Nesta semana da contenção da pandemia, muito por
causa da variante Ómicron do SARS CoV-2, com a obrigatoriedade da adoção do
teletrabalho sempre que possível, são de colocar em evidências as novas regras
do teletrabalho aprovadas, no quadro das alterações ao Código do Trabalho, por
decreto da Assembleia da República (AR) a 5 de novembro de 2021,
com os votos de PS e BE e abstenção do PSD, que o Presidente da República (PR) promulgou
como lei (Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro) 20 dias depois e que se aplicam à Administração Pública central, regional e local, com
necessárias adaptações.
Assim, em contrapartida à obrigatoriedade de trabalhar de modo remoto,
passa a estar previsto, por exemplo, o pagamento aos teletrabalhadores
das despesas adicionais da internet e da energia e a proibição de os empregadores contactarem os trabalhadores no
período de descanso, exceto em situações de força maior.
A estas alterações à legislação do teletrabalho aprovadas no início de novembro, com os votos favoráveis do PS
e do BE e a mãozinha indiferente do PSD (vota contra do PCP, do PEV, do
Chega, do CDS-PP e da iniciativa Liberal), após longa
maratona de votações na especialidade, a socialista Ana Catarina Mendes fez
questão apor o sublinhado da proteção dos trabalhadores e dos
empregadores, o suposto equivalente o agradar a gregos e a troianos. Já
o bloquista José Soeiro defendeu que tais alterações materializam “vitórias importantes para os trabalhadores“.
Todavia, o beneplácito do PR, chegado a 25 de novembro, vinha acompanhado
de dois alertas: a necessidade de, no futuro, matérias como esta serem apreciadas em Concertação Social (como
queria o PSD); e a “complexa
aplicação” de algumas das mexidas aprovadas.
Interpelada sobre este segundo alerta presidencial, em particular no
atinente ao cálculo das despesas implicadas no teletrabalho, a Ministra do
Trabalho recusou produzir mais legislação, em virtude da suficiência da aprovação
parlamentar que não postula uma regulamentação, como sucede com algumas leis. Porém,
adiantou que “naturalmente dúvidas que vão surgindo também se vão procurando
estabilizar, clarificando a cada momento as dúvidas que vão surgindo”.
A lei densifica a definição e a abrangência do teletrabalho,
que agora é considerado prestação de trabalho em regime de subordinação
jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este
(até aqui o
Código do Trabalho só referia que as funções eram habitualmente prestadas fora
da empresa), com o recurso a tecnologias de informação e
comunicação (TIC). E, por outro lado, ressalva que as
regras relativas, por exemplo, aos equipamentos e à privacidade devem ser
aplicadas, na parte compatível, a todas as situações de trabalho
à distância sem subordinação jurídica, desde que haja
dependência económica, o que abre a porta a que os trabalhadores
independentes economicamente dependentes beneficiem deste regime.
A partir de agora, por imperativo legal, a implementação do teletrabalho
“depende sempre de acordo escrito“, que tanto pode
constar do contrato de trabalho inicial como ser autónomo, e que define o regime de permanência ou de alternância dos períodos de
trabalho à distância e de trabalho presencial. Desse acordo deve
constar a periodicidade e o modo de concretização dos contactos presenciais,
a retribuição do trabalhador (incluindo
as prestações complementares e acessórias), a identificação do local em que o trabalhador
realizará habitualmente o seu trabalho e o horário de trabalho,
além dos pontos que já são hoje exigidos, como a propriedade dos instrumentos
de trabalho e o período normal de trabalho.
A não ser em circunstâncias excecionais em que o
poder político decida de maneira diferente, o teletrabalho não pode ser imposto
pelo empregador, que apenas pode fazer proposta da sua adoção. Se o trabalhador
se opuser, deverá fundamentar
a sua oposição, mas a recusa não pode “constituir causa de
despedimento ou fundamento de aplicação de qualquer sanção”. Também
o trabalhador pode propor o
teletrabalho. Nesse caso, o empregador só pode recusar por escrito e com a indicação do fundamento da recusa,
se a atividade a prestar pelo trabalhador for incompatível com o teletrabalho. Além
disso, a empresa pode definir no regulamento interno as atividades e as condições
em que a adoção do teletrabalho poderá ser aceite.
No entanto, há casos em que é possível o trabalhador
ir para teletrabalho sem o “sim” do empregador. Até agora, podiam ir para teletrabalho sem acordo do empregador os trabalhadores
com filhos até aos 3 anos e as vítimas de violência doméstica, desde que as
funções fossem compatíveis com esta modalidade e a entidade patronal dispusesse
de recursos e meios para o efeito. E
o novo regime alarga o leque de situações em que tal é possível: os trabalhadores com filhos até 8 anos passam também a ter esse
direito, desde que o teletrabalho seja exercido de forma rotativa entre
os progenitores (exceto nas famílias monoparentais e nas situações em
que as funções de um dos progenitores não é compatível). Isto nas empresas com dez ou mais
trabalhadores (ou seja, o alargamento não se aplica às
microempresas).
Tal direito também está previsto para os cuidadores informais,
sendo que, nestas situações, o empregador só pode recusar invocando exigências
imperiosas do funcionamento da empresa.
A partir de agora, o acordo de teletrabalho pode ter duração determinada ou indeterminada. No primeiro caso, a
duração não pode exceder os 6 meses, renovando-se automaticamente
por iguais períodos, se nenhuma das partes declarar por escrito, até 15 dias
antes do prazo, não pretender a renovação. Já se o acordo for feito com duração
indeterminada, fica estabelecida que qualquer uma das partes pode
fazê-lo cessar, mas precisa de o comunicar, por escrito, 60 dias antes. Mantém-se,
por outro lado, a norma que diz que tanto o empregador como o trabalhador podem
denunciar o acordo (sendo ele por tempo determinado ou indeterminado) durante os primeiros 30 dias da sua execução. E, quando o acordo termina, o trabalhador
tem direito a retomar a sua atividade presencialmente.
Entretanto, um dos pontos mais polémicos do novo
regime é o atinente ao pagamento das despesas adicionais. Doravante, é claro
que os equipamentos e os sistemas
necessários à realização do trabalho e à interação entre o
trabalhador e o empregador devem ser garantidos pela
empresa, devendo ficar explícito no acordo se estes serão fornecido
diretamente ou se será o trabalhador a adquiri-los. Mais “são integralmente
compensadas pelo empregador todas as despesas adicionais que,
comprovadamente o trabalhador suporte”, incluindo os acréscimos dos custos de energia e dos custos da internet e
ficando assente que as despesas pagas ao teletrabalhador devem ser consideradas, para efeitos fiscais, custos do empregador e
não rendimentos do trabalhador. Todavia, a lei não especifica como devem ser
calculadas estas despesas, referindo apenas que tem de ser feita uma
comparação homóloga, e a Ministra do Trabalho já disse que não está prevista a
produção de legislação que o clarifique. E este é um dos pontos que, para os
juristas, poderá ser de aplicação mais complexa. Aliás,
como calcular despesas com gás e eletricidade no regime de conta certa mensal ou
da subscrição de pacote de fornecimento de serviços de televisão, telefone
fixo, telemóvel, internet e televisão? Não podia estabelecer-se um quantitativo
mínimo de indemnização ao trabalhador por tais despesas? E surgiu a dúvida, neste período de
aplicação sem precedentes do teletrabalho, se deve o teletrabalhador receber subsídio de refeição. E, embora a lei não dite expressamente a obrigação do pagamento do subsídio
de refeição aos teletrabalhadores, os socialistas consideram que tal
está implicado nas prestações complementares e acessórias que devem constar do
acordo.
Os direitos e os deveres são os mesmos para teletrabalhadores
e trabalhadores presenciais, aliás como já constava do
Código do Trabalho e se mantém. Além disso, agora esclarece-se que a igualdade de tratamento deve ser aplicada aos períodos de
descanso e ao acesso à informação das estruturas representativas dos
trabalhadores.
No respeitante à privacidade dos teletrabalhadores,
fica estabelecido que é vedada a captura e utilização de imagem, som, escrita, histórico
ou recursos a outros meios de controlo que possam afetar o direito
à privacidade do trabalhador. E a visita ao local pelo empregador exige aviso
prévio de 24 horas e concordância do trabalhador.
Ficou ainda estipulado que, mesmo em
teletrabalho, os contactos presenciais são obrigatórios, constituindo um dos novos deveres especiais
dos empregadores. O objetivo é o combate ao isolamento, tendo as
empresas de promover contactos presenciais entre os teletrabalhadores e as
chefias e os demais trabalhadores, na periodicidade prevista no
acordo de trabalho ou, pelo menos, a cada 2 meses. Os teletrabalhadores podem ser chamados à
empresa e são obrigados a ir às instalações da empresa ou a outro local
designado pelo empregador para reuniões, ações de formação e
outras situações que exijam presença física. O empregador deve
convocá-los com a antecedência mínima de 24 horas e suportar o custo das
deslocações, na parte em que, “eventualmente, exceda o custo normal do
transporte entre o domicílio do trabalhador e o local em que normalmente
prestaria trabalho em regime presencial.
Sobre a forma do controlo, a lei estipula que o controlo do trabalho deve ser
exercido “preferencialmente por meio de equipamentos e
sistemas de comunicação e informação afetos à atividade do trabalhador,
segundo procedimentos previamente conhecidos por ele e compatíveis com o
respeito pela privacidade” e os princípios de proporcionalidade e
transparência, pelo que é proibido impor a conexão permanente durante a
jornada de trabalho por imagem ou som.
Embora a AR não tenha consagrado o “direito a
desligar”, aprovou
o dever de o empregador se abster de contactar o trabalhador no
período de descanso, exceto em situações de força maior (vg: acidentes
ou incêndios), dever que atingente
a teletrabalhadores e a trabalhadores presenciais. Se os empregadores não respeitarem
o período de descanso, incorrem em contraordenação grave, arriscando coima até 9.690 euros.
A fiscalização do cumprimento destas normas cabe à ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), requerendo as ações de fiscalização por visitas ao
domicílio do teletrabalhador comunicação prévia com o mínimo
de 48 horas de antecedência e a anuência do trabalhador.
Por fim, o teletrabalho passa a ser uma das matérias relativamente às quais
os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho podem
afastar as normas legais reguladoras de contrato de trabalho,
dispondo em sentido mais favorável aos trabalhadores, aplicando-se o princípio
do tratamento mais favorável.
***
Só um em cada dez países regulamentou o
teletrabalho, como conclui um estudo da KPMG
Advogados feito em 22 Estados-membros da UE e na América e Ásia, referindo que a grande maioria dos países está a ter
dificuldades em regulamentar a cobertura dos custos decorrentes do teletrabalho,
nomeadamente no respeitante ao tratamento fiscal e ao regime de
segurança social desta nova tendência, como noticia o “EL Economista”. O
material de escritório e as despesas são as compensações mais comuns nas
políticas existentes. Em Espanha, por exemplo, as empresas têm de
pagar os custos e despesas inerentes ao teletrabalho se o regime superar 30% do
tempo total trabalhado, não há regulamentação específica sobe a
remuneração atribuída.
Já Portugal regulamentou o teletrabalho nos finais de 2021 e as empresas
são obrigadas a pagar as despesas adicionais com teletrabalho, como custos com
energia e internet. No entanto, apesar das mudanças à lei laboral, segundo
estudo da AEP, 62% das empresas recusam pagar despesas de teletrabalho. É caso
para questionar a ACT sobre o seu papel de controlo.
A lei foi votada quase 8 meses depois de o projeto haver entrado na AR,
votação que recaiu sobre o texto de substituição
resultante dos contributos dos vários partidos. E as votações ocorreram um dia após
o PR ter anunciado formalmente a dissolução da AR e
a antecipação das eleições legislativas para 30 de
janeiro, na sequência da rejeição, no Parlamento, da proposta de Orçamento
do Estado para 2022.
O novo regime mereceu elogios do BE e do PS, enquanto
a direita e o PCP lançaram críticas.
O BE considerou que é “uma boa lei, da qual nos orgulhamos”, pois “o resultado é satisfatório e materializa vitórias importantes para os trabalhadores“ –
um regime “muito mais protetor”.
Também o PS sustenta que o “regime protege empregadores e
trabalhadores”, apresentando uma “resposta equilibrada”, tendo Ana
Catarina Mendes garantido que ouviu individualmente patrões e sindicatos sobre
as medidas em questão.
O CDS-PP avisou que estas alterações deveriam ter sido submetidas à
apreciação dos parceiros sociais e enfatizou que o processo legislativo “decorreu
de forma apressada” estando em causa matérias sensíveis” –
crítica secundada pelo PSD, para o qual “esta legislação não é boa”,
embora considere fundamental a sua participação no processo, pois evitou “excessos
das propostas do PS e do BE”.
O PCP – que observou que o diploma “não responde cabalmente às
preocupações” dos comunistas, por exemplo, ao “não compensar
devidamente” os trabalhadores pelo acréscimo das despesas, não fixando um valor
mínimo – não alimenta ilusões em relação ao teletrabalho e defende a
excecionalidade desse regime por oposição à sua generalização.
Porém, o PAN enfatizou que há aspetos relacionados com o teletrabalho que “deixam caminho por fazer“, nomeadamente por não fixar, como
refere o PCP, um valor mínimo para o apoio pago pelo empregador para compensar
o acréscimo das despesas.
***
Enfim, o novo regime constitui um passo em frente na regulação do
teletrabalho. Importa urgir o cumprimento integral das medidas decretadas e
pensar na subsequente melhoria em que tudo se aperfeiçoe sem deixar aspetos
importantes por clarificar.
2022.01.03 – Louro de Carvalho
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