quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Ter emprego não basta para tirar uma pessoa da situação de pobreza

 

O relatório anual “Portugal, Balanço Social 2021. Um retrato do país e de um ano de pandemia”, publicado neste dia 18 de janeiro, resultado duma parceria entre a Nova SBE Economics for Policy, a Fundação “la Caixa” e o BPI, revela que, em 2020, havia mais 228 mil pessoas em situação de pobreza; que mais de uma em cada dez pessoas (11,2%) empregadas em Portugal eram pobresuma subida em relação aos 9,6% registados em 2019; e que a crise sanitária aumentou em 2,2 pontos percentuais (p.p.) a taxa de risco de pobreza, que passou para 18,4% em 2020, atingindo particularmente as mulheres, pessoas acima dos 65 anos e famílias monoparentais.

Assim, é de concluir que, em alguns casos, trabalhar não é suficiente para fugir à pobreza.

Mariana Esteves, uma das investigadoras envolvidas neste projeto, juntamente com Bruno P. Carvalho e Susana Peralta, refere que “o risco de pobreza não atinge da mesma forma todos os grupos da população”, sendo os desempregados os mais afetados, e que, em 2020, a taxa de risco de pobreza dos desempregados atingiu 46,5%, uma subida de 5,8 pontos p.p. face a 2019. Porém, como alerta a investigadora, “trabalhar também não garante estar livre da pobreza”, pois 11,2% dos trabalhadores portuguesesem 2020, eram pobres, o que representa um aumento de 1,6 p.p., quando comparado com a taxa de pobreza verificada em 2019.

Mariana Esteves aponta como explicação para esta situação a “precariedade laboral” e os “salários baixos” que não conseguem suportar “custos de vida elevados”. Como se não bastasse, a pandemia embateu diretamente contra este desafio social, agigantando-o e tornando-a ainda mais evidente, nomeadamente para determinados grupos sociais.

Como se entredisse, a taxa de pobreza aumentou em 2020 para 18,4%, ou seja, 2,2 p.p. acima do valor apurado em 2019, interrompendo a tendência de descida que se observava desde 2015, significando “mais 228 mil pessoas em situação de pobreza, face a 2019”.

A investigadora Susana Peralta salientou, na apresentação deste relatório de retrato da situação económica e social do país, que as políticas públicas desenhadas pelo Governo durante o início da pandemia “não foram suficientes” para evitar este aumento de pessoas em situação de pobreza, visto que “é muita gente que vai parar à pobreza”. De facto, “os apoios sociais não foram capazes de neutralizar o suficiente os efeitos da crise”, que pôs a nu a desigualdade crónica existente no país, agora aumentada, pois as “políticas sociais” deixam “franjas da população desprotegidas” e mostram que “a nossa manta social está um bocado esburacada”.

crescimento da taxa de risco de pobreza foi mais intenso entre as mulheres (com um crescimento de 2,5 p.p. de 2019 para 2020) e também entre as pessoas com mais de 65 anos (2,6 p.p. de aumento).

A taxa de risco de pobreza subiu também para todos os tipos de famílias, sobretudo para as que têm crianças, que sofreram um aumento de 2,7 p.p. E a investigadora explicitou que a situação se agrava “no caso de famílias com crianças” por duas razões: o nascimento duma criança leva a que o mesmo rendimento familiar financie as necessidades de mais uma pessoa, possibilitando que “uma família que não seja pobre antes de nascer uma criança passe a sê-lo após o nascimento da filha ou filho”; e a participação no mercado de trabalho “pode ficar dificultada pela presença de menores nas famílias”, sendo esta realidade ainda mais evidente “quando se trata de famílias numerosas ou monoparentais”. E, de facto, as famílias monoparentais foram as mais sacrificadas (com um aumento da taxa de risco de pobreza de 4,7 p.p.).

Em termos regionais, foi no Algarve que a taxa de pobreza mais cresceu (um aumento de 3,9 p.p. face a 2019). E foi na região Centro que os indicadores de desigualdade pioraram mais entre 2019 e 2020.

Os mais afetados pela pandemia foram os mais vulneráveis, ou seja, o que têm menos rendimentos, menor nível de escolaridade ou situações laborais mais precárias. As inscrições nos centros de emprego do IEFP aumentaram, sobretudo no Algarve, de grande atividade turística. Perderam-se 260 mil contratos de trabalhadores com escolaridade até ao ensino secundário em maio de 2020 – pico desde o início da pandemia – e os jovens adultos (entre 25 e 34 anos) registaram-se nos centros de emprego três vezes mais em agosto de 2021 que em agosto 2019.

A pari, a média de horas semanais trabalhadas diminuiu, sobretudo para trabalhadores com salários baixos, jovens e famílias com crianças, especialmente famílias monoparentais. “Todos estes fatores agravaram a situação já de si vulnerável destas pessoas”, disse Mariana Esteves.

Já no atinente à taxa de privação material, a evolução foi positiva. Em 2020, 13,5% das pessoas encontravam-se em situação de privação material e 4,6% em situação material severa, menos 1,6 e 1 p.p. face a 2019, respetivamente. A situação de privação deve-se sobretudo à dificuldade em usufruir de pelo menos uma semana de férias fora de casa (38%), à dificuldade em fazer face a despesas inesperadas (30,7%), ou a não conseguir manter a casa adequadamente aquecida (17,4%).

No entanto, as famílias pobres têm piores condições habitacionais, uma saúde pior e mais dificuldade em aceder a cuidados médicos. Em 2020, 14,3% das famílias pobres viviam em alojamentos sobrelotados, face a 9% da população total. Além disso, 22,9% das famílias pobres classificam o seu estado de saúde como “mau” ou “muito mau”. E 18,9% refere que, pelo menos numa ocasião, não conseguiu aceder a uma consulta ou tratamento de medicina dentária.

No caso das pessoas com mais de 65 anos, mais de 17% estava em situação de privação material: 26% vivia em casas com telhado, paredes, janelas e/ou chão permeáveis a água ou apodrecidos e 24% em casas sem aquecimento adequado. Entre as pessoas pobres, mais de 43% não consegue manter a casa aquecida, o que evidencia a situação de pobreza energética vivida no país.

Em 2020, um em cada quatro idosos (24%) não tinha dinheiro para pagar aquecimento em casa. Entre os que vivem abaixo da linha de pobreza, mais de 43% não têm como manter a casa aquecida e 9% não conseguem comer uma refeição com carne ou peixe de dois em dois dias.

Avisou Bruno Carvalho que “estes números podem ainda não refletir o efeito da pandemia porque esta informação sobre privação material, que vem no inquérito do INE, foi recolhida nos primeiros meses de 2020”. Porém, os 43% que não conseguem manter a casa aquecida são já quase metade das pessoas pobres e não se espera que a realidade tenha melhorado com os efeitos da pandemia. Para o investigador, é “inequívoco” que ainda há muito a fazer para melhorar as condições de vida das pessoas mais velhas em Portugal.

Segundo o relatório, metade das pessoas acima dos 65 anos não consegue pagar uma semana anual de férias fora de casa e quase 1/3 não tem capacidade de assegurar despesas inesperadas. Em paralelo, a saúde mental é outro problema e a solidão “é um flagelo que afeta particularmente os mais velhos”. Quase metade das pessoas com 60 anos ou mais diz sentir-se sozinha frequentemente ou algumas vezes. E, destas, 14% afirmam que a pandemia agravou a situação.

Além dum capítulo sobre as condições de vida da população mais velha, o relatório analisa o impacto da pandemia da situação social e económica em Portugal, tal como fez no ano passado.

E Susana Peralta afirmou: 

Conseguimos verificar que houve perda de emprego sobretudo concentrada nos trabalhadores que tinham contratos a prazo, o que também pode apontar para uma consequência do próprio layoff, que protegeu bastante quem tinha ligações mais permanentes ao mercado de trabalho e não tanto as outras pessoas. Isso marcou uma maior clivagem no mercado de trabalho, que já é um dos mais duais da União Europeia.”.

A seguir esclareceu:

Também sabemos que há uma grande prevalência de jovens nesta margem do mercado de trabalho dos contratos temporários, o que pode querer dizer que estas pessoas são deixadas, no início da sua vida, com cicatrizes na sua relação com o mercado de trabalho e na sua capacidade de gerar rendimentos”. 

Segundo o relatório, em 2021, o aumento do número de inscritos em centros de emprego foi muito forte nos jovens dos 25 aos 34 anos, “com três vezes mais inscrições em agosto de 2021 do que em agosto de 2019”. Nos primeiros 8 meses do ano, em média, esta faixa etária teve uma subida de 67% de desempregados face a 2019, antes da pandemia. E, a seguir, vêm os jovens com menos de 25 anos, com um aumento de 56% no número de inscritos entre 2021 e 2019.

Salta também à vista um agravamento claro do desemprego no Algarve. “Em 2020, houve um impacto desproporcional no número de inscritos nos centros de emprego desta região. É como se o Algarve fosse para a economia portuguesa o que Portugal e a Grécia são para a economia europeia”, afirmou Susana Peralta. “É a única região que nunca recupera em momento nenhum.” A explicação passa pela dependência que a região tem do turismo, setor com maior prevalência de contratos de trabalho temporários e particularmente afetado pela pandemia.

Também o relatório conclui que, entre as pessoas que não trabalham a tempo inteiro, há mais 47% mulheres do que homens que gostariam de trabalhar mais horas, mas não encontram trabalho a tempo inteiro. “Um motivo invocado sete vezes mais por mulheres do que por homens, para justificar a impossibilidade de trabalhar mais horas, é a necessidade de cuidar de crianças, idosos ou outros dependentes”.

Durante o confinamento, nas famílias sem filhos o número médio de horas trabalhadas aumentou, enquanto nas famílias com filhos diminuiu, sobretudo nas mulheres. Os homens trabalharam menos 0,7 horas, enquanto as mulheres foram 1,2 a menos, “o que quererá dizer que tiveram de prescindir para tomar conta dos filhos dependentes”. 

Preocupante ainda é o impacto do ensino à distância na perda de aprendizagens dos alunos. Houve uma  clara “perda de competências” na generalidade das áreas avaliadas. E as classificações dos alunos que beneficiam de ação social escolar, por viverem em famílias com mais dificuldades económicas, obtiveram classificações mais baixas do que as dos restantes.

E susana Peralta sustenta:

Diria que, no curto prazo, nos dois ou três anos que se seguem, o país pode voltar ao que era, mas não necessariamente ao que teria sido sem a pandemia. Sobretudo se não levarmos a sério a perda de aprendizagens e as cicatrizes para os jovens que estão a entrar ou que entraram no mercado de trabalho nesta fase de maior dificuldade.”.

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Isto sucede apesar dos apoios que o Governo disponibilizou às famílias e às empresas, o que faz pensar como teria sido se a postura do Governo e da UE fosse igual à adotada aquando da crise de 2008. Ressalta que, apesar de o desemprego baixar a nível inferior ao de 2019, ele galopa nas camadas jovens. Urge, pois, olhar para todas as franjas populacionais do país e minimizar o monstro da burocratização. As pessoas têm de estar acima de tudo.

2022.01.18 – Louro de Carvalho

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