quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

O eleitorado confronta-se com dois programas de governação

 

Os partidos políticos vêm, melhor ou pior, expondo ao eleitorado as ideias que plasmaram em programas eleitorais. Certamente os que fizerem eleger deputados nas próximas eleições contribuirão para que a Assembleia da República (AR) reflita o painel de ideias políticas ideológicas e/ou pragmáticas sobre aquilo de que, em seu entender, o país necessita. Contudo, as circunstâncias apontam, na certa, para que a governação se decida entre um projeto governativo liderado pelo partido de que emanou o Governo ainda em funções e um projeto governativo liderado pelo ainda o maior partido da oposição, mas, em caso de não obtenção de maioria absoluta com o exercício de Governo limitado pelas necessárias negociações à esquerda ou à direita e, eventualmente, a nível do centrão político e de interesses.

Por isso, sem desprimor para os contributos dos demais partidos políticos, alguns bem interessantes, é pertinente um levantamento entre as principais diferenças entre o projeto do incumbente e o do ora “picado” candidato à liderança dum Governo diferente.     

São vários os temas, dos salários às pensões, passando pelo crescimento económico, a lei laboral, a educação e a saúde. Rio e Costa são os dois políticos que se posicionam para a chefia do Governo que emanar da AR pela mão do Presidente da República, ouvidos os partidos com assento parlamentar e considerando os resultados eleitorais.

Repete-se com algumas cambiantes a disputa de 2019, mercê do desgaste do Primeiro-Ministro por via de sua teimosia, inabilidades de ministros e stresse dum poder executivo exercido em condições duras pela falta de apoio parlamentar maioritário e pelas circunstâncias em que a pandemia sepultou o país numa crise sanitária, económica, social, política e psicossocial, bem como pela suposta experiência política do opositor, o qual, de surpresa em surpresa, no meio de ataques e contradições, conseguiu levantar o seu partido do marasmo e da autofagia. 

Rio aposta no crescimento económico e no alívio fiscal para cidadãos e empresas, falando mesmo em choque fiscal; e Costa coloca a tónica na subida dos salários, na convergência com a Europa, num alívio fiscal mais cauteloso, lembrando que a promessa de choque fiscal do início do século redundou em aumento de impostos levado ao extremo no tempo da troika.  

O PSD critica a estagnação dos últimos 20 anos resultante da governação socialista, esquecendo os quase 8 anos que governou com a muleta do CDS, e assume o objetivo de fazer Portugal crescer acima de 3% ao ano. Porém, o cenário macroeconómico do PSD prevê que tal desiderato demore a ser atingido, dada a debilidade da nossa economia e da produtividade. Não obstante, após os expressivos crescimentos de 2021 e 2022, que refletem maioritariamente a recuperação da quebra em 2020 provocada pela pandemia, vê o PIB a crescer 2,9% em 2023, desacelerando para 2,6% em 2024. Em 2025, reacelera para 2,7% e, em 2026, chega ao patamar almejado: a economia crescerá 3%, se tiver ao leme um Governo PSD e se tudo correr bem, o que a experiência mostra que não é fácil acontecer. Em contraponto, o PS garante que o país convergirá economicamente entre 2021 e 2026 com a média europeia, passando por crescer por ano em média 0,5% acima da média da UE (27 Estados-membros) e 1% acima da média da Zona Euro (19 Estados-membros), mas sem os cálculos que suportam tal desiderato.

PS e PSD partilham o lema das contas certas, mas por vias diferentes. Os socialistas assumem inequivocamente as contas certas e traçam o objetivo de baixar a dívida pública para menos de 110% do PIB até ao final da legislatura (2026), tendo como ponto de partida os cerca de 127% atingidos em 2021. Nestes termos, querem chegar a 2024 com dívida pública que não ultrapasse os 116% do PIB, o nível pré-pandemia, para em 2026 o rácio estar aquém dos 110% do PIB, protegendo a credibilidade internacional do país. Por sua vez, o PSD põe a tónica na redução do peso da despesa pública, passando-a de 48,3% do PIB em 2021 para 42,8% do PIB em 2026. A receita pública encolhe o peso no PIB, passando de 44% em 2021 para 42,3% em 2026. E esta dinâmica reduzirá o défice de 2,4% em 2022 para 0,5% em 2026, perto do equilíbrio orçamental. A redução do défice e o crescimento económico levarão à diminuição do rácio da dívida pública de 126,9% do PIB em 2021 para 108,9% do PIB em 2026, à semelhança do que prometeu o PS que garantiu que um rácio inferior a 110% no final da legislatura.

Tendo criticado o aumento do salário mínimo em 2021 por causa da conjuntura de crise, o PSD remete o tema para a concertação social, pois entende que é aí que deve ser decidido entre os diferentes parceiros sociais. Sem adiantar números, refere que o aumento deve estar em linha com a inflação e com os ganhos de produtividade, devendo ser igual o salário mínimo para o setor público e para o privado. Ao mesmo tempo, rejeita um modelo económico assente em baixos salários, atribui o facto de maior parte dos trabalhadores receber menos de mil euros à estrutura empresarial, ao problema da produtividade e ao dualismo acentuado do mercado de trabalho, considerando que só uma economia baseada no conhecimento, inovação e I&D gerará melhores salários e inverterá a tendência dos últimos 20 anos, pelo que se foca no crescimento económico e, por consequência, no aumento dos salários.

Tendo sido uma das bandeiras do PS ao longo dos últimos 6 anos, o partido continua a apostar no aumento do salário mínimo, apontando para os 900 euros em 2026, aumentando 195 euros durante a legislatura face aos atuais 705 euros. Os socialistas já tinham prometido os 850 euros em 2025, nas negociações do Orçamento para 2022, cuja rejeição deu azo à realização de eleições antecipadas. E, além do salário mínimo, procuram a convergência do peso dos salários em Portugal com a média europeia. Para tal, será necessário que os salários cresçam 20% nos próximos 4 anos, tendo o aumento dos salários médios de ser sustentado nos “ganhos de produtividade”. Para tanto, Costa criará um crédito fiscal em IRC para empresas que aumentem os salários dos trabalhadores e fará alterações ao nível do IRS.

A principal promessa do PS na área dos impostos é concretizar o alívio fiscal em sede de IRS previsto no OE2022: pelo desdobramento do 3.º e 6.º escalão do IRS para diminuir a tributação sobre a classe média (150 milhões de euros), com retroativos a 1 de janeiro, significando que as taxas de retenção na fonte terão de mudar; pelo aumento do mínimo de existência (mais 170 mil agregados familiares ficariam isentos); e pelo alargamento do IRS Jovem para 5 anos. Consta ainda a majoração da dedução por dependente até aos 6 anos, em sede de IRS, a partir do segundo filho, de 600 euros para 750 euros em 2022 e 900 euros em 2023. Às empresas promete o fim do PEC (Pagamento Especial por Conta), forte incentivo ao investimento na modernização com dedução à coleta de 25% das despesas de investimento e estabilidade fiscal durante a legislatura, bem como “um regime de tributação favorável para as startups e para os planos de opção, de subscrição ou de aquisição de valores mobiliários a favor de trabalhadores, os planos de stock options, e reforçar a patent box para 85%”. Por seu turno, Rio promete reduzir em 400 milhões de euros por ano o IRS em 2025 e 2026, “sendo em cada ano 350 milhões de euros destinados aos escalões de rendimento até 60 mil euros por ano e 50 milhões de euros destinados aos escalões de rendimento entre os 60 e os 100 mil euros por ano”. Além disso, quer mexer noutros impostos, como a taxa liberatória de 28% que incide sobre os rendimentos de depósitos a prazo ou dividendos, por exemplo, para reduzir mais a carga fiscal da classe média, e quer reduzir a taxa mínima do IMI de 0,3% para 0,25% em 2024. Às empresas garante: a redução gradual do IRC de 21% para 17% em 2023 e 2024 e a descida temporária do IVA da restauração de 13% para 6% entre julho de 2022 e dezembro de 2023. Às PME reduz a taxa dos atuais 17% para 13%, “alargando-se o limite dos 25 mil euros para 100 mil euros para as empresas sediadas no interior”, bem como reduzirá ou eliminará a derrama estadual, consoante a margem orçamental.

Costa prometeu executar integralmente as medidas que constavam da proposta de Orçamento do Estado para 2022, o que inclui o aumento extraordinário de 10 euros das pensões. Ainda no atinente à Segurança Social (SS), especificamente, quanto à sua sustentabilidade, quer alargar a lógica de consignação de receitas fiscais, estimular a adesão a certificados de reforma, fomentar a existência de esquemas complementares de SS e aprofundar o combate à evasão contributiva. Também concretizará a declaração mensal de remunerações única, reduzindo para um único ato os atos mensais de comunicação das remunerações pagas à SS e a AT (Autoridade Tributária). Já o PSD, no referente à SS, promete a flexibilização da idade de acesso à pensão por velhice e a introdução de mecanismos de reforma parcial que permitam prolongar a vida ativa, isto é, continuar a trabalhar e a acumular pensões e rendimentos do trabalho, soluções a encontrar, na Concertação Social. Além disso, criará, no respeitante à aposentação, um “sistema único e universal” para os trabalhadores do setor público e do privado, dependentes ou independentes, tal como criará uma nova prestação social “que atenue o empobrecimento dos trabalhadores empregados e incentive a sua participação ativa no mercado de trabalho que tenha em conta a dimensão e composição do agregado familiar”. Quanto à sustentabilidade da SS, defende a diversificação das fontes de financiamento e a repartição de contribuições e pensões pelo setor público e pelo privado.

A rejeição da proposta de Orçamento do Estado para 2022 e a consequente dissolução da AR fizeram cair por terra o pacote de mexidas à lei laboral a que o Governo de Costa deu o nome de Agenda do Trabalho Digno e que esteve em consulta pública. Por consequência, o PS quer ver aprovadas na AR até ao final de julho todas as medidas previstas neste âmbito, atinentes nomeadamente ao trabalho temporário, ao outsourcing e ao trabalho em plataformas digitais. E quer lançar a discussão em torno das novas formas de equilíbrio das várias esferas da vida (pessoal, profissional e familiar), “incluindo a ponderação de aplicabilidade em diferentes setores das semanas de 4 dias”. Também o PSD destaca a dignificação do trabalho, pretendendo desenvolver políticas de emprego assentes no diálogo e compromisso entre parceiros sociais e limitação da intervenção do Estado nos processos de negociação coletiva. Quer “dissuadir as múltiplas formas de assédio no local de trabalho, como condicionantes da liberdade e ofensivas da dignidade da pessoa”, e defender a promoção da formação profissional ao longo da vida, bem como a “aposta firme” na criação de incentivos à inserção dos jovens e desempregados no mercado de trabalho.

Um dos temas em destaque no PS é a educação, com o compromisso da construção dum Pacto Social para a Educação, bem como da revisão do regime de recrutamento dos docentes. Quer introduzir “fatores de estabilidade reforçada” no acesso à carreira e no desenvolvimento dos projetos pedagógicos, “reduzindo, sempre que se justifique, a mobilidade entre escolas e possibilitando a vinculação direta em quadro de agrupamento ou quadro de escola”. Promete ainda criar incentivos à aposta na carreira de docente e ao desenvolvimento de funções docentes em zonas do país onde escasseia a oferta destes profissionais. Por seu turno, o PSD propõe recuperar o que falta do tempo “perdido” pelos docentes, embora só através da aposentação; quer melhorar o modelo de avaliação desempenho e promover a mobilidade dos profissionais entre agrupamentos do mesmo concelho ou de concelhos limítrofes de modo a suprir faltas temporárias de pessoal; e pretende reeditar a Lei de Bases da Educação vetada por Jorge Sampaio e objeto de tentativa de ressurgimento no CNE (Conselho Nacional de Educação) quando presidido por David Justino.

A saúde concita a peculiar atenção dos vários partidos. O PS promete a implementação do  trabalho em dedicação plena, como previsto no projeto de Estatuto do SNS, a valorização das carreiras dos enfermeiros (com a reposição dos pontos perdidos aquando da entrada na nova carreira de enfermagem) e a revisão dos incentivos pecuniários e não pecuniários para a atração e fixação de médicos em zonas carenciadas. Quer ainda prosseguir o trabalho de revisão e generalização do modelo das unidades de saúde familiar, aumentar o número de camas da rede geral de cuidado continuados e constituir equipas de cuidados continuados integrados em todos os agrupamentos de centros de saúde. Além disso, pretende criar a direção executiva do SNS. Já o PSD defende uma política orientada para a prevenção da doença e para a reorganização do sistema de saúde, a revisão da Lei de Bases da Saúde e implementar um novo modelo de organização e financiamento, com forte aposta na digitalização. Promete dar um médico de família a cada português, introduzir no SNS a política de saúde mental, de saúde oral e de cuidados em fim de vida e reforçar a rede de unidades de cuidados continuados e de cuidados paliativos. Para os mais velhos, defende um programa de apoio ambulatório dependentes e frisa a necessidade de reconhecer a importância dos cuidadores informais, garantindo-lhes apoio e formação. Além disso, Rio defendeu a negociação com os privados para melhorar o serviço público de saúde.

Enfim, PS pretende manter o pendor estatizante do funcionamento do país embora não trave a iniciativa privada e o seu contributo para o desígnio nacional, mas deixando alçapões para o chico-espertismo de quem tem dinheiro e poder de influência. A riqueza não cresce, a escola pública desmerece frente ao negócio privado e o SNS definha por falta de recursos humanos. O PSD fará crescer a economia, mas à custa dalguma proletarização do trabalho e precariedade do emprego; não deixará de enaltecer a escola pública e o SNS, mas proporcionará a ascensão do setor privado nestes âmbitos, bem como no da SS. E, no quadro da regionalização, ambos querem a regionalização pela via da municipalização e pelo debate e referendo da instituição das regiões administrativas, quando muito em 2024.   

Porém, vistas as coisas com atenção, embora nem o PS seja capaz de voltar ao tempo do despesismo de Sócrates e seus colaboradores, nem o PSD ouse voltar ao tempo de aperto da troika, as coisas não mudarão muito com as próximas eleições: mais ideologia à esquerda dum lado mesclada de pragmatismo e prodigalismo, mais ideologia à direita doutro lado mesclada de preocupação social e aproveitamento para enriquecer da parte dalguns – a coisa pouco mudará de figura, até porque vendemos o maior quinhão do bolo da soberania nacional à UE e hipotecámos a nossa política financeira e económica ao Euro. Porém, devemos ir votar!

2022.01.11 – Louro de Carvalho

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