Surge no
debate eleitoral por iniciativa do partido do Governo cessante e mantém-se de
vez em quando timidamente como um dos parentes mais pobres dos temas
eleitorais. Em boa verdade, ninguém diz a sério que regionalização quer ou se é
preciso rever a lei-quadro que está em vigor e que mapa de regionalização se
quer para o país. Sabe-se que, em geral, os partidos com assento parlamentar
divergem sobre a data para um eventual referendo sobre a regionalização e sobre
os mapas de regiões administrativas a instituir, embora concordem todos com a
necessidade de uma maior descentralização.
Anunciam-se
quase três anos de debate que esclareça tudo, no fim dos quais se procederá a
um referendo, que os comunistas entendem que é possível fazer em finais de
2023.
O tema foi
objeto duma conferência intitulada “Regionalização:
agora ou nunca”, organizada pelo “Diário
de Notícias”, “Jornal de Notícias”
e “TSF”, que decorreu no dia 12 de
janeiro no Cinema São Jorge, em Lisboa e onde representantes dos partidos com
assento parlamentar se pronunciaram sobre a regionalização, após o
Primeiro-Ministro se ter mostrado favorável à organização dum referendo em
2024, vindo o Presidente da República dizer que será positiva para o país, que
é um tema complexo e que é preciso que não se trate de um fogacho eleitoral,
mas que o debate se faça depois das eleições.
O PSD diz apoiar
um diálogo para “consensualizar essa ideia da regionalização”, com base num
calendário “não muito demorado”, mas põe como condição necessária para a
implantação das regiões administrativas que essa não envolva aumento de despesa
pública. E o PS quer terminar a descentralização em curso nas áreas da
educação, saúde e segurança social.
No âmbito da
conferência, José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, considerou
que, desde a posse do Governo de Costa em 2015, se tem assistido ao “mais amplo
movimento de descentralização que é conhecido desde 1976”. Ilustrou a sua
asserção com o processo de descentralização de competências em curso e com a
eleição dos presidentes e um vice-presidente das CCDR (Comissões
de Coordenação e Desenvolvimento Regionais) pelos autarcas e frisou:
“Sejamos capazes de consolidar esse
caminho e, em 2024, realizar o referendo. É esse o compromisso que temos e
assumimos em relação à regionalização: (…) regionalização, sim, com ponderação,
com consolidação de opções.”.
Arlindo
Cunha, membro da Direção do Conselho Estratégico Nacional do PSD e ex-ministro
de Cavaco Silva e de Durão Barroso, vincou “haver finalmente, ao fim de tantos
desencontros, algum consenso político essencial” sobre a regionalização,
sustentando que esta deve “avançar em três patamares, com calendários que se
intercetam”. Além da transferência de funções do Estado central para as
autarquias locais em curso – e que acusou de “errática”, apelando a que se
estabeleça um “calendário estabilizado”, com um “orçamento consistente e
estável” –, o socialdemocrata defendeu também a necessidade dum “plano de
medidas de desconcentração no atual quadro organizativo do Estado” e o
estabelecimento do “plano de criação das regiões administrativas com autarquias
regionais”. E sublinhou:
“O PSD propõe que se avance desde já
com um debate estruturado e calendarizado. (…) Deveremos consensualizar essa
ideia da regionalização, fazer esse debate estruturado, com base nesse
calendário – que não tem de ser muito demorado – e avançar para o referendo só
depois de fazermos este debate e termos este consenso básico entre as
principais forças políticas.”.
A
coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, observou que “nenhum
processo de regionalização que não seja capaz de combater a desigualdade e o
privilégio poderá trazer avanço e combater o atraso” de Portugal. E considerou
que “o Bloco defende um processo participado, aberto e democrático com vista à
regionalização”, pelo que aos acordos do bloco central para distribuição de
lugares nas CCDR, propõe “a clareza da democracia através da eleição direta dos
representantes do povo”. Porém, advertiu que a regionalização terá de suscitar
a exigência que puxa pelo país: “a democracia aproxima o povo, o investimento
nos serviços públicos, o combate à desigualdade”.
Pelo PCP, João
Oliveira, líder da sua bancada parlamentar, defendeu que deve ser iniciada uma
“consulta às assembleias municipais”, para que escolham entre dois mapas para
as futuras regiões administrativas – ou 5 regiões cuja área é equivalente à das
atuais CCDR, ou 8 regiões tal como foram submetidas a referendo em 1998 – sendo
que, uma vez terminada essa consulta, “a Assembleia da República deve assumir a
responsabilidade de criação da lei das regiões administrativas e a proposta de
convocação de um referendo”. E perspetivou:
“Desencadeando o processo já no
início de 2022, e cumprindo todos esses passos, parece-nos que o calendário que
propomos aponta a possibilidade de se concluir todo o processo com a criação em
concreto das regiões administrativas no final de 2023, com a eleição dos
respetivos órgãos”.
O
ex-dirigente do CDS José Ribeiro e Castro vincou ser o partido a “favor da
subsidiariedade e da descentralização”, mas opôs-se à regionalização nos moldes
propostos, considerando que quem passa dos atuais 18 distritos para 5 regiões
“não descentraliza coisa nenhuma”, apenas “litoraliza” e “centraliza, e em que
medida!”.
Inês de
Sousa Real, porta-voz do PAN, defendeu que o “processo de regionalização deve
ser participado, trabalhado antecipadamente”, de forma que as regiões saiam
beneficiadas, afirmando que o partido não acompanhará “soluções que se traduzem
em mais despesas para o Estado caso o processo não venha a ser feito de forma
adequada”.
O líder do
Chega, André Ventura, assumiu-se “frontalmente contra qualquer forma de
regionalização que não passe por um referendo” e “frontalmente a favor de todos
os modelos de desconcentração de subsidiariedade ou mesmo de desconexão de
competências que permitam descentralizar o território”, concordando com Ribeiro
e Castro de que, com 5 regiões, não se vai “descentralizar o território”, mas
antes “litoralizá-lo ainda mais”.
O presidente
da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, sublinhou que “os liberais
gostam da descentralização” e não da “concentração de poderes”, mas afirmou que
só aceitará um referendo sobre a regionalização caso fique claro “que poderes e
competências vão ter efetivamente as regiões”, como serão financiadas e qual o
mapa a apresentar aos portugueses.
***
É curioso
ver como políticos que estavam contra a regionalização descobriram as suas
virtualidades 45 anos depois de ela estar inscrita na Constituição e políticos
que dizem acreditar nela e tiveram a possibilidade de a debater e implantar a
empurraram com a barriga para a frente, pensando referendá-la no cinquentenário
da revolução abrilina.
Não sei se é
para acreditar em quem diz querer a regionalização desde que não se aumente a
despesa pública. Ora, se criamos novas assembleias e novos executivos, é óbvio
que se aumenta a despesa pública – os executivos têm de governar a tempo
inteiro e para as assembleias têm de, pelo menos, de se desembolsar verbas em
senhas de presença e deslocações, a menos que se esvazie totalmente o país das
direções-gerais e institutos públicos ou se crie a regionalização com base no
mecenato pondo as empresas a pagar a regionalização. No primeiro caso, deixamos
de olhar o país como um todo; no segundo, o poder político regional não será
independente do poder económico. Aliás, por um lado, é necessário purificar o
poder central da captura de que tem sido objeto pelo poder económico e pelos
interesses instalados e, por outro, fazer com que a médio prazo a economia do
país e a política financeira e fiscal venha a compensar as despesas decorrentes
da regionalização. A criação das CCDR e das direções regionais não transferiu
pessoal dos organismos centrais para as sedes regionais. Além disso, muitas
vezes, CCDR e direções regionais respondiam às solicitações locais dizendo que
“este assunto transcende-nos” e não raro havia duplicação de competências e
decisões contraditórias.
Portanto, na
implantação das regiões, deve ficar bem claro quais as competências das
freguesias, dos municípios, das regiões administrativas e do poder central (há
competências de que este não pode abrir mão), bem como a forma de articular as necessárias interdependência e
cooperação.
Não vale a
pena, tendo a sério no horizonte a regionalização, continuar com a
descentralização em curso. Com efeito, as competências transferidas do poder
central ou a transferir têm-no sido para os municípios e para as CCDR, sendo
estas organismos desconcentrados do poder central e não verdadeiros órgãos
regionais. Ora, com a regionalização, as competências transferíveis que ainda
estão no poder central passarão para os órgãos das regiões administrativas (assembleia
regional e governo regional). E as que
tiverem sido transferidas para os municípios ser-lhes-ão retiradas, na lógica
do “quem dá e torna a tirar ao inferno vai parar” ou continuam nos municípios,
a maior parte dos quais não tem escala?
Ademais,
falar da eleição dos presidentes da CCDR e de um dos dois vice-presidentes de
cada uma é brincar com os eleitores, ora porque a eleição resultou do jogo
entre PS e PSD, ora porque foi feita a partir dos autarcas, não a partir do
eleitorado da área geográfica da respetiva CCDR, ora porque não foi eleito
diretamente nem existe um órgão colegial deliberativo.
E que dizer
dos conhecidos mapas de regionalização? Oito regiões em que o interior e o
litoral ficam separados darão, na certa, regiões de primeira (mais ricas
e com maior peso político) e regiões
de segunda (mais pobres e quase sem voz). Esse mapa
foi rejeitado e com razão: não resolve o problema do atraso do país, pois
fomentaria o aumento das desigualdades, não corrigiria as assimetrias e
retalharia demasiado o pequeno retângulo. Já o mapa das 5 regiões
correspondentes às NUTs II do Continente, que não foi referendado, estaria
estribado em longa experiência de gestão e poderia através, da cooperação das
instituições e da permeabilidade de recursos, ajudar a corrigir as assimetrias
regionais e minorar as desigualdades, bastando que se criassem conselhos
consultivos sub-regionais e cuja audição fosse obrigatória por parte do governo
regional.
Por fim, é
de colocar a questão: Creem ou não creem na regionalização? Se creem, não
parem; se não creem, não arranjem desculpas esfarrapadas. E não vale sugerir
revisão pontual da Constituição a obrigatoriedade do referendo. Quem é que o
mandou incluir sem necessidade? Pôr e tirar não é sério!
Na certa, a
regionalização poderá fazer o país andar para a frente e robustecê-lo a nível
político, económico, desde que os conselheiros do investimento não estigmatizem
determinadas zonas como de não interesse para investir, a nível social e
cultural e a nível da preservação do ambiente e valorização do território.
Porém, a regionalização só por si não resolve tudo: precisa da humanização e da
proximidade que não se pode exigir do poder central, inebriado pelo
macrocefalismo da capital e da sua afeição atávica ao centralismo.
2022.01.13 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário