competências técnicas e profissionais) para emprego, trabalho decente e empreendedorismo; eliminar as disparidades de género na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e crianças em situação de vulnerabilidade; e garantir que todos os jovens e substancial proporção dos adultos, homens e mulheres, sejam alfabetizados e tenham adquirido o conhecimento básico de matemática;

- Garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, pela educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de género, promoção da cultura de paz e da não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável;

- Construir e melhorar instalações físicas para educação, apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e à igualdade de género, e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros e não violentos, inclusivos e eficazes para todos; e aumentar substancialmente o contingente de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento.

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Como foi referido, ao longo de dois anos e com base nas contribuições de mais de um milhão de pessoas, uma Comissão Internacional independente sob a liderança da Presidente da Etiópia, tendo ouvido 400 escolas e 200 Cátedras Unesco, preparou este relatório global.

A Unesco lançou o projeto, em setembro de 2019, baseando-se num processo mundial consultivo amplo e aberto que envolveu jovens, educadores, sociedade civil, governos, empresas e outras partes interessadas – uma iniciativa de cariz global para repensar a educação e moldar  o futuro, na convicção de que o conhecimento e a aprendizagem podem moldar o futuro da humanidade e do planeta. Dedicado aos professores e alunos que foram perturbados pela pandemia, o relatório não é só o resultado dum plano, mas é o resultado vivo da contribuição de todos, pois “a humanidade tem futuros comuns e para forjar futuros pacíficos, justos e sustentáveis, é preciso transformar a própria educação”.

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É estranho que o JN (deste dia 5), noticiando que Sampaio da Nóvoa, embaixador de Portugal na Unesco, iria apresentar o relatório na Universidade da Madeira, propale que a Unesco recusa digitalização da escola, quando o que pretende é o acesso universal à escola e à educação, mas rejeitando-se o ensino à distância como regra. De resto a digitalização é ferramenta adequada. E é calunioso dizer-se que o ensino ainda está nos moldes do século XIX. Nem tão pouco…

2022.01.05 – Louro de Carvalho

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