quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Confinado ou isolado pode ir votar no dia 30, mas a lei tem de mudar

 

A 10 de janeiro, após reunião com os partidos com assento parlamentar, Francisca Van Dunem, Ministra da Administração Interna adiantou que o Governo previa nestas eleições legislativas um número de cidadãos confinados semelhante ao das últimas presidenciais, cerca de 380 mil; agora, disse que não é possível avançar com um número. Entretanto, porque alguns constitucionalistas punham em dúvida a legitimidade de confinados e isolados votarem estando em causa a saúde pública (conflito de direitos fundamentais vida e saúde, por um lado, e voto, por outro) e a CNE (Comissão Nacional de Eleições) sustentava a inabalabilidade do direito ao voto, o Governo pediu parecer ao Conselho Consultivo da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre o exercício do direito de voto de confinados e isolados, que Van Dunem deu a conhecer no dia 19. E este órgão da PGR, alegando que o regime legal vigente “não harmonizou em termos adequados” o direito ao voto dos eleitores em confinamento obrigatório, considera urgente rever a legislação eleitoral:

É manifesto que o regime legal vigente não harmonizou, em termos adequados, o direito de sufrágio dos eleitores sujeitos a confinamento obrigatório, no âmbito da pandemia da doença covid-19, com o direito à saúde, mostrando-se urgente rever a legislação eleitoral, com vista a contemplar modalidades e regras de voto que permitam a necessária conciliação dos direitos, abarcando todos os eleitores que não devem ou não podem votar presencialmente”.

Nesse sentido, considera que a alteração legislativa exigida “não implica apenas a alteração do regime excecional e temporário de exercício do direito de voto pelos eleitores em confinamento obrigatório, no âmbito da pandemia da doença covid-19, mas sim uma alteração da legislação eleitoral geral que confira a cada eleitor a máxima proteção do seu direito de sufrágio, no respeito pelo pelos outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

Não obstante, conclui que os eleitores em confinamento obrigatório podem votar presencialmente a 30 de janeiro para as eleições legislativas.

E a Ministra, em conferência de imprensa para divulgar o parecer, avançou que o Governo iria fazer uma intervenção legislativa ao nível de resolução de Conselho de Ministros que permita “consentir esta exceção de as pessoas saírem de casa para exercerem o direito de voto” no dia 30, indicando que o período mais adequado a recomendar pelo será entre as 18 e as 19 horas.

A administração eleitoral pode recomendar um horário de votação, mas não pode obrigar que os eleitores confinados votem na última hora de funcionamento das mesas de voto. Como afirmou a Ministra, “precisamos aqui de um pacto social que permita a todos votar em segurança”, pelo que “os eleitores confinados podem ir votar no dia 30, nas condições sanitárias definidas pelas autoridades de saúde”.

E Graça Freitas, Diretora-Geral da Saúde, presente na conferência, disse que “o risco é mínimo”, se forem cumpridas as regras. Ora, como “os portugueses têm dado sinais de grande maturidade”, Graça Freitas acredita que não haverá riscos acrescidos de contágio. O cumprimento das regras permitirá a segregação de circuitos e a minimização dos riscos de contágio, sendo que os membros das assembleias de voto disporão de “equipamentos reforçados de proteção individual”.

O Governo reforçou o apelo ao uso do voto antecipado, através da modalidade de voto em mobilidade, cujo período de inscrições decorreu até ao dia 20, podendo qualquer pessoa inscrever-se para votar a 23, no local que escolher e sem necessidade de qualquer justificação. Os confinados não podem votar a 23 porque, se estão confinados a 23, não estarão a 30; e, então, podem ir votar sem quaisquer constrangimentos.

Questionada sobre o facto de os médicos de saúde pública não aconselharem o voto dos confinados, a Ministra da Justiça e da Administração Interna garantiu que “o Governo tem o máximo respeito pelos médicos de saúde pública”, mas, como há a “questão de saúde pública” e a “questão jurídico-constitucional”, o Governo dirigiu-se ao Conselho Consultivo da PGR para saber como articular os dois direitos, seguindo o parecer sem consulta a mais especialistas.

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O Governo, através de Resolução do Conselho de Ministros, este dia 20, recomendou aos eleitores que se encontram em confinamento obrigatório devido à covid-19 que votem a 30 de janeiro entre as 18 e as 19 horas, aconselhando os restantes cidadãos a fazê-lo entre as 8 e as 18 horas.

A norma abre uma exceção para que estes eleitores possam sair de casa para votar, depois de o Governo ter pedido parecer ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral PGR que recomendou ao executivo a alteração das normas relativas ao confinamento obrigatório pelo período de tempo “estritamente necessário para o exercício do direito de voto”.

Não é obrigatório ir votar à hora indicada. É uma recomendação, pois o Governo “não tem poderes para impedir as pessoas de votarem no horário que entenderem”, mas, confiando no civismo dos portugueses, tem a expectativa de que a recomendação seja acatada, tal como as anteriores.

Qualquer cidadão, confinado ou não, pode votar presencialmente entre as 8 e as 19 horas, a 30 de janeiro. A indicação de horário é uma recomendação feita pelo Governo, para evitar contactos entre pessoas infetadas e não infetadas, aplicando-se a eleitores com e sem sintomas.

De acordo com um parecer da DGS, os eleitores positivos para o coronavírus, com ou sem sintomas, e os contactos de risco em isolamento profilático estão abrangidos pela possibilidade excecional de se deslocarem para votar nestas eleições. Os confinados não podem deslocar-se a outros sítios, pois, segundo o documento técnico da DGS sobre as estratégias de saúde pública para as eleições, os eleitores em isolamento obrigatório que não cumpram com as normas para o dia das eleições legislativas incorrem no crime de propagação de doença contagiosa, previsto no artigo 283.º do Código Penal, pelo que as deslocações de casa ou do local de confinamento para a votação e de regresso “devem ser realizadas em condições de total segurança”. Assim, aquela autoridade de saúde indica que deve ser usada permanentemente uma máscara cirúrgica ou FFP2 (o que exclui as comunitárias) e que deve ser utilizado o transporte individual ou a deslocação a pé, não se recomendando a utilização de transportes públicos coletivos e individuais de passageiros.

O executivo e a DGS aduzem que esta interrupção do isolamento profilático para votar presencialmente é similar à da saída de confinados para realizar testes à covid-19, por exemplo.

Van Dunem recordou, em conferência de imprensa após o Conselho de Ministros, que diariamente há um número muito grande de pessoas em confinamento que a lei já prevê que saiam de casa para tratar de questões de saúde, segurança social e fazer testes de diagnóstico à covid-19, não havendo, para já, indicação de que daí tenham resultado cadeias de transmissão autónomas. E Graça Freitas sustentou, neste dia 20, que a votação nas eleições legislativas antecipadas dos eleitores em isolamento devido à covid-19 “é um ato seguro” (quem está em isolamento sai para fazer testes, o que é seguro se se cumprem as regras), que a adoção dum horário específico de votação minimiza o contágio e que a saída é exclusivamente para exercer o direito de voto.  

O Governo não fez recomendação para a criação de criados circuitos para votarem os eleitores em isolamento, possibilidade avançada pelo conselho consultivo da PGR, já que não é possível haver espaços diferenciados, por falta de tempo, “dificuldade de operacionalização”. E a Ministra frisou que a questão é da responsabilidade das autarquias e que os municípios observarão as regras o mais possível, nomeadamente o arejamento dos espaços e o distanciamento.

A presidente da ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses), que pretendia conhecer o teor do parecer mais cedo (tal como a CNE), disse que as autarquias estavam disponíveis para avançar com mesas de votos e circuitos dedicados a confinados, se tal fosse a decisão do Governo. E o parecer da DGS adiantava que podiam adotar-se diferentes organizações de espaço e/ou de tempo, como o estabelecimento dum horário de votação recomendado para os eleitores em confinamento obrigatório e o aumento do número de mesas de voto.

Devem ser observadas as medidas gerais anteriormente recomendadas, como a distância de outras pessoas, o reforço de higiene das mãos (antes e depois de votar) e da etiqueta respiratória e o aumento da ventilação dos espaços das assembleias e mesas de voto. E, quanto aos membros das mesas de voto, é de considerar o reforço informativo para a adoção das seguintes medidas: uso permanente de máscaras faciais cirúrgicas ou FFP2, cumprimento de distanciamento físico em relação aos eleitores, higienização frequente das mãos, limpeza das superfícies de voto e da urna eleitoral.

Nas entradas das assembleias e secções de voto, deve ser disponibilizada informação sobre os procedimentos recomendados a todos os intervenientes no processo, durante todo o período de votação e ainda sobre o horário de votação próprio para as pessoas em confinamento obrigatório.

Relativamente às câmaras municipais, o parecer da DGS refere poderem tomar medidas para minimizar a disseminação do vírus durante as eleições, cabendo-lhes “garantir a distribuição de máscaras cirúrgicas ou máscaras FFP2 aos eleitores que se apresentem nos locais de votação sem máscara ou com máscara comunitária”. Além disso, quando possível, as autarquias devem aumentar o número de locais de votação, especialmente nos locais mais populosos, e, no dia das eleições, ter membros de mesa de voto suplentes em número suficiente para, se necessário, substituir os que possam eventualmente adoecer e não possam comparecer.

Continua a ser possível a inscrição no voto em domicílio para pessoas em isolamento, pois, de acordo com a CNE, entre 20 e 23 de janeiro, os eleitores em situação de isolamento profilático devem manifestar a sua intenção de votar “no respetivo domicílio ou noutro local definido ou autorizado pelas autoridades de saúde, que não em estabelecimento hospitalar, desde que se encontrem recenseados no concelho do local de confinamento”. O confinamento tem de ser decretado pela autoridade de saúde pública até 22 de janeiro e desde que inclua o dia da votação.

Indica a CNE que, entre os dias 25 e 26, o presidente da Câmara Municipal (ou qualquer vereador ou funcionário municipal) vai ao local onde está confinado recolher o voto.

O Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna (em conferência de imprensa) apontou que este modelo de votação “praticamente vai deixar de ter aplicação” após a DGS ter reduzido o confinamento para 7 dias, ficando a norma praticamente reduzida a utentes de lares de idosos.

Eleitor em isolamento não pode ir votar antecipadamente, pois a norma apenas contempla a exceção para o dia 30. E, se já estiver inscrito para o voto antecipado, pode votar no dia 30, pois qualquer eleitor que se inscreva para votar antecipadamente em mobilidade e não consiga fazê-lo, pode votar no dia da eleição na assembleia ou secção de voto onde se recenseou.

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Os médicos de saúde pública criticam exceção para eleitores confinados, aduzindo que, “a partir de agora, vamos ter pessoas a recusarem-se a fazer confinamento”.

Gustavo Tato Borges, presidente da ANMSP (Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública), diz que “tudo isto era evitável” se “quem de direito” tivesse “preparado a lei eleitoral para que o voto eletrónico fosse possível” ou montado uma estrutura “para recolher votos no domicílio”.

A exceção ora criada levará a que, noutras circunstâncias, haja pessoas a “recusarem-se a cumprir” o período de isolamento profilático a que estão obrigadas quando infetadas com o vírus ou suspeitas de infeção. Por isso, Tato Borges recomendou aos médicos desta área que peçam escusas de responsabilidade civil, dizendo:

A nossa capacidade de intervenção na pandemia fica limitada. A partir de agora, vamos ter pessoas a recusarem-se a fazer confinamento e não haverá uma forma séria de lhes dizer que têm de cumprir essa medida. Todas as indicações que dávamos às pessoas perdem força com isto.”.

E, comparando esta decisão com as que foram tomadas em relação aos funerais, explicou:

Ao longo destes dois últimos anos chegámos a impedir pessoas de estarem presentes em funerais de familiares diretos, que são momentos mais marcantes do que um voto eleitoral”.

Não é que o direito ao voto não seja fundamental, mas havia alternativas não consideradas para estas eleições. E Tato Borges admite não saber as consequências da decisão anunciada pelo Governo nos números da pandemia, pois, como diz, “não temos noção do que vai acontecer.”

Lembrando que o ato eleitoral que se aproxima “é o quarto” desde que estamos em pandemia, frisa que “nada mudou, nada foi preparado, e agora há uma solução de recurso”.

Em comunicado divulgado no dia 19, a ANMS aponta a “falha de planeamento para assegurar soluções alternativas atempadas e seguras” para estas eleições, embora reconhecendo “os constrangimentos logísticos inerentes a uma votação que dependa do voto no domicílio. E vinca a continuação da existência de lacunas legislativas no atinente a emergências de saúde pública, não havendo uma lei de saúde pública que enquadre “as medidas em vigor” e defina claramente “responsabilidades e âmbitos de atuação nestes cenários”

Permitir que os eleitores isolados por infeção ou suspeita de infeção quebrem excecionalmente o confinamento para se deslocarem às urnas será abrir um “precedente evitável que irá condicionar novas dificuldades ao exercício profissional”, pelo que a ANMSP recomenda aos seus associados “que peçam escusa de responsabilidade civil no seu exercício profissional e todos os conflitos legais decorrentes de atos de autoridade de saúde até ao final do mês de fevereiro de 2022”. E, quanto à participação nas eleições, recomenda o recurso ao voto antecipado, por forma a minimizar condicionantes imprevistas para 30 de janeiro, e que, face à opção do voto presencial”, sejam assegurados “locais/horários específicos para não haver cruzamento desnecessário entre indivíduos infetados/em potencial período de incubação com a restante população e que “em todos os espaços” se privilegie a ventilação e a utilização de máscara FFP2/KN95 sempre que possível.

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Esta solução foi a possível, não sendo necessária a consulta à PGR, que fez perder tempo, mas deu segurança ao Governo, o qual se escuda na “recomendação” evitando problemas práticos e conflitos com tribunais e com constitucionalistas. Não se admite não haver lei de saúde pública que enquadre claramente as medidas tomadas durante a pandemia. E, quanto a mexidas na lei eleitoral, pergunto: Se o Parlamento não aprovou o OE, como aprovaria, na pré-dissolução, uma nova lei orgânica (cuja aprovação requer o voto da maioria absoluta dos eleitores em efetividade de funções)?

2022.01.20 – Louro de Carvalho

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