quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Sobre as pretensões da Grécia

Queiramos ou não, com os resultados das recentes eleições legislativas na Grécia, a correlação das forças políticas ficou profundamente alterada. Não sabemos se os gregos quiseram dar a confiança política ao partido de Alexis Tsipras, mas temos a certeza de que eles não quiseram que o status quo anterior às eleições se mantivesse.
Por seu turno, o líder do partido ganhador, depois de ter proclamado a viragem histórica da comunidade política nacional, conseguiu a coligação com um partido ideologicamente distante, mas afim no entendimento da relação com a União Europeia (UE) e com a zona Euro.
Mal seria que o novel Primeiro-Ministro viesse renunciar de imediato às opções que sempre julgou as melhores para a Grécia. Coube-lhe, no entanto, o dever e a lucidez de procurar manter o essencial das opções, mas percorrendo o caminho realista das negociações, na procura da consecução do máximo sem perder a tramontana da UE e do Euro.
É tautológico virem as instâncias europeias clamar que os gregos têm o direito de eleger quem quiserem, mas têm de respeitar os acordos ou que são soberanos nas escolhas, mas têm de ter em conta as opções dos outros eleitorados. Tanto quanto sei, a política faz-se de opções, se nem sempre as ideais, ao menos as possíveis, devendo-se, apesar de tudo, trabalhar pelas soluções ideais e desejáveis. Já as relações internacionais ou a diplomacia estabelecem-se, mantêm-se e fortificam-se com o diálogo e a negociação. E a negociação envolve habitualmente cedências de parte a parte e contrapartidas.
Porém, argumentar reativamente com os eleitores de outros países para obstar aos desejos emergentes do eleitorado que se manifestou hic et nunc em eleições parece falacioso. Por exemplo, quem argumenta hoje com a vontade do eleitorado da Finlândia, da Holanda ou da Alemanha esquece quatro coisas: a falta de pedagogia junto dos respetivos eleitorados para a solidariedade e para o dito projeto europeu e da moeda única; a contribuição que cada um dos países membros dá, segundo o seu PIB, para o BCE, para o Fundo de Estabilização Financeira Europeia e para o FMI; as formas históricas como foram resolvidas as situações problemáticas de determinados países e da própria Europa; e as repercussões da derrocada de um país no sistema, nomeadamente do Europeu da moeda única. Por outro lado, esquecem-se as responsabilidades que a Grécia teve na sua situação, mas também as da Alemanha, da França e de outros países, como se esquece o facto de que os países têm o direito e o dever de também estabelecerem ligações com outros mundos (Grécia com a Rússia, Espanha com a América Latina, Portugal com a CPLP…).
O que a Europa devia fazer era ficar na expectativa ativa, dispor-se a negociar, embora não a qualquer preço. Os acordos são efetivamente para respeitar, mas nada obsta a que se reformulem, já que resultaram da vontade e da necessidade das partes, que podem ter conhecidos novos contornos.
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Pretende provocar distração a afirmação de que o governo grego já recuou ou já está a aprender a lição. Porém, dizer que renegociar a dívida grega é um “conto de crianças”, como refere o Primeiro-Ministro de Portugal, é cruel e significa não levar a sério um governo eleito democraticamente.  
Assumir a postura do Presidente da República Portuguesa de que a Grécia não pode fazer o que muito bem entender, que “essa coisa” de renegociação da dívida grega que não é outra coisa que o perdão da dívida, segundo o que entendem os mercados (o governo já declarou não almejar o perdão), é sacralizar o predomínio do mercado mesquinho. Já não é a supremacia do económico sobre o político ou do financeiro sobre o económico, mas o capricho do puro economicismo. Recordar que Portugal deu para a Grécia mil e cem milhões de euros e que transfere regularmente dinheiro para a Grécia, além de não rigoroso, é humilhante. Mais: se um programa dá o resultado contrário ao desejável, se prostra um povo no empobrecimento generalizado, se lhe esmifra as empresas e o emprego, se lhe destrói a classe média e os trabalhadores da administração pública – tem mesmo de ser revisto. Isto é necessário a bem do devedor e a bem dos credores. Ou seja, se não se cresce economicamente, se não se consome, se o juro não baixa significativamente, se o tempo não se alarga, se não se corrigem as situações estruturais, nunca a dívida soberana será saldada.
Para já, não seria demais autorizar a Grécia a emitir títulos de dívida pública a curto prazo para que se ganhasse tempo para a negociação eficaz. Depois, seria legítimo aceitar como ponto de partida a ideia de redimensionar os acordos no âmbito da Europa e somente pensar no FMI numa ótica suplementar. A dívida da Grécia é fundamentalmente um problema europeu e deveria ser equacionado e resolvido, tanto quanto possível, no quadro europeu. Aí, o Governo de Portugal teria uma palavra a dizer, até porque decidiu antecipar ao FMI o pagamento da fatia da dívida que cabe a esse instrumento financeiro internacional.
Estamos em tempo de termos concluído que não vale ser bom aluno da Europa, aprender com Europa ou ensinar a Europa. A relação é política, negocial, contributiva, mutuária e solidária.
Os gregos têm o direito de fazer as suas propostas até ao limite (falidos, sim, mas livres); e cabe às instâncias europeias discutir até onde poderão chegar, do lado da perspetiva holística.
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Por isso, 32 personalidades de diferentes quadrantes políticos (cientistas, economistas, embaixadores, políticos…) defendem junto do Governo de Portugal que é contraproducente a forma como o Governo olha o problema grego. Não pode continuar a afirmar-se que, “mesmo perante a grave crise humana que se vive na Grécia, a política de austeridade prosseguida se deve manter inalterada”, já que os factos a invalidaram.
Salientam que “a Europa vive uma situação difícil, pelas tensões militares nas suas periferias e pelos efeitos devastadores de políticas recessivas que geraram desemprego massivo, aumento do peso das dívidas soberanas e deflação, abalando assim os alicerces de muitas democracias”. Por isso, o “momento exige uma atitude construtiva”, que leve a uma cooperação europeia de que Portugal não se pode excluir. A União Europeia deve combater a incerteza da zona euro, para o que precisa de adotar uma abordagem robusta que promova soluções realistas e de efeito imediato. É “uma oportunidade, que não pode ser desperdiçada, para um debate europeu sobre a recuperação das economias e das políticas sociais dos países mais sacrificados”. Também é do interesse do país ajudar a uma solução multilateral do problema das dívidas europeias, pela redução do serviço da dívida em todos os países afetados, que tem sufocado o crescimento económico. É ainda necessário arredar da Europa o discurso punitivo e induzir a assunção da responsabilidade solidária, não humilhando estados-membros, mas promovendo a convergência, sem destruição do emprego e das economias e gerando uma democracia inclusiva. 
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Depois do périplo pela Europa de governantes gregos, nomeadamente do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças, veio a reunião do Eurogrupo, que se saldou num “desacordo” e na promessa da continuação do debate das matérias que estão sobre a mesa
Entretanto, Alexis Tsipras e Jeroen Dijsselbloem dão sinais de quererem desbloquear o impasse.
Os dois concordaram em pedir às instituições (à troika) para começarem a trabalhar com as autoridades gregas. É um trabalho técnico que visa encontrar uma base de entendimento comum entre o atual programa de assistência e as pretensões do governo. O escopo é facilitar as negociações para durante a próxima sessão do Eurogrupo.
A Grécia parece apostada em desafiar a paciência alemã – e não estará sozinha no seio do Eurogrupo – ao querer pôr fim ao programa de resgate com as caraterísticas atuais. 
Fontes diplomáticas gregas asseguram que, neste momento, a Grécia não quer mais dinheiro nem novos empréstimos, mas um acordo político. Insistem numa “ponte” que lhes dê tempo para preparar um novo programa, que altere os atuais condicionalismos. Anote-se como inovação o novo propósito: “Os nossos ministros não falam com tecnocratas”.
Paralelamente às cimeiras europeias, decorrem encontros bilaterais entre os gregos e os restantes parceiros europeus. Mesmo que uma alteração do programa de resgate grego dependa formalmente de uma decisão unânime do Eurogrupo, estes encontros bilaterais podem ajudar a ultrapassar a situação problemática. O próprio Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, admitiu estar “muito preocupado” com a falta de avanço nas negociações. 
Em relação às declarações oficiais das autoridades de Portugal e da Espanha, o Governo de Tsipras diz que estas posições duras sobre a Grécia devem-se a políticas internas. Quanto ao mais, Tsipras declarou que “qualquer decisão quanto à Grécia tem de se basear no respeito pelos valores fundamentais da democracia e na necessidade do respeito pelas regras e normas europeias”.
Todavia, Berlim continua a opor-se à cedência às pretensões gregas, reiterando a necessidade de o Executivo de Tsipras cumprir os compromissos internacionais, ao contrário, por exemplo, de Paris, que se mostra mais aberta a tentar um consenso com Atenas.
Por seu turno, Alexis Tsipras insiste na necessidade do abandono de vez das políticas de austeridade e da recuperação do dinamismo económico europeu, sublinhando também que o país vai apostar no equilíbrio das suas contas públicas. Diz mesmo que “é tempo de trazer de volta a agenda do crescimento num caminho de solidariedade social para os cidadãos e para o nosso futuro europeu”.
Segundo o governante, a prioridade do seu Executivo é mostrar aos parceiros europeus que é possível estabelecer uma “ponte” e encontrar “soluções em linha com os seus princípios”.
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São bem-vindas estas posições que puxam pela Europa, a ver se ela sai do marasmo, se evita uma depressão que se queira vizinhar e se fica mais solidária, não hipotecando a solução dos problemas comuns ou setoriais de interesse e repercussões comuns.

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