Já ouvi
muitos posicionamentos em relação ao catolicismo, mas nunca tinha ouvido uma
profissão de católico não crente.
É comum
as pessoas abonarem a sua personalidade de crentes com a afirmação de que são
católicas. Muitas asseguram expressamente que são católicas praticantes e
querem viver e morrer na fé católica. Não raro ouço dizer que A ou B é católico
não praticante. Outros dizem que lá têm a sua fezinha. É natural que os
católicos praticantes se reconheçam com falhas e mesmo com pecados; e seria mal
que se considerassem perfeitos. Tive um superior militar, um oficial general,
quando eu cumpria o serviço militar como capelão, que dizia, antes de entabular
conversa comigo sobre alguns assuntos mais graves: “Olhe, senhor capelão, eu sou católico praticante, mas à minha maneira”.
E, embora não precisasse de se explicar, porque eu o percebia, ele adiantava
que só ia à missa e a outras celebrações religiosas quando lhe dava jeito.
Obviamente poderia dizer “quando me apetece”, pois, quando não frequentamos por
estarmos seriamente impedidos por motivos inadiáveis, não deixamos de ser
praticantes.
Isto
vem a propósito de o presidente dum partido político, num debate eleitoral de 5
de janeiro, ter deixado escapar, sem necessidade, que é católico não praticante
e não crente.
Dou de
barata a asserção porque Rui Rio ou forçou a expressão inadvertidamente ou quis
dizer metaforicamente qualquer coisa que me escapou. E assim encerro a
hipotética parte política da questão, que é mais funda do que aparenta.
Um
católico ou é católico ou não o é. E, para o ser, requer-se que professe a fé
católica e, dentro do que lhe é possível, pratique. E esta prática implica:
receber e promover a formação religiosa católica doutrinal ao longo da vida;
promover atos de culto e participar neles, sejam eles de caráter litúrgico e
comunitário, sejam de âmbito privado e popular; e promover ações de caráter
solidário e participar nelas, sejam de emergência e resposta imediata, sejam
estruturais e de longo alcance. A pari,
é preciso procurar viver uma vida pessoal, familiar e social em total
consonância e coerência com a fé que se professa, em termos de usos e costumes,
a nível pessoal, familiar e social – sempre à luz da Sagrada Escritura e na
atenção aos sinais de Deus que palmilham o mundo, os chamados “sinais dos
tempos”. Na verdade, todos os batizados participam do tríplice múnus de Cristo:
profecia, sacerdócio e Realeza/serviço.
Não é
lícito reservar a fé para o templo/sacristia ou confiná-la à esfera privada,
porque ela, sob pena de ser descafeinada, tem consequências comunitárias,
sociais económicas e políticas, como não é lícito entrar em público em nome da
fé, mas sem fé. No primeiro caso, teríamos o beatismo inconsequente; no
segundo, a hipocrisia, o aproveitamento, o oportunismo.
O
católico é um cristão. E, para que nos possamos chamar cristãos ou santos –
antes de Antioquia, os seguidores de Cristo eram chamados santos, não porque
não pecassem, mas porque estavam, pelo Batismo enxertados em Cristo, o Santo de
Deus –, precisamos de aceitar Jesus Cristo
como Salvador, ser suas testemunhas e arautos e segui-Lo. Com o Batismo, sacramento
a ministrar após algum tempo de preparação, a menos que a urgência dite de
outro modo, deixamos que seja o Espírito Santo a guiar a nossa vida.
Portanto, ser
cristão não é apenas afirmar que se possui a fé em Jesus Cristo, mas é preciso estar
de acordo com seus ensinamentos e seguir o que foi pregado por Ele. Por outras
palavras, é necessário entender o que Cristo pregou e diariamente praticar as
ações tendentes ao estado de santidade. Por conseguinte, o cristão tem Jesus como o exemplo supremo de benevolência
e ser humano. Por isso, é importante que a pessoa se identifique com a figura
de Cristo e se comprometa, em comunidade, com a missão de continuar a espalhar
o amor dele pelas pessoas e povos na Terra. Com efeito, seguindo
os ensinamentos de Cristo, o cristão estará a criar um testemunho de vida
relacionado com o filho de Deus, uma das premissas da religião cristã.
Ser católico
é também ser cristão, mas em comunhão com o Papa, Bispo de Roma, Sucessor de
Pedro. Na Igreja católica, sem deixar de se realçar a importância da pessoa e
da santidade pessoal, enfatiza-se a comunidade e a história marcada pela
chamada sucessão apostólica. E são as pessoas, mas de braço dado em comunidade,
que dão continuidade à missão de Jesus Cristo.
Para esta
continuidade da missão de Cristo, a Igreja segue os passos de Pedro e dos
outros discípulos, que ficaram encarregados de espalhar o ideal de Jesus após a
sua morte e ressurreição. Cristo fundou a Igreja sobre Pedro, sucedendo-lhe o Papa
ou Bispo de Roma, porque Pedro foi martirizado em Roma. Os bispos são os
sucessores dos outros apóstolos.
Apesar de
todo católico ser cristão, a Igreja constitui um local e um tempo de
acolhimento para todos os cristãos, sejam de qualquer lugar ou tempo. Por isso,
tem a sua base em quatro pilares: unidade, santidade, universalidade ou
catolicidade e apostolicidade
A unidade
postula que, apesar de várias igrejas pelo mundo, só exista uma Igreja
Católica, com Pedro e sob Pedro, mas enriquecida com a colegialidade dos Bispos
em união com o Papa e com a auscultação e cooperação de todo o Povo de Deus.
Convém esclarecer que unidade não implica uniformidade ou mesmo unicidade,
antes a diversidade e criatividade locais constituem fonte de enriquecimento do
todo eclesial. Tal é a riqueza do encontro de culturas. Porém, requer-se o
consenso naquilo que é essencial.
A Igreja é
santa, não porque não tenha pecadores, mas porque participa na Santidade de
Cristo, que a redimiu com o seu sangue e a santifica no Espírito Santo.
A Igreja é
católica porque recebe crentes em e de qualquer lugar do planeta, caraterística
denominada de universalidade, tendo em vista a promoção e santificação de todos
os homens e do homem todo. Tem uma visão holística da realidade e com tal visão
atua localmente.
Já o
fundamento apostólico é o de que a Igreja segue o ensinamento e a ação dos
apóstolos, pois eles tiveram contacto pessoal com Cristo e foram testemunhas
oculares dos seus milagres, ensinamentos e, sobretudo, da sua Ressurreição, o
fundamento da nossa fé e garantia da nossa ressurreição futura.
Portanto, o
católico, comprometido com Jesus Cristo, aceita a autoridade do Papa e dos Bispos,
que, apoiados no estudo teológico e na pele de Pastores, ajudam a interpretar a
Escritura, que surge e se lê na linha da genuína Tradição da Fé, que se
sobrepõe às muitas tradições menores.
***
Sendo
assim, não faz muito sentido a declaração de católico não praticante, muito
menos a de católico não crente. Claro, sabemos que muitos foram batizados em
criança e frequentaram a catequese por imposição dos pais, da sociedade ou dos
costumes, enfim, num sistema de gregarismo. E a fé estiolou e a prática
eclipsou-se, reaparecendo em determinados momentos da vida pessoal, familiar ou
social, quando aparece a desgraça ou quando dá jeito. Só que, por vezes, tais
circunstâncias fazem ressurgir a fé e a prática. E “Deo Gratias!”. Porém, muitas vezes, a renitência é persistente e
impenitente, quando não é supina. Por isso, lá se ouvem as vozes: “acredito,
mas não pratico”; “não ligo a essas coisas, mas tenho a minha fé”; “eu rezo
diretamente a Deus”; “eu tenho fé em Deus e Nossa Senhora, mas não quero nada
com os padres”; “eu não acredito, nem pratico, mas tenho muito respeito por
quem pratica”. E ainda temos quem assista a determinadas cerimónias religiosas
porque o seu povo é crente, porque é tradição da terra, da família ou do grupo
de amigos, ou porque constam da agenda de um evento ou de uma efeméride.
***
A
propósito da asserção de Rio, vi um blogue dum homem que se declara “ateu desde
o berço”, pois o pai proibira que o batizassem, mas garante que disso não faz
proselitismo junto de ninguém, nem mesmo da filha. Mais diz que raras vezes se
comoveu como quando, aos 24 anos, visitou o Tintoretto na Scuola Grande di
San Rocco, observando que terão tal desvergonha de choro até às lágrimas por
parte dum homem “o ambiente soturno e, acima de tudo, a fome endémica de quem
está em inter-rail. E declara: “Se
dúvidas tivesse, desvanecia-as ali: sou um cristão, cultural.”.
Sobre Rio,
entende que terá querido remeter a sua posição para um conjunto de princípios
“civilizacionais”, mas considera tal remissão “um erro crasso, uma ignorância
tétrica” e “uma patética, desesperada, piscadela de olho ao Portugal mariano”. A
este respeito, lembro-me de um bracarense que dizia: “Sou ateu, não acredito na religião dos padres, mas, se alguém disser
mal da Senhora do Sameiro, eu racho-o”. Ora os incréus não são católicos e,
em rigor, os não praticantes não são católicos. Porém, quanto aos não
praticantes, essa posição algo radical é incompatível com o tratamento que a Igreja
faz de modo algo abrangente, talvez esperando pela recuperação deles, porque o
ser humano pode mudar e espera-se que mude, pois Deus não desiste, não Se cansa.
E o
blogue em causa recorda algumas gafes de políticos: a injusta (dado o
terrível momento familiar que vivia) de
Guterres, com as contas da inflação ou do défice; a de Santana, com os violinos
de Chopin; a de Cavaco, com Mann por Morus; a de Costa, com vírus e bactérias;
etc. Essas não eram denotativas de algo particular, mas apenas de distração ou
ignorância setorial, ao passo que a de Rio denota irreflexão estrutural sobre
si mesmo, a sociedade e o Estado, ancorado numa laicidade um pouco enviesada. E
Rio, político experimentado e surpreendente, é melhor que isso, não havendo
necessidade de cair nestes equívocos.
É certo
que o Rio dos debates tem sido objeto de desinterpretações e manipulações,
sendo superior a estes diálogos curtos, mas não deve ser avaliado pelos debates.
Além disso, os políticos devem ser avaliados mais pelo que fazem do que pelo
que dizem, pois as palavras leva-as o vento, ao passo que a ação permanece nos
seus efeitos e consequências.
E os
políticos dificilmente nos farão sair da situação em que estamos mergulhados se
confiarem apenas na intervenção divina. As suas dúbias intervenções deixam a
dúvida de se o fazem propositadamente para que se discutam as diferentes
interpretações ou se os próprios não sabem o que dizem. De facto, embora a
palavra seja volátil, é por ela que nos comprometemos.
Enfim, a
política, como a economia exigem trabalho, criatividade, comunicação,
mobilização e avaliação, mas não dispensa a fé, a confiança e a solidariedade.
E estas, se se inspirarem na fé evangélica e na fraternidade universal, poderão
fazer o milagre da transformação social. Portanto, católicos não crentes
dispensam-se: preferem-se crentes não católicos em todo o caso. Mas é melhor
ser católico crente e praticante, embora com respeito e compreensão pelos
outros.
2022,01.06 – Louro de Carvalho
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