segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Bragança no inverno e deserto do Interior

 

Henrique Ferreira, Presidente da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Bragança e Miranda, em entrevista à Renascença e à “Ecclesia”, publicada a 23 de janeiro, sublinhando que de Castelo Branco a Bragança “são 10 horas de autocarro”, diz que “a prova do desinteresse político pelos problemas do Interior se vê na rede de transportes, que não serve quem ali vive ou trabalha”.

Tendo em vários artigos dado conta da sua preocupação com o problema da demografia e desertificação, agora critica os partidos por só na última semana terem ventilado o assunto em período eleitoral e sem qualquer referência específica às soluções, ficando nós quase como se o assunto não tivesse sido abordado, quando, a seu ver, este será talvez “o problema mais grave que o país vai enfrentar, tal como a Suécia o enfrentou nas décadas de 30 e 40”.

De facto, no Interior, falando do problema demográfico, os autarcas atiram muito as culpas para os governos em jeito de propaganda política, mas o único programa lançado é o do apoio aos nascimentos. Em Vimioso, por exemplo, o apoio é de 500 euros por nascimento e tem dado algum resultado, porque no concelho, na transição da década de 10 para a década de 20 deste século, diminuiu menos a quebra demográfica. É claro, manteve os índices de envelhecimento, mas diminuiu a quebra demográfica, o que mostra que um programa de apoio pode fazer a diferença.

Questionado porque não há maior ação, já que estes problemas estão identificados há muito, o entrevistado vinca o facto de no Interior se pensar muito em “atirar as culpas para os outros”, quando urge agir proactivamente, pois, as entidades externas, junto das quais se reclama não podem fazer tudo, ao passo que as entidades internas, as do interior, podem fazer alguma coisa. Tem é de haver mais investimento dos municípios e dos governos, bem como programas por regiões – elas não são todas iguais – e enquanto não se fizer isso, não se chega a bom porto.

Em resposta à questão sobre as causas da chegada à situação de inverno e deserto demográfico, Henrique Ferreira apresenta números: “em 1960 nasciam em média 5000 crianças no distrito de Bragança, hoje nascem 470 ou 480”. E conclui que o inverno vem da ausência de nascimentos e que o deserto deriva do inverno e da emigração, não sendo esta de pessoas desqualificadas, como nas décadas de 60 e 70, mas de pessoas extremamente qualificadas, que deixam o país em desastre, pois a melhor inteligência está a ir embora e os políticos não se dão conta à séria.

Relativamente à hipótese de a imigração nos salvar em termos demográficos, julga não ser fácil, dado que o país “não é atrativo em termos de salários”. Ora, se Portugal fosse atrativo em termos de salários e apoios sociais, seria mais procurado. Entretanto, adverte que desde 1970 – quando se nota “uma diferença de pessoas de nacionalidade estrangeira” no país – até hoje, a população portuguesa já tem origem em 660 mil pessoas que vieram do estrangeiro e estão nacionalizadas, o que mostra que, apesar de tudo, somos procurados, mas não o suficiente como o são a Alemanha, a França, o Reino Unido, porque aí há poder económico e apoios avultados.

Considerando que, segundo os estudos, na última década houve uma queda abrupta na população e questionado sobre se vamos ainda a tempo de inverter 60 anos de estagnação demográfica em três quartos do território nacional, aponta que “os programas de apoio têm de começar pelo que se começou a Suécia, nas décadas de 30 e 40”, ou seja, por “um Estado Social que dê grandes apoios e privilégios às mães para ficarem em casa a tratar dos filhos”; depois, implementar “programas de incentivo económico à participação das populações locais com grande orientação”, já que o mais importante na rentabilização dos programas económicos é “a gestão da orientação dos investimentos, do acompanhamento e supervisão, para que os dinheiros não sejam mal utilizados”. E, a propósito, diz que “grande parte dos problemas do Interior são problemas de orientação do investimento”, pois, tendo vindo muito dinheiro, comparativamente com as regiões mais desenvolvidas, “não tem ainda sido suficientemente rentabilizado” e, não o sendo, estamos a atirá-lo e a perdê-lo.

Conexo com a dita fala da falta de orientação do investimento e com a subsequente sugestão de programas por regiões, “porque elas não são todas iguais”, o entrevistado foi confrontado com o facto de, sempre que há eleições, se falar da regionalização como forma de resolver os problemas. E, a este respeito e por a criação de regiões administrativas estar prevista na Constituição desde 1976, Ferreira diz não ter ideias definitivas, mas assenta em que, na sua ótica, “uma regionalização horizontal”, correspondente às áreas das comissões de coordenação e desenvolvimento regional, pura e simplesmente aumenta “a liquidação do interior”. E conta:

No último referendo à regionalização eu fui um ativista da região de Trás-os-Montes e Alto Douro e andei pelo terreno a ouvir as pessoas, e as pessoas não discordavam da  regionalização, mas perguntavam-me ‘olhe lá, com uma região horizontal como a Norte, o que é que nós ganhamos e o que é que nós perdemos?’. E quando me perguntavam ‘o que é que nós perdemos?’, eu não sabia responder.”.

Mais refere que, tendo ido a Espanha, falou da regionalização e foi alertado para o cuidado que devíamos ter, pois, “com a regionalização íamos pagar mais impostos: ao município, à região e ao Estado, e o retorno podia não ser suficiente”. Por isso, sem pôr em causa a regionalização, preconiza que haja estudos sérios e comparados a nível europeu, em relação aos países que foram regionalizados, nomeadamente os que eram mais centralizados. A Espanha não criou regiões porque aquilo “são nações desde há muitos séculos, com uma cultura própria”, mas a comparação pode ser feita, por exemplo, com Itália ou França. Com efeito, a França era um país centralizado e “operou regiões por via administrativa”.

Para tal, entende que se devem recuperar os chavões de 1983/84 “regionalizar para desenvolver’, do PS, e ‘desenvolver para regionalizar’, do PSD, “porque eles dizem tudo”. 

Observando que agora a generalidade dos partidos com assento parlamentar se mostra disponível para discutir a regionalização nos próximos anos, Ferreira diz deve ser “uma prioridade”, mas “muito bem pensada”. Com efeito, não crê em regionalização que não seja simétrica. E explica:

Se compararmos o PIB da zona do Porto e Braga, [n]os concelhos mais desenvolvidos – Famalicão, Barcelos, Trofa, Santo Tirso, Guimarães e Braga – há uma dimensão de desenvolvimento muito maior que, por exemplo, em Paredes de Coura, ou Amares, o interior. (…) Podemos comparar Amares ou Mondim de Basto com o Interior profundo, falando do distrito de Bragança, com Freixo de Espada à Cinta, Mogadouro ou Alfândega da Fé. (…) Se pusermos o Norte Interior dependente do Porto, ficamos pior do que dependentes de Lisboa (…): os do Porto vão sugar-nos completamente os recursos, até porque foi neste paradigma que foram criadas as NUTS das regiões.”.

A criação de regiões horizontais surgiu para baixar a rácio do nível médio de desenvolvimento face à UE e receber mais fundos. E Ferreira explicita:

O Porto precisa de Bragança, Vila Real e de Viana do Castelo para baixar o seu nível de desenvolvimento e ter acesso aos fundos. Mas, provavelmente, não vai precisar desses distritos para promover o desenvolvimento que deveria promover.”.

Assim, falando de regionalização simétrica, só julga uma possível: pegar nas antigas províncias e, se oito são em excesso, pegar no Interior norte (Minho, Trás-os-Montes, Beira Alta), por exemplo.

Refere que as antigas províncias, não estando tão mal pensadas como isso, foram substituídas por distritos, pois, “quando há muitas entidades, reinamos melhor”; e Salazar, pressupondo que “vinha dali uma idiossincrasia regional que punha em causa a unidade do país e o poder central”, “recuperou os distritos em 1937”.

Ora, como sustenta, se não se fizer uma regionalização simétrica, de norte a sul, interior, põem-se as regiões em desequilíbrio: as do Interior serão sugadas pelas do Litoral, pelo que “seria preciso ter diferentes modelos de regionalização”;  e “as únicas que não serão sugadas serão as que não têm grandes metrópoles no litoral”, como a região Centro e a região do Alentejo, “porque as outras serão completamente sugadas por Lisboa e pelo Porto”.

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Quanto ao papel da Comissão Justiça e Paz de Bragança-Miranda, a que preside, na identificação dos problemas da região e na resposta aos mesmos, aponta o foco no apoio à pobreza e nos problemas que a pandemia tem suscitado. Tendo a pobreza crescido, uma séria preocupação para a Comissão, a Cáritas Diocesana e a Cruz Vermelha têm vindo a intervir, a sério, neste problema, e distribuído imensa ajuda. Porém, regista casos de pessoas que recebem apoios da Cruz Vermelha os pedem também à Cáritas, para selecionarem o melhor, o que figura distorção. E reporta que, para estudantes estrangeiros, “há um programa muito interessante no Instituto Politécnico, através dos estudantes cabo-verdianos, os ‘Jovens sem sofá’, que tem promovido ajuda a muitos estudantes, sobretudo os mais pobres, que vêm dos PALOP e estão mais desintegrados”.

Do setor social e solidário, sobretudo do ligado à Igreja Católica, releva o apoio dos Centros Sociais e Paroquiais, sobretudo na infância e na terceira idade; da ASMAB (Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Bragança), que não é da Igreja, não é só dos artistas (era, quando foi criada há 152 anos, mas, a partir de 1875, passou a ser de todos) e fornece refeições, apoios em roupa, logística, etc.

Sustenta que “Bragança tem instituições que estão a trabalhar bem”, mas falta “a otimização dos programas de emprego”. Os gestores dizem que a pessoa, se cair na rede da pobreza e não tiver um programa de ação e inserção, se anula, se despersonaliza e se torna “cada vez mais dependente dos programas de apoio”. E “esta dimensão tem faltado, aqui e por todo o país” – acentua.

Em termos globais, Henrique Ferreira defende que Portugal, proporcionalmente, presta mais apoio aos seus pobres que a média dos países da UE – isto se compararmos a riqueza de cada país –, mas depois “temos uma rede enorme de pobres que caem nesta situação e não recuperam”, o que postula a reintegração e o trabalho, pois só o trabalho “permite uma relação social útil”. 

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Instado a deixar algum repto à classe política na contagem decrescente para as eleições, sugere que pensem “que tipos de apoios vão dar ao Interior, nomeadamente em perdão de impostos às empresas que aqui se localizarem”. Por outro lado, aponta “a dimensão da interação regional a todos os níveis, mas sobretudo dos transportes”. Com efeito, de Bragança à Guarda não há ferrovia e praticamente não há autocarros; para Castelo Branco ainda é pior. E dá o exemplo da filha, que estuda em Castelo Branco e que demora 10 horas para fazer 275 quilómetros se vier de autocarro de Castelo Branco para Bragança. E explicita

Não há um autocarro nem direto, nem semidirecto. É preciso vir até à Guarda, daí para Viseu e seguir por Vila Real e Mirandela até Bragança.”.

E o problema é idêntico relativamente a todos os municípios que se localizam nesta corda.

Compreende que as empresas não façam essa ligação direta, mas os municípios, os políticos, o Governo, têm de se chegar à frente organizando “um processo de discriminação positiva no transporte público” no Interior.

O fenómeno também ocorre com Zamora (Espanha), a 100 quilómetros, mas só lá se pode ir às segundas, quartas e sextas, regressando às terças, quintas e sábados. Já o transporte Bragança-Paris, Bragança-Berlim existe porque há muitos emigrantes. Na Espanha, são parecidos os problemas do Interior, só que a Espanha já aborda esta questão há mais tempo. Depois, vem a interatividade regional nas vias de comunicação. O Interior tem os IP a ligar às capitais das regiões horizontais, mas, por exemplo, entre Bragança e Mogadouro, nada. E o caso Coimbra-Covilhã é totalmente obtuso: por Viseu e Guarda são 200 quilómetros, mas numa estrada direta seriam 110 a 120. Não se percebe como é que o problema não entra no debate político.

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Lembro-me de que, nos Idos de 1974/75 – e antes parece que era pior –, para ir de Vila Nova de Foz Coa à cidade da Guarda, apanhava-se, na vila, o autocarro da União de Sátão e Aguiar da Beira, proveniente de Moncorvo; no cruzamento da Sequeira deixava-se esse autocarro e tomava-se o da Viúva Carneiro até Vila Franca das Naves; ali tomava-se o comboio até Guarda-Gare; e dali toma-se um autocarro dos transportes urbanos para o centro. No regresso, os transportes eram os mesmos, obviamente por ordem inversa. Depois, a situação melhorou um pouco: hoje desconheço como está. Em contrapartida, quando passei a residir em Vila da Ponte, Sernancelhe, a rede de transportes públicos era razoável, mas, pouco tempo depois, ficou reduzida ao mínimo.   

Enfim, pergunto-me: Quando se olha a sério para o Interior para se corrigirem as assimetrias geográficas e existenciais e se promover as necessárias interações regionais e a coesão nacional?  

2022.01.24 – Louro de Carvalho

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