Está
a decorrer, no hemisfério norte, de 18 a 25 de janeiro, a Semana de Oração pela
Unidade dos Cristãos, sobre o tema enunciado em epígrafe, dum versículo do
trecho evangélico da Solenidade da Epifania do Senhor (Mt
2,1-12), pautando a
busca da unidade ao longo de todo o ano.
As
datas em referência foram propostas em 1908 por Paul Watson, para o hemisfério
norte, por cobrirem os dias que mediavam então entre as festas da Cátedra de
São Pedro e da Conversão de São Paulo (esta mantém-se no dia), tendo assim um valor simbólico.
No hemisfério sul, porque janeiro é tempo de férias, as Igrejas usualmente
escolhem outros dias para celebrar a Semana de Oração, como, por exemplo, à
volta de Pentecostes, como foi sugerido pelo movimento Fé e Ordem em 1926, que
é também uma data simbólica para a unidade da Igreja.
Cientes
da necessidade de flexibilização, os organizadores dos textos de reflexão e do
guião para as celebrações, propõem que se usem estes materiais ao longo de todo
o ano para expressar o grau de comunhão que as Igrejas já têm atingido e para
orar juntos pela plena unidade, que é o grande desejo de Cristo (“Ut sint unum” – Jo 17,21).
O
grupo internacional designado em conjunto pelo PCPUC (Pontifício
Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos) e pela CFOCMI (Comissão de Fé e Ordem
do Conselho Mundial de Igrejas)
para preparar os textos não teve condições para fazer isso num encontro face a
face mercê da pandemia; teve, pois, que trabalhar à distância na confeção dos
textos. E o PCPUC confiou ao Concílio de Igrejas do Oriente Médio, sediado em
Beirute, Líbano, a tarefa de escolher o tema e preparar uma versão preliminar
de textos para a Semana de Oração de 2022. Escolheu o tema “Vimos a sua estrela no Oriente e viemos
prestar-lhe homenagem” (Mt 2,2). Mais do que nunca, nestes
tempos difíceis, precisamos duma luz que brilhe na escuridão e essa luz, como proclamam
os cristãos, manifestou-se em Jesus Cristo. Numa região onde direitos humanos
são habitualmente espezinhados por injustos interesses políticos e económicos, que
enfrenta uma imprecedente crise de saúde internacional e que suporta as
consequências humanas e materiais da séria explosão que devastou Beirute a 4 de
agosto de 2020, o grupo ecuménico local fez todos os esforços para apresentar
os resultados do seu trabalho participando em encontros via internet. Por isso,
uma das grandes intenções desta Semana de Oração em 2022 é “que a unidade maior
entre cristãos no Oriente Médio e ao redor do mundo possa contribuir para uma
vida mais dignificada, justa e pacífica para todos os homens e mulheres no
nosso tempo e nos tempos que virão”.
***
Do
texto de reflexão introdutório ao guião das celebrações retiram-se algumas
ideias como segue.
No
susodito trecho de Mateus, o aparecimento da estrela representa um sinal de
esperança aguardado por muito tempo, que leva os magos e todos os povos da
terra ao lugar onde é revelado o verdadeiro rei e Salvador. A estrela é dom e indicação
da presença amorosa de Deus para toda humanidade. Com os seus raios de luz ela
conduz a humanidade na direção de Jesus, a luz maior que nos ilumina e nos conduz
à glória do Pai e ao esplendor que ela irradia.
Por
obra do Espírito Santo, Jesus foi encarnado na Virgem Maria e tornou-Se humano;
Fez-Se a luz que foi mais adiante nas trevas do mundo quando, por nós e por
nossa salvação, Se despojou e se tornou obediente até a morte.
Os
comentadores veem nas figuras dos magos um símbolo da diversidade de povos
conhecidos naquele tempo e um sinal da universalidade do chamamento divino que
aparece na luz do astro que brilha vindo do oriente. E a ansiosa busca dos
magos por um rei recém-nascido representa toda a busca ansiosa da humanidade
pela verdade, bondade e beleza. Os magos revelam a unidade de todas as nações
desejada por Deus. E os cristãos são chamados a ser para o mundo um sinal de
Deus, trazendo para cá essa unidade que Ele deseja, a partir das diferentes
culturas, raças e línguas. A missão do povo cristão é, portanto, ser um sinal
como foi aquela estrela, para guiar a humanidade na sua busca de Deus, para
orientar todos para Cristo e para ser instrumento pelo qual Deus traz para o
meio de nós a unidade de todos os povos.
É
do oriente que o sol se levanta e é do Oriente Médio que a salvação aparece
pela misericórdia do nosso Deus que nos abençoou com O que veio do alto (Lc
1,78). A pari, a história do Oriente Médio foi
e é caraterizada por conflito e violência, manchada de sangue, injustiça e
opressão, mas foi a partir desse Oriente que os apóstolos saíram para pregar o
Evangelho até aos confins da terra (At 1,8). O Oriente Médio produziu milhares
de testemunhas cristãs e milhares de mártires cristãos. E ainda agora a própria
existência da pequena comunidade cristã é ameaçada sendo levados muitos a
buscar uma vida mais segura e serena noutros lugares.
Até
a oração em Jerusalém se tornou sujeita a medidas políticas e militares. Jerusalém
foi a cidade de reis, a cidade em que Jesus entrou triunfante e foi aclamado rei
(Lc
19,28-44). Todavia,
aquando do seu nascimento, Jerusalém, em vez de exultante, estava em tumulto, como
hoje. De facto, o Oriente Médio precisa da luz celeste para acompanhar o seu
povo. E a estrela de Belém é sinal de que Deus caminha com o povo, lhe sente as
dores, escuta os gritos e demonstra compaixão.
Para
esta Semana de Oração, os cristãos do Oriente Médio escolheram o tema da
estrela que se ergueu do oriente, pois, enquanto muitos cristãos ocidentais
celebram o Natal, a festa principal de muitos cristãos orientais é a Epifania,
quando a salvação é revelada às nações em Belém e no Jordão. Esse foco na
teofania é um tesouro que os cristãos do Oriente Médio podem oferecer aos irmãos
e irmãs do mundo inteiro. Na verdade, a estrela conduz os magos através do
tumulto de Jerusalém, onde Herodes planeia o assassinato da vida inocente, massacrando
tantos e tantas.
Ora,
ainda hoje, em muitas partes do mundo, inocentes sofrem violência e ameaças.
Famílias de jovens fogem de tiranos como Herodes e Augusto. E as pessoas anelam
por um sinal de que Deus está com elas. É, então, missão da Igreja ser a
estrela que ilumina o caminho para Cristo, que é a luz do mundo. Sendo essa
estrela, a Igreja é sinal de esperança num mundo cheio de problemas e sinal, no
meio de seu povo, da presença de Deus, que acompanha a todos nas dificuldades
da vida. E os cristãos são chamados, por palavra e ação, a iluminar o caminho
para que possa Cristo ser revelado de novo às nações. Porém, as divisões diminuem
o brilho do testemunho cristão e obscurecem o caminho, evitando que outros
encontrem o rumo que leva a Cristo. Ao invés, os cristãos unidos na adoração a
Cristo e capazes de abrir os seus tesouros na partilha de dons tornam-se um
sinal da unidade que Deus deseja para toda a criação.
A
pandemia global de covid-19, a permanente crise económica e o fracasso das
estruturas políticas, económicas e sociais na proteção dos mais fracos e
vulneráveis destacam a necessidade global duma luz que brilhe na escuridão. E a
estrela que brilhou no oriente ainda nos chama à manjedoura, onde Cristo
nascido foi reclinado. Ela conduz-nos para onde o Espírito de Deus está vivo e
ativo, para a realidade do nosso batismo e para a transformação dos nossos
corações.
Após
encontrar o Salvador e adorá-Lo juntos, os magos retornam aos seus países por um
caminho diferente, por terem sido alertados em sonho. De modo semelhante, a
comunhão que vivenciamos em oração conjunta há de inspirar-nos a voltar às
nossas vidas de novos modos. É o apelo ao compromisso com o arrependimento e a
renovação das nossas vidas pessoais, das nossas igrejas e das nossas
sociedades.
O
seguimento de Cristo é nosso novo caminho e os cristãos precisam de permanecer
firmes e determinados como as constelações e planetas que brilham. Isto quer
dizer que servir o Evangelho requer o compromisso com a defesa da dignidade
humana, sobretudo entre os mais pobres, os mais fracos e marginalizados. Isso
exige das Igrejas transparência e reconhecimento responsável ao lidar com o
mundo e uns com os outros e quer dizer que as Igrejas precisam de cooperar para
providenciarem alívio aos aflitos, acolher os deslocados, aliviarem os
sobrecarregados e construírem uma sociedade justa e honesta. O novo caminho das
Igrejas é o da unidade visível que, orando e celebrando, buscamos com audácia
para que “Deus seja tudo em todos” (1Cor 15,28).
***
Em
cada um dos dias o tema é refletido e celebrado segundo um subtema que gravita
em torno de um versículo do trecho evangélico em referência. Dum lado, o
versículo a indicar um dos passos da ação dos magos; do outro, um enunciado a
expressar o significado do respetivo passo:
- “Vimos a sua estrela no oriente” (Mt 2,2): Levanta-nos e leva-nos a
tua perfeita luz.
- “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer”? (Mt 2,2): Uma
liderança humilde derruba muros e constrói com amor.
- “A esta notícia, o rei Herodes ficou perturbado, e toda a Jerusalém com
ele” (Mt 2,3): A presença de Cristo, virando o mundo ao contrário.
- “E tu, Belém, não és decerto a menos importante das sedes distritais de
Judá” (Mt 2,6): Mesmo sendo pequenos e sofredores, nada nos falta.
- “O astro que tinham visto no oriente avançava à sua frente” (Mt 2,9):
Guiados por um único Senhor.
- “Viram o menino com Maria, sua mãe, e prostrando-se, prestaram-lhe
homenagem” (Mt 2,11): Unidos em adoração ao redor do único Senhor.
- “Abrindo seus cofres, ofereceram-lhe por presente ouro, incenso e mirra”
(Mt 2,11): Os dons de comunhão.
- “Retiraram-se para sua pátria por outro caminho” (Mt 2,12): Deixando
para trás as familiares estradas de separação e indo pelos novos caminhos de
Deus.
***
Por
fim, é de referir que, no dia 20, o PCUC publicou
um documento de trabalho sobre o impacto da atual pandemia nas relações
ecuménicas sob o título “Ecumenismo em
tempo de pandemia: da crise à oportunidade”, que espelha os resultados duma
pesquisa de 2021 em todas as Conferências Episcopais Católicas e Sínodos
Católicos Orientais. Analisadas as oportunidades oferecidas pela pandemia às
relações entre cristãos, bem como o seu impacto negativo, o documento
identifica alguns desafios que o movimento ecuménico terá de enfrentar dum
mundo pós-pandemia.
O documento assume-se como um primeiro
contributo para a reflexão, na esperança de promover novas reflexões e
estimular o diálogo em todos os níveis com outros cristãos.
Disponível em inglês, francês e
espanhol, o texto foi apresentado durante um painel ecuménico no Instituto
Angelicum de Estudos Ecuménicos como parte do projeto de pesquisa “CRISIS”.
2022.01.21 – Louro de Carvalho
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