domingo, 30 de janeiro de 2022

O perfil do país que vota em eleições legislativas

 

Pela 17.ª vez em democracia, os portugueses foram chamados a eleger os deputados da Nação, obviamente contando as eleições para a Assembleia Constituinte a 25 de abril de 1975. Se nos ativermos apenas a eleições para a Assembleia da República (AR), será a 16.ª vez.

Estas eleições são diferentes porque, para lá do espectro do abstencionismo, que os últimos indicadores entredizem estar a diminuir, sobretudo se tivermos em conta o número de eleitores efetivamente residentes no território nacional e os recenseados no estrangeiro, decorrem num contexto de pandemia em que o número de confinados vem crescendo. É certo que o Governo abriu excecionalmente uma janela de voto presencial para eles, mas a situação não deixa de constituir um condicionamento do voto. São ainda alegadamente diferentes por serem as primeiras que decorrem duma rejeição parlamentar da proposta do Orçamento do Estado, acabou de o dizer o Presidente da República, o que não é totalmente exato porquanto, em 1979, o IV Governo Constitucional viu a sua proposta de Orçamento rejeitada. Porém, o Governo apresentou outra, que foi aprovada na AR, mas com a rejeição do documento das Opções do Plano. Era do Orçamento para 1979 que se tratava. No entanto, a AR não foi dissolvida de imediato; primeiro, Eanes negociou com os partidos com assento parlamentar a formação dum governo de iniciativa presidencial que assegurava a governação do país e preparava as eleições “intercalares”; e, só depois da tomada de posse e da aprovação, melhor da não rejeição, parlamentar desse governo é que dissolveu a AR e marcou eleições.

Provavelmente, se Marcelo não tivesse atirado aos deputados logo com a dissolução da AR e a tivesse protelado para que as eleições fossem na primavera, passado que estaria este pico da pandemia, que era previsível, estas eleições não seriam tão diferentes.  

Os observadores perguntam-se se o país que elege os deputados é mesmo de abstencionistas ou se as contas estão mal feitas, estando a metodologia da pesquisa distorcida. Mais se interrogam se a abstenção é distribuída igualmente por todo o território onde vive o eleitorado, ou seja, se é igual para o territorio nacional, que nas eleições de 2019 teve 45,5% de não votantes, e para os territórios que onde moram os emigrantes, o que faz ascender a abstenção para os 51,43%.      

Ora, não faz sentido tomar o comportamento eleitoral como um todo quando, por exemplo, em 2019 só 10,79% (percentagem pouco alterada desde 2009) dos emigrantes votaram ou quando mais de um milhão de “eleitores-fantasma” distorcem a abstenção em cerca de 10%, para a abstenção que fica nos 35,5% do território nacional ou para os 41,43% com os emigrantes.

Assim, os especialistas na áreas política e sociológica preconizam que se olhe para os valores da abstenção tendo em conta o contexto demográfico, territorial e cultural da sociedade portuguesa, país de emigração, de diáspora e transculturalmente unido. Nestes termos, os valores da abstenção devem ser lidos, não só em termos globais, mas também considerando a territorialidade, sabendo-se que parte significativa da população eleitora está no estrangeiro e que desta parte de eleitores (os emigrantes portugueses) apenas uma parte residual vota. Por exemplo, nas eleições legislativas de 2015 e 2019, a sua participação eleitoral rondou os 10%, mesmo quando se multiplicou este número de inscritos de 242 852 inscritos, em 2015, para 1 468 754 inscritos.

Por isso, as leituras interpretativas dos valores da abstenção eleitoral quanto a causas da mesma devem ser mais contidas ao encontrarem-se respostas na falta de interesse pelo voto por parte dos eleitores, pois isso não explica a totalmente a abstenção. As causas desta, segundo os especialistas, devem ser encontradas nos mecanismos de acesso ao voto por parte da fatia de eleitores que mais se abstém e na forma por que se abstém.

A este respeito, Paula do Espírito Santo, professora no ISCSP e investigadora nestas áreas observa que “o voto tem dimensões de territorialidade que o explicam e tornam desigual” e que, “vistas em valores globais, pode ser falivelmente mal interpretada com respostas e causas que encontram na desmobilização dos eleitores, como um todo, a resposta mais imediata e aparente”. Assim, na ótica da especialista, “as explicações superficiais sobre a relação entre desmobilização e abstenção continuarão a promover a incapacidade de se resolver este problema, simplesmente porque o problema da abstenção eleitoral que afeta a nossa democracia está mal diagnosticado”. E, ainda que se corrijam a leitura e a interpretação da abstenção, restará a dificuldade de saber como concitar o voto dos eleitores portugueses no estrangeiro, sendo este um dos problemas centrais a atacar para diminuir os resultados globais da abstenção e cuja resposta poderá passar pela estratégia de voto eletrónico alternativo, prático para os emigrantes, pensada e prevista legalmente, com a devida antecedência em relação aos próximos atos eleitorais.

Analisando a última década, os últimos 4 ciclos eleitorais de 2009 a 2019, a conclusão é lapidar: quanto maior o círculo, menor a abstenção. É no pequeno grupo dos círculos eleitorais que elege mais de 70% dos deputados que a abstenção é menor. É uma estreita e curta linha ao longo do litoral, de Braga a Setúbal, incluindo Santarém. É nos 5 círculos eleitorais que elegem 60% dos deputados – Aveiro, Braga, Lisboa, Porto e Setúbal – que a participação eleitoral é mais elevada, ficando a abstenção abaixo ou ligeiramente acima da média nacional. Logo a seguir, vêm Santarém, Coimbra e Leiria, que elegem 12%, com valores de abstenção semelhantes. Nos restantes, os que elegem menos deputados, excetuando Castelo Branco e Évora, que se aproximam deste grupo, a abstenção é muito mais elevada. Os Açores são, dos 20 círculos nacionais, aquele cuja abstenção ronda, desde 2009, os 60% – nas legislativas de 2019 chegou aos 63,5%. Bragança e Vila Real são, no mesmo período, os mais abstencionistas no continente seguidos por Viseu, Viana do Castelo, Guarda e Faro, cuja tendência de quebra eleitoral se vem a agravar. Braga e Porto são os únicos dois círculos onde na última década (aconteceu nas legislativas de 2009) a abstenção não passou a fasquia dos 35%.

Falando dos candidatos eleitos propostos pelos partidos em cada círculo eleitoral, verifica-se que, em média, só 17,5% dos partidos candidatos em cada círculo eleitoral consegue eleger deputados. Lisboa é o círculo que elege mais partidos para a AR: 45% conseguem entrar. Ao invés, Portalegre tem a mais baixa percentagem (6,25%) de captação de partidos. O cruzamento dos partidos eleitos, círculo a círculo, com as listas de candidaturas revela que, além de Lisboa, surge um grupo de 5 distritos que mais partidos acolhe: Porto, Santarém, Setúbal, Aveiro e Braga. Logo depois. surgem Faro, Leiria e Coimbra.

Este ano, Bragança é o círculo onde menos partidos se apresentam a votos (13); Lisboa (20), Porto (19), Setúbal (19) e Europa (19) são os que têm mais partidos nos boletins de voto. A maioria anda pelos 17 partidos. Évora, Viana do Castelo, Vila Real e Açores ficam abaixo com 15.

Os círculos eleitorais coincidem, no Continente com os 18 distritos (um por distrito). Nas Regiões Autónomas há um por região. Depois, há um círculo para os emigrantes residentes na Europa e outro para os emigrantes residentes fora da Europa. Os círculos eleitorais elegem os seguintes deputados em números: Aveiro, 16; Beja, 3, Braga, 19; Bragança, 3; Castelo Branco, 4; Coimbra, 9; Évora, 3; Faro, 9; Guarda, 3; Leiria,10; Lisboa, 48; Portalegre, 2; Porto, 40; Santarém, 9; Setúbal, 18; Viana do Castelo, 6; Vila Real, 5; Viseu, 8; Madeira, 6; Açores, 5; Europa, 2; e Fora da Europa, 2. Em 2019, Guarda e Viseu perderam um deputado cada em prol de Lisboa e Setúbal. Já dantes, Portalegre passara de três deputados para dois.

Uma outra questão que se levanta é do limiar de exclusão, ou seja, a taxa abaixo da qual um partido não consegue eleger um deputado, que é tanto maior quanto menos eleitores o círculo tiver. Assim, para eleger um deputado em Évora, é preciso obter 25% dos votos, quando em Lisboa podem bastar 2%. Do meu ponto de vista, havia que definir um número mínimo de deputados a eleger em cada círculo, não alterável consoante as oscilações do número de eleitores e, depois, distribuir os restantes até ao limite constitucional.   

Quanto ao montante que os partidos recebem pelos votos obtidos, é de referir que, neste ano, a verba a distribuir é maior porque o IAS (indexante dos apoios sociais) subiu dos 438,81 para os 443,2€. Ou seja, há 7 091 200€ para distribuir – mais 70 240 que dantes. Com efeito, apesar das limitações criadas para travar financiamentos duvidosos e ilegais, os partidos em cada ato eleitoral recebem uma subvenção pública que atenua os custos das campanhas eleitorais.

Só há que esperar pela publicação oficial dos resultados e solicitar a subvenção ao presidente da Assembleia da República. Porém, é necessário ter apresentado listas com 118 candidatos efetivos e ter elegido, pelo menos, um deputado ou ter obtido 50 mil votos.

É dividido 20% da verba em partes iguais por todos os que preencheram os critérios; e 80% é entregue em função da proporção dos votos recebidos. Simplificando, 50 mil votos dão cerca de 150 mil euros de subvenção. Com a atualização do IAS também subiu o limite máximo de despesas admissíveis por candidato, que são agora de 21 273,6€, e o valor máximo de donativos por pessoa singular subiu para os 26 592€.

O perfil de deputado, de 1976 a 2019, é predominantemente homem, advogado/jurista ou professor, com idade compreendida “entre os 43 e os 62 anos de idade e, regra geral, natural do distrito pelo qual é eleito”. A grande mudança, nos últimos anos, está na presença das mulheres que passou da participação média de cerca de 16% de deputadas para 36%. As habilitações literárias dos deputados ou deputadas são a licenciatura (70%), o mestrado (13%), o doutoramento (11%), o bacharelato (1%) e o ensino secundário (5%).

O perfil do deputado eleito identificado por Jorge Fraqueiro no doutoramento “O sistema político português. Renovação ou estagnação dos seus principais atores no período da democracia 1974-2012” e atualizado no pós-doutoramento com os dados de 2015 e 2019 não difere muito do que revelam as listas de candidatos às eleições legislativas de 2022. A grande diferença está no número de estudantes.

Dos 1588 eleitos desde 1976, os que ficaram poucos anos na AR são muitos, mas há uma minoria de 475 deputados que foi ficando: uns por 12 anos, os restantes por 20, 30, quase 40 anos. Miranda Calha, Jerónimo de Sousa, Mota Amaral, José Magalhães, José Cesário, Jaime Gama, Arménio Santos, Jorge Lacão, Manuel Alegre, Pedro Pinto, Correia de Jesus, António Filipe e Ferro Rodrigues (por esta ordem) fazem parte do topo da elite de 475 deputados que foram permanecendo ao longo dos anos; uns 12 anos (36,8%); outros mais de 20, 30 anos (a maioria: 63,1%). Só dois vão a votos nestas eleições. Assim, 70% dos parlamentares estiveram, alguns ainda estão, na AR por 2 mandatos ou menos e 30% permaneceram, e ainda permanecem alguns, por 3 ou mais legislaturas.

Acresce dizer que na base da perda de deputados em alguns círculos decorre da rarefação populacional em alguns círculos, designadamente num interior cada vez mais desertificado e com povoados-fantasma. O grande número de óbitos e o pequeníssimo número de nascimentos dão o inverno demográfico. Por outro lado, a deslocação dos serviços e das empresas para o litoral e grandes centros gera as assimetrias geográficas e populacionais.

Todavia, é este o país que somos. E, mais que alterar as leis eleitorais ou até rever o sistema político, urge promover o crescimento económico criando riqueza, organizar o trabalho, qualificar a população, fortalecer o Estado Social e gerar conforto pessoal, familiar, profissional e social.

2022.01.30 – Louro de Carvalho

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