O
relatório anual “Portugal, Balanço Social
2021. Um retrato do país e de um ano de pandemia”, publicado neste dia 18
de janeiro, resultado duma parceria entre a Nova SBE Economics for Policy, a
Fundação “la Caixa” e o BPI, revela que, em 2020, havia mais 228 mil
pessoas em situação de pobreza; que mais de uma em cada dez pessoas (11,2%) empregadas em Portugal eram
pobres, uma subida em relação aos 9,6% registados em 2019; e que a
crise sanitária aumentou em 2,2 pontos percentuais (p.p.) a taxa de risco de pobreza, que passou para 18,4% em
2020, atingindo particularmente as mulheres, pessoas acima dos 65 anos e
famílias monoparentais.
Assim,
é de concluir que, em alguns casos, trabalhar não é suficiente para fugir à
pobreza.
Mariana
Esteves, uma das investigadoras envolvidas neste projeto, juntamente com Bruno
P. Carvalho e Susana Peralta, refere que “o risco de pobreza não
atinge da mesma forma todos os grupos da população”, sendo os desempregados os mais afetados, e que, em 2020, a taxa de risco de
pobreza dos desempregados atingiu 46,5%, uma subida de 5,8 pontos p.p. face a
2019. Porém, como alerta a investigadora,
“trabalhar também não garante estar livre da pobreza”, pois 11,2%
dos trabalhadores portugueses, em 2020,
eram pobres, o que representa um aumento de 1,6 p.p., quando comparado com a
taxa de pobreza verificada em 2019.
Mariana
Esteves aponta como explicação para esta situação a “precariedade laboral” e os
“salários baixos” que não conseguem suportar “custos de vida elevados”. Como se
não bastasse, a pandemia embateu diretamente contra este desafio social,
agigantando-o e tornando-a ainda mais evidente, nomeadamente para determinados
grupos sociais.
Como
se entredisse, a taxa de pobreza aumentou em 2020 para 18,4%, ou seja, 2,2 p.p.
acima do valor apurado em 2019, interrompendo a tendência de descida que se
observava desde 2015, significando “mais 228 mil pessoas em situação
de pobreza, face a 2019”.
A
investigadora Susana Peralta salientou, na apresentação deste relatório de
retrato da situação económica e social do país, que as políticas públicas
desenhadas pelo Governo durante o início da pandemia “não foram suficientes”
para evitar este aumento de pessoas em situação de pobreza, visto que “é muita
gente que vai parar à pobreza”. De facto, “os apoios sociais não foram capazes
de neutralizar o suficiente os efeitos da crise”, que pôs a nu a desigualdade crónica
existente no país, agora aumentada, pois as “políticas sociais” deixam “franjas
da população desprotegidas” e mostram que “a nossa manta social está um bocado
esburacada”.
O crescimento da taxa de risco de pobreza foi mais intenso entre as
mulheres (com
um crescimento de 2,5 p.p. de 2019 para 2020) e também entre as pessoas com mais de 65 anos (2,6 p.p. de aumento).
A taxa
de risco de pobreza subiu também para todos os tipos de famílias,
sobretudo para as que têm crianças, que sofreram um aumento de
2,7 p.p. E a investigadora explicitou que a situação se agrava “no caso de
famílias com crianças” por duas razões: o nascimento duma criança leva a que o
mesmo rendimento familiar financie as necessidades de mais uma pessoa,
possibilitando que “uma família que não seja pobre antes de
nascer uma criança passe a sê-lo após o nascimento da filha ou filho”;
e a participação no mercado de trabalho “pode ficar dificultada pela presença
de menores nas famílias”, sendo esta realidade ainda mais evidente “quando se
trata de famílias numerosas ou monoparentais”. E, de facto, as famílias monoparentais foram as mais sacrificadas (com um aumento da taxa de
risco de pobreza de 4,7 p.p.).
Em termos
regionais, foi no Algarve que a taxa de pobreza mais cresceu (um aumento de 3,9 p.p. face a 2019). E foi na região Centro que os
indicadores de desigualdade pioraram mais entre 2019 e 2020.
Os
mais afetados pela pandemia foram os mais vulneráveis, ou seja, o que têm menos
rendimentos, menor nível de escolaridade ou situações laborais mais precárias.
As inscrições nos centros de emprego do IEFP aumentaram, sobretudo no Algarve,
de grande atividade turística. Perderam-se 260 mil contratos de trabalhadores
com escolaridade até ao ensino secundário em maio de 2020 – pico desde o início
da pandemia – e os jovens adultos (entre 25 e 34 anos) registaram-se nos centros de emprego três vezes mais em
agosto de 2021 que em agosto 2019.
A pari, a média de horas semanais trabalhadas
diminuiu, sobretudo para trabalhadores com salários baixos, jovens e famílias
com crianças, especialmente famílias monoparentais. “Todos
estes fatores agravaram a situação já de si vulnerável destas pessoas”, disse
Mariana Esteves.
Já no
atinente à taxa de privação material, a evolução foi positiva. Em 2020, 13,5%
das pessoas encontravam-se em situação de privação material e 4,6% em situação
material severa, menos 1,6 e 1 p.p. face a 2019, respetivamente. A situação de
privação deve-se sobretudo à dificuldade em usufruir de pelo menos uma semana
de férias fora de casa (38%), à dificuldade em fazer face a
despesas inesperadas (30,7%), ou a não conseguir manter a casa
adequadamente aquecida (17,4%).
No
entanto, as famílias pobres têm piores condições
habitacionais, uma saúde pior e mais dificuldade em aceder a cuidados médicos. Em
2020, 14,3% das famílias pobres viviam em alojamentos sobrelotados, face a 9%
da população total. Além disso, 22,9% das famílias pobres classificam o seu
estado de saúde como “mau” ou “muito mau”. E 18,9% refere que, pelo menos numa
ocasião, não conseguiu aceder a uma consulta ou tratamento de medicina
dentária.
No
caso das pessoas com mais de 65 anos, mais de 17% estava em situação de
privação material: 26% vivia em casas com telhado, paredes, janelas e/ou chão
permeáveis a água ou apodrecidos e 24% em casas sem aquecimento adequado. Entre
as pessoas pobres, mais de 43% não consegue manter
a casa aquecida, o que evidencia a situação de pobreza
energética vivida no país.
Em 2020, um
em cada quatro idosos (24%) não tinha
dinheiro para pagar aquecimento em casa. Entre os que vivem abaixo da linha de
pobreza, mais de 43% não têm como manter a casa aquecida e 9% não conseguem
comer uma refeição com carne ou peixe de dois em dois dias.
Avisou Bruno
Carvalho que “estes números podem ainda
não refletir o efeito da pandemia porque esta informação sobre
privação material, que vem no inquérito do INE, foi recolhida nos primeiros
meses de 2020”. Porém, os 43% que
não conseguem manter a casa aquecida são já quase metade das pessoas pobres e
não se espera que a realidade tenha melhorado com os efeitos da pandemia.
Para o investigador, é “inequívoco” que ainda há muito a fazer para melhorar as
condições de vida das pessoas mais velhas em Portugal.
Segundo o
relatório, metade das pessoas acima dos 65 anos não consegue pagar uma semana
anual de férias fora de casa e quase 1/3 não tem capacidade de assegurar
despesas inesperadas. Em paralelo, a saúde mental é outro problema e a solidão
“é um flagelo que afeta particularmente os mais velhos”. Quase metade das pessoas com 60 anos ou mais
diz sentir-se sozinha frequentemente ou algumas vezes. E, destas, 14% afirmam
que a pandemia agravou a situação.
Além dum capítulo sobre as condições de vida da população mais velha, o relatório analisa o impacto da pandemia da situação social e económica em Portugal, tal como fez no ano passado.
E Susana
Peralta afirmou:
“Conseguimos verificar que houve perda de emprego sobretudo concentrada
nos trabalhadores que tinham contratos a prazo, o que também pode
apontar para uma consequência do próprio layoff, que protegeu
bastante quem tinha ligações mais permanentes ao mercado de trabalho e não
tanto as outras pessoas. Isso
marcou uma maior clivagem no mercado de trabalho, que já é um dos mais duais da
União Europeia.”.
A seguir
esclareceu:
“Também sabemos que há uma grande prevalência de jovens nesta margem do
mercado de trabalho dos contratos temporários, o que pode querer dizer
que estas pessoas são deixadas, no
início da sua vida, com cicatrizes na sua relação com o mercado de
trabalho e na sua capacidade de gerar rendimentos”.
Segundo o
relatório, em 2021, o aumento do número de inscritos em centros de emprego foi
muito forte nos jovens dos 25 aos 34 anos, “com três vezes mais inscrições em
agosto de 2021 do que em agosto de 2019”. Nos primeiros 8 meses do ano, em
média, esta faixa etária teve uma
subida de 67% de desempregados face a 2019, antes da pandemia. E, a
seguir, vêm os jovens com menos de 25 anos, com um aumento de 56% no número de
inscritos entre 2021 e 2019.
Salta também
à vista um agravamento claro do desemprego no Algarve. “Em 2020, houve um
impacto desproporcional no número de inscritos nos centros de emprego desta
região. É como se o Algarve fosse
para a economia portuguesa o que Portugal e a Grécia são para a economia
europeia”, afirmou Susana Peralta. “É a única região que nunca recupera
em momento nenhum.” A explicação passa pela dependência que a região tem do
turismo, setor com maior prevalência de contratos de trabalho temporários e
particularmente afetado pela pandemia.
Também o
relatório conclui que, entre as pessoas que não trabalham a tempo
inteiro, há mais 47% mulheres do
que homens que gostariam de trabalhar mais horas, mas não encontram trabalho a
tempo inteiro. “Um motivo invocado sete vezes mais por mulheres do
que por homens, para justificar a impossibilidade de trabalhar mais horas, é a
necessidade de cuidar de crianças, idosos ou outros dependentes”.
Durante o
confinamento, nas famílias sem filhos o número médio de horas trabalhadas
aumentou, enquanto nas famílias com filhos diminuiu, sobretudo nas mulheres. Os
homens trabalharam menos 0,7 horas, enquanto as mulheres foram 1,2 a menos, “o
que quererá dizer que tiveram de prescindir para tomar conta dos filhos
dependentes”.
Preocupante
ainda é o impacto do ensino à distância na perda de aprendizagens dos alunos. Houve uma clara “perda de competências” na generalidade das
áreas avaliadas. E as classificações dos alunos que beneficiam de
ação social escolar, por viverem em famílias com mais dificuldades económicas, obtiveram
classificações mais baixas do que as dos restantes.
E susana
Peralta sustenta:
“Diria que, no curto prazo, nos dois
ou três anos que se seguem, o país
pode voltar ao que era, mas não necessariamente ao que teria sido sem a
pandemia. Sobretudo se não levarmos a sério a perda de
aprendizagens e as cicatrizes para os jovens que estão a entrar ou que entraram
no mercado de trabalho nesta fase de maior dificuldade.”.
***
Isto sucede
apesar dos apoios que o Governo disponibilizou às famílias e às empresas, o que
faz pensar como teria sido se a postura do Governo e da UE fosse igual à adotada
aquando da crise de 2008. Ressalta que, apesar de o desemprego baixar a nível
inferior ao de 2019, ele galopa nas camadas jovens. Urge, pois, olhar para
todas as franjas populacionais do país e minimizar o monstro da burocratização.
As pessoas têm de estar acima de tudo.
2022.01.18 – Louro de
Carvalho
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