Henrique Ferreira, Presidente da Comissão
Justiça e Paz da Diocese de Bragança e Miranda, em entrevista à “Renascença” e
à “Ecclesia”, publicada a 23 de janeiro, sublinhando que de
Castelo Branco a Bragança “são 10 horas de autocarro”, diz que “a prova do desinteresse
político pelos problemas do Interior se vê na rede de transportes, que não
serve quem ali vive ou trabalha”.
Tendo em vários artigos dado
conta da sua preocupação com o problema da demografia e desertificação, agora
critica os partidos por só na última semana terem ventilado o assunto em
período eleitoral e sem qualquer
referência específica às soluções, ficando nós quase como se o assunto não
tivesse sido abordado, quando, a seu ver, este será talvez “o problema mais
grave que o país vai enfrentar, tal como a Suécia o enfrentou nas décadas
de 30 e 40”.
De facto, no Interior, falando do problema demográfico, os autarcas atiram
muito as culpas para os governos em jeito de propaganda política, mas o único
programa lançado é o do apoio aos nascimentos. Em Vimioso, por exemplo, o apoio
é de 500 euros por nascimento e tem dado algum resultado, porque no concelho,
na transição da década de 10 para a década de 20 deste século, diminuiu menos a
quebra demográfica. É claro, manteve os índices de envelhecimento, mas diminuiu
a quebra demográfica, o que mostra que um programa de apoio pode fazer a
diferença.
Questionado porque não há
maior ação, já que estes problemas estão identificados há muito, o entrevistado
vinca o facto de no Interior se
pensar muito em “atirar as culpas para os outros”, quando urge agir
proactivamente, pois, as entidades externas, junto das quais se reclama não
podem fazer tudo, ao passo que as entidades internas, as do interior, podem
fazer alguma coisa. Tem é de haver mais investimento dos municípios e dos
governos, bem como programas por regiões – elas não são todas iguais – e
enquanto não se fizer isso, não se chega a bom porto.
Em resposta à questão sobre
as causas da chegada à situação de inverno e deserto demográfico, Henrique
Ferreira apresenta números: “em 1960
nasciam em média 5000 crianças no distrito de Bragança, hoje nascem 470 ou 480”.
E conclui que o inverno vem da ausência de nascimentos e que o deserto deriva
do inverno e da emigração, não sendo esta de pessoas desqualificadas, como nas
décadas de 60 e 70, mas de pessoas extremamente qualificadas, que deixam o país
em desastre, pois a melhor inteligência está a ir embora e os políticos não se
dão conta à séria.
Relativamente à hipótese de
a imigração nos salvar em termos demográficos, julga não ser fácil, dado que o país “não é atrativo em termos de salários”. Ora, se
Portugal fosse atrativo em termos de salários e apoios sociais, seria mais
procurado. Entretanto, adverte que desde 1970 – quando se nota “uma diferença
de pessoas de nacionalidade estrangeira” no país – até hoje, a população
portuguesa já tem origem em 660 mil pessoas que vieram do estrangeiro e estão
nacionalizadas, o que mostra que, apesar de tudo, somos procurados, mas não o
suficiente como o são a Alemanha, a França, o Reino Unido, porque aí há
poder económico e apoios avultados.
Considerando que, segundo os
estudos, na última década houve uma queda abrupta na população e questionado
sobre se vamos ainda a tempo de inverter 60 anos de estagnação demográfica em
três quartos do território nacional, aponta que “os programas de apoio têm de começar pelo que se começou a Suécia, nas
décadas de 30 e 40”, ou seja, por “um Estado Social que dê grandes apoios e
privilégios às mães para ficarem em casa a tratar dos filhos”; depois,
implementar “programas de incentivo económico à participação das populações
locais com grande orientação”, já que o mais importante na rentabilização dos
programas económicos é “a gestão da orientação dos investimentos, do
acompanhamento e supervisão, para que os dinheiros não sejam mal utilizados”.
E, a propósito, diz que “grande parte dos problemas do Interior são problemas
de orientação do investimento”, pois, tendo vindo muito dinheiro, comparativamente
com as regiões mais desenvolvidas, “não tem ainda sido suficientemente
rentabilizado” e, não o sendo, estamos a atirá-lo e a perdê-lo.
Conexo com a dita fala da
falta de orientação do investimento e com a subsequente sugestão de programas
por regiões, “porque elas não são todas iguais”, o entrevistado foi confrontado
com o facto de, sempre que há eleições, se falar da regionalização como forma
de resolver os problemas. E, a este respeito e por a criação de regiões administrativas
estar prevista na Constituição desde 1976, Ferreira diz não ter ideias definitivas,
mas assenta em que, na sua ótica, “uma
regionalização horizontal”, correspondente às áreas das comissões de
coordenação e desenvolvimento regional, pura e simplesmente aumenta “a
liquidação do interior”. E conta:
“No último
referendo à regionalização eu fui um ativista da região de Trás-os-Montes e
Alto Douro e andei pelo terreno a ouvir as pessoas, e as pessoas não
discordavam da regionalização, mas perguntavam-me ‘olhe lá, com uma
região horizontal como a Norte, o que é que nós ganhamos e o que é que nós
perdemos?’. E quando me perguntavam ‘o que é que nós perdemos?’, eu não sabia
responder.”.
Mais refere que, tendo ido a Espanha, falou da regionalização e foi
alertado para o cuidado que devíamos ter, pois, “com a regionalização íamos
pagar mais impostos: ao município, à região e ao Estado, e o retorno podia não
ser suficiente”. Por isso, sem pôr em causa a regionalização, preconiza que
haja estudos sérios e comparados a nível europeu, em relação aos países que
foram regionalizados, nomeadamente os que eram mais centralizados. A Espanha
não criou regiões porque aquilo “são nações desde há muitos séculos, com uma
cultura própria”, mas a comparação pode ser feita, por exemplo, com Itália ou
França. Com efeito, a França era um país centralizado e “operou regiões por via
administrativa”.
Para tal, entende que se devem recuperar os chavões de 1983/84 “regionalizar para desenvolver’, do PS, e
‘desenvolver para regionalizar’, do
PSD, “porque eles dizem tudo”.
Observando que agora a
generalidade dos partidos com assento parlamentar se mostra disponível para
discutir a regionalização nos próximos anos, Ferreira diz deve ser “uma
prioridade”, mas “muito bem
pensada”. Com efeito, não crê em regionalização que não seja simétrica. E
explica:
“Se compararmos
o PIB da zona do Porto e Braga, [n]os concelhos mais desenvolvidos – Famalicão,
Barcelos, Trofa, Santo Tirso, Guimarães e Braga – há uma dimensão de
desenvolvimento muito maior que, por exemplo, em Paredes de Coura, ou Amares, o
interior. (…) Podemos comparar Amares ou Mondim de Basto com o Interior
profundo, falando do distrito de Bragança, com Freixo de Espada à Cinta, Mogadouro
ou Alfândega da Fé. (…) Se pusermos o Norte Interior dependente do Porto,
ficamos pior do que dependentes de Lisboa (…): os do Porto vão sugar-nos
completamente os recursos, até porque foi neste paradigma que foram
criadas as NUTS das regiões.”.
A criação de regiões horizontais surgiu para baixar a rácio do nível médio
de desenvolvimento face à UE e receber mais fundos. E Ferreira explicita:
“O Porto precisa de Bragança, Vila
Real e de Viana do Castelo para baixar o seu nível de desenvolvimento e ter
acesso aos fundos. Mas, provavelmente, não vai precisar desses distritos
para promover o desenvolvimento que deveria promover.”.
Assim, falando de regionalização simétrica, só julga uma possível: pegar
nas antigas províncias e, se oito são em excesso, pegar no Interior norte (Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta), por exemplo.
Refere que as antigas províncias, não estando tão mal pensadas como isso,
foram substituídas por distritos, pois, “quando há muitas entidades, reinamos
melhor”; e Salazar, pressupondo que “vinha dali uma idiossincrasia regional que
punha em causa a unidade do país e o poder central”, “recuperou os distritos em
1937”.
Ora, como sustenta, se não se fizer uma regionalização simétrica, de norte
a sul, interior, põem-se as regiões em desequilíbrio: as do Interior serão
sugadas pelas do Litoral, pelo que “seria preciso ter diferentes modelos de
regionalização”; e “as únicas que não serão sugadas serão as que não têm
grandes metrópoles no litoral”, como a região Centro e a região do Alentejo, “porque
as outras serão completamente sugadas por Lisboa e pelo Porto”.
***
Quanto ao papel da Comissão
Justiça e Paz de Bragança-Miranda, a que preside, na identificação dos
problemas da região e na resposta aos mesmos, aponta o foco no apoio à pobreza e nos problemas que a
pandemia tem suscitado. Tendo a pobreza
crescido, uma séria preocupação para a Comissão, a Cáritas Diocesana e a
Cruz Vermelha têm vindo a intervir, a sério, neste problema, e distribuído
imensa ajuda. Porém, regista casos de pessoas que recebem apoios da Cruz
Vermelha os pedem também à Cáritas, para selecionarem o melhor, o que figura distorção.
E reporta que, para estudantes estrangeiros, “há um programa muito interessante
no Instituto Politécnico, através dos estudantes cabo-verdianos, os ‘Jovens sem sofá’, que tem promovido
ajuda a muitos estudantes, sobretudo os mais pobres, que vêm dos PALOP e estão
mais desintegrados”.
Do setor social e solidário,
sobretudo do ligado à Igreja Católica, releva o
apoio dos Centros Sociais e Paroquiais, sobretudo na infância e na terceira
idade; da ASMAB (Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de
Bragança), que não é da Igreja, não é só dos
artistas (era, quando
foi criada há 152 anos, mas, a partir de 1875, passou a ser de todos) e fornece refeições, apoios em roupa, logística, etc.
Sustenta que “Bragança tem instituições que estão a trabalhar bem”, mas
falta “a otimização dos programas de emprego”. Os gestores dizem que a
pessoa, se cair na rede da pobreza e não tiver um programa de ação e inserção,
se anula, se despersonaliza e se torna “cada vez mais dependente dos programas
de apoio”. E “esta dimensão tem faltado, aqui e por todo o país” – acentua.
Em termos globais, Henrique Ferreira defende que Portugal,
proporcionalmente, presta mais apoio aos seus pobres que a média dos países da
UE – isto se compararmos a riqueza de cada país –, mas depois “temos uma rede
enorme de pobres que caem nesta situação e não recuperam”, o que postula a reintegração
e o trabalho, pois só o trabalho “permite uma relação social útil”.
***
Instado a deixar algum repto à classe política na
contagem decrescente para as eleições, sugere que pensem “que tipos de
apoios vão dar ao Interior, nomeadamente em perdão de impostos às empresas que
aqui se localizarem”. Por outro lado, aponta “a dimensão da interação
regional a todos os níveis, mas sobretudo dos transportes”. Com efeito, de
Bragança à Guarda não há ferrovia e praticamente não há autocarros; para
Castelo Branco ainda é pior. E dá o exemplo da filha, que estuda em Castelo
Branco e que demora 10 horas para fazer 275 quilómetros se vier de autocarro de
Castelo Branco para Bragança. E explicita
“Não há um
autocarro nem direto, nem semidirecto. É preciso vir até à Guarda, daí para
Viseu e seguir por Vila Real e Mirandela até Bragança.”.
E o problema é idêntico relativamente a todos os municípios que se
localizam nesta corda.
Compreende que as empresas não façam essa ligação direta, mas os
municípios, os políticos, o Governo, têm de se chegar à frente organizando “um
processo de discriminação positiva no transporte público” no Interior.
O fenómeno também ocorre com Zamora (Espanha), a 100 quilómetros, mas só lá se pode ir às segundas,
quartas e sextas, regressando às terças, quintas e sábados. Já o transporte Bragança-Paris,
Bragança-Berlim existe porque há muitos emigrantes. Na Espanha, são parecidos os
problemas do Interior, só que a Espanha já aborda esta questão há mais tempo. Depois,
vem a interatividade regional nas vias de comunicação. O Interior tem os IP a ligar às capitais das
regiões horizontais, mas, por exemplo, entre Bragança e Mogadouro, nada. E o
caso Coimbra-Covilhã é totalmente obtuso: por Viseu e Guarda são 200
quilómetros, mas numa estrada direta seriam 110 a 120. Não se percebe como é
que o problema não entra no debate político.
***
Lembro-me
de que, nos Idos de 1974/75 – e antes parece que era pior –, para ir de Vila
Nova de Foz Coa à cidade da Guarda, apanhava-se, na vila, o autocarro da União
de Sátão e Aguiar da Beira, proveniente de Moncorvo; no cruzamento da Sequeira
deixava-se esse autocarro e tomava-se o da Viúva Carneiro até Vila Franca das
Naves; ali tomava-se o comboio até Guarda-Gare; e dali toma-se um autocarro dos
transportes urbanos para o centro. No regresso, os transportes eram os mesmos,
obviamente por ordem inversa. Depois, a situação melhorou um pouco: hoje
desconheço como está. Em contrapartida, quando passei a residir em Vila da
Ponte, Sernancelhe, a rede de transportes públicos era razoável, mas, pouco
tempo depois, ficou reduzida ao mínimo.
Enfim,
pergunto-me: Quando se olha a sério para
o Interior para se corrigirem as assimetrias geográficas e existenciais e se
promover as necessárias interações regionais e a coesão nacional?
2022.01.24 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário