Os partidos políticos vêm, melhor ou pior, expondo ao eleitorado as ideias
que plasmaram em programas eleitorais. Certamente os que fizerem eleger
deputados nas próximas eleições contribuirão para que a Assembleia da República
(AR) reflita o
painel de ideias políticas ideológicas e/ou pragmáticas sobre aquilo de que, em
seu entender, o país necessita. Contudo, as circunstâncias apontam, na certa,
para que a governação se decida entre um projeto governativo liderado pelo
partido de que emanou o Governo ainda em funções e um projeto governativo
liderado pelo ainda o maior partido da oposição, mas, em caso de não obtenção
de maioria absoluta com o exercício de Governo limitado pelas necessárias
negociações à esquerda ou à direita e, eventualmente, a nível do centrão
político e de interesses.
Por isso, sem desprimor para os contributos dos demais partidos
políticos, alguns bem interessantes, é pertinente um levantamento entre as
principais diferenças entre o projeto do incumbente e o do ora “picado”
candidato à liderança dum Governo diferente.
São vários os temas, dos salários às pensões, passando pelo crescimento
económico, a lei laboral, a educação e a saúde. Rio e Costa são os dois políticos que se posicionam
para a chefia do Governo que emanar da AR pela mão do Presidente da República,
ouvidos os partidos com assento parlamentar e considerando os resultados
eleitorais.
Repete-se com algumas cambiantes a disputa de 2019, mercê do desgaste do Primeiro-Ministro por
via de sua teimosia, inabilidades de ministros e stresse dum poder executivo
exercido em condições duras pela falta de apoio parlamentar maioritário e pelas
circunstâncias em que a pandemia sepultou o país numa crise sanitária,
económica, social, política e psicossocial, bem como pela suposta experiência
política do opositor, o qual, de surpresa em surpresa, no meio de ataques e
contradições, conseguiu levantar o seu partido do marasmo e da autofagia.
Rio aposta no crescimento económico e no alívio fiscal para cidadãos e
empresas, falando mesmo em choque fiscal; e Costa coloca a tónica na subida dos
salários, na convergência com a Europa, num alívio fiscal mais cauteloso,
lembrando que a promessa de choque fiscal do início do século redundou em
aumento de impostos levado ao extremo no tempo da troika.
O PSD critica a estagnação dos últimos 20 anos resultante da governação
socialista, esquecendo os quase 8 anos que governou com a muleta do CDS, e assume
o objetivo de fazer Portugal crescer acima de 3% ao ano. Porém, o cenário
macroeconómico do PSD prevê que tal desiderato demore a ser atingido, dada a
debilidade da nossa economia e da produtividade. Não obstante, após os expressivos
crescimentos de 2021 e 2022, que refletem maioritariamente a recuperação da
quebra em 2020 provocada pela pandemia, vê o PIB a crescer 2,9% em 2023,
desacelerando para 2,6% em 2024. Em 2025, reacelera para 2,7% e,
em 2026, chega ao patamar almejado: a economia crescerá 3%, se tiver ao leme um
Governo PSD e se tudo correr bem, o que a experiência mostra que não é fácil acontecer.
Em contraponto, o PS garante que o país convergirá economicamente entre 2021 e
2026 com a média europeia, passando por crescer por ano em média 0,5% acima
da média da UE (27 Estados-membros) e 1% acima
da média da Zona Euro (19 Estados-membros), mas sem os cálculos que suportam tal desiderato.
PS e PSD partilham o lema das contas certas, mas
por vias diferentes. Os
socialistas assumem inequivocamente as contas certas e traçam o objetivo de
baixar a dívida pública para menos de 110% do PIB até ao final da legislatura (2026), tendo como ponto de partida os cerca de 127%
atingidos em 2021. Nestes termos, querem chegar a 2024 com dívida pública que
não ultrapasse os 116% do PIB, o nível pré-pandemia, para em 2026 o rácio estar
aquém dos 110% do PIB, protegendo a credibilidade internacional do país. Por
sua vez, o PSD põe a tónica na redução do peso da despesa pública, passando-a de
48,3% do PIB em 2021 para 42,8% do PIB em 2026. A receita pública encolhe
o peso no PIB, passando de 44% em 2021 para 42,3% em 2026. E esta dinâmica reduzirá
o défice de 2,4% em 2022 para 0,5% em 2026, perto do equilíbrio orçamental. A
redução do défice e o crescimento económico levarão à diminuição do rácio da
dívida pública de 126,9% do PIB em 2021 para 108,9% do PIB em 2026, à semelhança
do que prometeu o PS que garantiu que um rácio inferior a 110% no final da
legislatura.
Tendo criticado o aumento do salário mínimo em 2021 por causa da conjuntura
de crise, o PSD remete o tema para a concertação social, pois entende que é aí
que deve ser decidido entre os diferentes parceiros sociais.
Sem adiantar números, refere que o aumento deve estar em linha com a inflação e
com os ganhos de produtividade, devendo ser igual o salário mínimo para o setor
público e para o privado. Ao mesmo tempo, rejeita um modelo económico assente
em baixos salários, atribui o facto de maior parte dos trabalhadores receber
menos de mil euros à estrutura empresarial, ao problema da produtividade e ao dualismo
acentuado do mercado de trabalho, considerando que só uma economia baseada no
conhecimento, inovação e I&D gerará melhores salários e inverterá a
tendência dos últimos 20 anos, pelo que se foca no crescimento económico
e, por consequência, no aumento dos salários.
Tendo sido uma das bandeiras do PS ao longo dos últimos 6 anos, o partido
continua a apostar no aumento do salário mínimo, apontando para os 900 euros em
2026, aumentando 195 euros durante a legislatura face aos atuais 705 euros. Os
socialistas já tinham prometido os 850 euros em 2025, nas negociações do
Orçamento para 2022, cuja rejeição deu azo à realização de eleições
antecipadas. E, além do salário mínimo, procuram a convergência do peso dos
salários em Portugal com a média europeia. Para tal, será necessário que os
salários cresçam 20% nos próximos 4 anos, tendo o aumento dos salários médios
de ser sustentado nos “ganhos de produtividade”. Para tanto, Costa criará um
crédito fiscal em IRC para empresas que aumentem os salários dos trabalhadores
e fará alterações ao nível do IRS.
A principal promessa do PS na área dos impostos é
concretizar o alívio fiscal em sede de IRS previsto no OE2022: pelo desdobramento do 3.º e 6.º escalão do IRS para
diminuir a tributação sobre a classe média (150 milhões de euros), com retroativos a 1 de janeiro, significando que as
taxas de retenção na fonte terão de mudar; pelo aumento do mínimo de existência
(mais 170
mil agregados familiares ficariam isentos); e pelo
alargamento do IRS Jovem para 5 anos. Consta ainda a majoração da dedução por
dependente até aos 6 anos, em sede de IRS, a partir do segundo filho, de 600
euros para 750 euros em 2022 e 900 euros em 2023. Às empresas promete o fim do PEC
(Pagamento
Especial por Conta), forte
incentivo ao investimento na modernização com dedução à coleta de 25% das
despesas de investimento e estabilidade fiscal durante a
legislatura, bem como “um regime de tributação favorável para as
startups e para os planos de opção, de subscrição ou de aquisição de valores
mobiliários a favor de trabalhadores, os planos de stock options, e reforçar a
patent box para 85%”. Por seu turno, Rio promete reduzir em 400
milhões de euros por ano o IRS em 2025 e 2026, “sendo em cada ano 350
milhões de euros destinados aos escalões de rendimento até 60 mil euros por ano
e 50 milhões de euros destinados aos escalões de rendimento entre os 60 e os
100 mil euros por ano”. Além disso, quer mexer noutros impostos, como a taxa
liberatória de 28% que incide sobre os rendimentos de depósitos a prazo ou
dividendos, por exemplo, para reduzir mais a carga fiscal da classe média, e
quer reduzir a taxa mínima do IMI de 0,3% para 0,25% em 2024. Às empresas
garante: a redução gradual do IRC de 21% para 17% em 2023 e 2024 e a descida temporária
do IVA da restauração de 13% para 6% entre julho de 2022 e dezembro de 2023. Às
PME reduz a taxa dos atuais 17% para 13%, “alargando-se o limite dos 25 mil
euros para 100 mil euros para as empresas sediadas no interior”, bem como
reduzirá ou eliminará a derrama estadual, consoante a margem orçamental.
Costa prometeu executar integralmente as medidas que constavam da proposta
de Orçamento do Estado para 2022, o que inclui o aumento extraordinário de
10 euros das pensões. Ainda no atinente à
Segurança Social (SS),
especificamente, quanto à sua sustentabilidade, quer alargar a lógica de consignação de receitas fiscais,
estimular a adesão a certificados de reforma, fomentar a existência de
esquemas complementares de SS e aprofundar o combate à evasão
contributiva. Também concretizará a declaração mensal de
remunerações única, reduzindo para um único ato os atos mensais de
comunicação das remunerações pagas à SS e a AT (Autoridade Tributária). Já o PSD, no referente à SS, promete a flexibilização da idade de acesso à pensão por velhice e
a introdução de mecanismos de reforma parcial que permitam prolongar a vida
ativa, isto é, continuar a trabalhar e a acumular pensões e rendimentos do trabalho, soluções a encontrar, na
Concertação Social. Além disso, criará, no respeitante à aposentação, um “sistema único e universal” para os trabalhadores do setor
público e do privado, dependentes ou independentes, tal como criará uma nova prestação social “que atenue o empobrecimento dos trabalhadores empregados e
incentive a sua participação ativa no mercado de trabalho que tenha em conta a dimensão e composição do agregado familiar”.
Quanto à sustentabilidade da SS, defende a diversificação das fontes de financiamento
e a repartição de contribuições e pensões pelo setor público e pelo privado.
A rejeição da proposta de Orçamento do Estado para 2022 e a consequente
dissolução da AR fizeram cair por terra o pacote de mexidas à lei laboral a que
o Governo de Costa deu o nome de Agenda do Trabalho Digno e
que esteve em consulta pública. Por consequência, o PS quer ver aprovadas na AR até ao final de julho todas as medidas previstas
neste âmbito, atinentes nomeadamente ao trabalho temporário,
ao outsourcing e ao trabalho em plataformas
digitais. E quer lançar a discussão em torno das novas formas de
equilíbrio das várias esferas da vida (pessoal, profissional e familiar), “incluindo a ponderação de aplicabilidade em
diferentes setores das semanas de 4 dias”.
Também o PSD destaca a dignificação do trabalho,
pretendendo desenvolver políticas de emprego assentes no diálogo
e compromisso entre parceiros sociais e limitação da intervenção do
Estado nos processos de negociação coletiva. Quer “dissuadir as múltiplas formas
de assédio no local de trabalho, como condicionantes da liberdade e
ofensivas da dignidade da pessoa”, e defender a promoção da formação profissional ao longo da vida, bem como a
“aposta firme” na criação de incentivos à inserção dos jovens e desempregados
no mercado de trabalho.
Um dos temas em destaque no PS é a educação, com o compromisso da
construção dum Pacto Social para a Educação, bem
como da revisão do regime de recrutamento dos docentes. Quer introduzir
“fatores de estabilidade reforçada” no acesso à carreira e no desenvolvimento
dos projetos pedagógicos, “reduzindo, sempre que se justifique,
a mobilidade entre escolas e possibilitando a vinculação direta em
quadro de agrupamento ou quadro de escola”. Promete ainda criar incentivos à aposta na carreira de docente e ao
desenvolvimento de funções docentes em zonas do país onde escasseia a oferta
destes profissionais. Por seu turno, o PSD propõe recuperar o que falta do tempo
“perdido” pelos docentes, embora só através da aposentação; quer melhorar o modelo de avaliação desempenho e promover a
mobilidade dos profissionais entre agrupamentos do mesmo concelho ou de
concelhos limítrofes de modo a suprir faltas temporárias de pessoal; e pretende
reeditar a Lei de Bases da Educação vetada por Jorge Sampaio e objeto de
tentativa de ressurgimento no CNE (Conselho Nacional de Educação) quando presidido por David Justino.
A saúde concita a peculiar atenção dos vários partidos. O PS promete a
implementação do trabalho em dedicação plena, como
previsto no projeto de Estatuto do SNS, a valorização das carreiras dos
enfermeiros (com a reposição dos pontos perdidos aquando da entrada na nova carreira de
enfermagem) e a revisão dos incentivos pecuniários e não pecuniários para a
atração e fixação de médicos em zonas carenciadas. Quer ainda prosseguir
o trabalho de revisão e generalização do modelo das unidades de saúde familiar,
aumentar o número de camas da rede geral de cuidado continuados e
constituir equipas de cuidados continuados integrados em todos os
agrupamentos de centros de saúde. Além disso, pretende criar a direção
executiva do SNS. Já o PSD defende uma política orientada para a prevenção da doença e para a reorganização do sistema de
saúde, a revisão da Lei de Bases da Saúde e implementar um novo modelo de
organização e financiamento, com forte aposta na
digitalização. Promete dar um médico de família a cada
português, introduzir no SNS a política de saúde mental, de saúde oral e
de cuidados em fim de vida e reforçar a rede de
unidades de cuidados continuados e de cuidados paliativos. Para os mais
velhos, defende um programa de apoio ambulatório dependentes e frisa a
necessidade de reconhecer a importância dos cuidadores informais,
garantindo-lhes apoio e formação. Além disso, Rio defendeu a negociação com os privados para melhorar o serviço
público de saúde.
Enfim, PS pretende manter o pendor estatizante do funcionamento do país embora
não trave a iniciativa privada e o seu contributo para o desígnio nacional, mas
deixando alçapões para o chico-espertismo de quem tem dinheiro e poder de
influência. A riqueza não cresce, a escola pública desmerece frente ao negócio
privado e o SNS definha por falta de recursos humanos. O PSD fará crescer a
economia, mas à custa dalguma proletarização do trabalho e precariedade do
emprego; não deixará de enaltecer a escola pública e o SNS, mas proporcionará a
ascensão do setor privado nestes âmbitos, bem como no da SS. E, no quadro da regionalização,
ambos querem a regionalização pela via da municipalização e pelo debate e
referendo da instituição das regiões administrativas, quando muito em 2024.
Porém, vistas as coisas com atenção, embora nem o PS seja capaz de voltar ao
tempo do despesismo de Sócrates e seus colaboradores, nem o PSD ouse voltar ao
tempo de aperto da troika, as coisas não mudarão muito com as próximas eleições:
mais ideologia à esquerda dum lado mesclada de pragmatismo e prodigalismo, mais
ideologia à direita doutro lado mesclada de preocupação social e aproveitamento
para enriquecer da parte dalguns – a coisa pouco mudará de figura, até porque
vendemos o maior quinhão do bolo da soberania nacional à UE e hipotecámos a
nossa política financeira e económica ao Euro. Porém, devemos ir votar!
2022.01.11 – Louro de Carvalho
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