Os destinatários desta
reflexão deveriam ser, pelo teor do que, a seguir, se explana, não somente o
atual Ministro da Educação, mas também os que anteriormente sobraçaram a pasta
da Educação e/ou a da Ensino Superior, bem como os magnânimos professores das
instituições do ensino superior e outros.
Depois de ter ouvido, no
passado domingo, o comentário do Professor Marcelo Rebelo de Sousa e de ter
lido hoje no DN on line, um texto de Pedro Tadeu sob o provocatório
título Quem foi o burro que deu canudo
aos professores burros (?), senti uma certa obrigação de voltar ao tema da
PACC (prova de avaliação de conhecimentos e capacidades) a que têm
de sujeitar-se aqueles que detêm um diploma de habilitação
académico-profissional para a docência e que tenham menos de cinco anos de
experiência docente.
Já, em
tempos, o conselho científico do IAVE-IP se pronunciou sobre a PACC,
contestando a estrutura, o conteúdo e o ajustamento à finalidade para que foi
criada – o que foi considerado intervenção fora do âmbito das suas competências
por parte do Presidente daquele instituto.
Por seu
turno, Marcelo, embora reconhecendo como lamentável haver tantos candidatos à
docência a dar erros, reconheceu que aquela prova não avalia competências
específicas para a docência (mesmo sem ter em conta a posição de Vasco
Pulido Valente sobre a correção e validade de algumas questões), que
podia ser apresentada a outros grupos profissionais e o panorama de respostas
não seria muito diferente, considerando que a maior parte dos seus alunos, na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, dão erros como os detetados nas
respostas da PACC. Por outro lado, embora tivesse criticado a postura dos
candidatos a professores e as alegadamente aligeiradas afirmações de Mário
Nogueira, não deixou passar em claro aquele pelo menos aparente gosto do
Ministro da Educação de referir, em abono das suas razões, que houve quem
tivesse dado 20 erros numa só frase, como que se legitimando para manter a
prova por necessária e eficaz para escolher os melhores.
Não esqueço
que, ali pelo ano de 2004, uma conhecida professora catedrática da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto revelou, num encontro de professores, que invariavelmente
os seus alunos, mesmo os estagiários para o ensino, cometiam, ano após ano,
erros ortográficos e de sintaxe.
Pelo menos
desde a década de oitenta do século passado, se disseminou a ideia, falando de
professores, de que “todos somos professores de português”. E a Direção
Regional de Educação do Centro programou e desenvolveu algumas ações de
formação contínua de docentes em torno daquele chavão. E, ainda hoje, o
normativo sobre a avaliação dos alunos do ensino básico determina que
“A aprendizagem
relacionada com as componentes do currículo de caráter transversal ou de
natureza instrumental, nomeadamente no âmbito da educação para a cidadania, da compreensão
e expressão em língua portuguesa e da utilização das tecnologias de
informação e comunicação, constitui objeto de avaliação em todas as
disciplinas, de acordo com os critérios definidos pelo conselho
pedagógico” (sublinhei).
Da
experiência que tenho no ensino retiro que, se um aluno se encontra em situação
dúbia sobre transição para o ano seguinte, um dos critérios de decisão em
conselho de turma é o do domínio da língua portuguesa.
***
Ora, o predito colunista Pedro Tadeu
sustenta que, a dar crédito às declarações do Ministro da Educação de que terá havido
quem tenha dado “20 erros numa frase”, temos uma conclusão implícita de que “há
professores burros a dar aulas”, até porque dos que se sujeitaram à PACC alguns
já detêm alguma experiência no ensino e, mesmo que não a detenham, são
portadores de um diploma académico-profissional para a docência. Não se trata
de licenciados, ou agora mestres, em qualquer área do saber e que pretendem uma
qualificação profissional para o ensino, como era corrente no século passado. E
o colunista, como consequência, pergunta: “Se é assim, quem foi o burro que
lhes deu o canudo para serem professores?”.
Mas o Ministro, que se
apresentou como o paladino do rigor, quando entrou para a governança, deveria
ser mais cuidadoso nas suas afirmações. Mesmo fazendo o discurso do lamento,
poderia ter notado que os 2490 professores (aliás, candidatos a professores) representam a pequeníssima
fatia de 0,14% do universo total dos professores do ensino público, como refere
entre parêntesis Pedro Tadeu. E dessa fatia – digo eu apoiado nos dados
revelados – 34,7% dos examinados não cometeu qualquer erro (ortográfico, de
acentuação, de pontuação ou de sintaxe). É, pois, injusto medir tudo pela mesma bitola.
Já agora, apraz-me, a talho
de foice, esclarecer que os erros mais graves na expressão escrita do Português
não são todos os erros ligados à escrita, mas os de sintaxe e os ortográficos que
se prendam com a estrutura fundamental dos vocábulos.
Demais, em vez de
professores e outras pessoas ligadas à cultura ou à administração pública e
empresarial de impacto público se andarem a digladiar, teimar ou a divertir em
torno das velhas ou novas ortografias, deveriam estudar mais a língua
portuguesa, promover mais o seu correto uso e zelar mais a sua política e valia
internacional. Todos sabem que foram os poderes legítimos que determinaram a
nova reforma ortográfica. Estas reformas, embora devam ser apoiadas em
pressupostos científicos (que estão longe de ser unívocos), são decididas pelo poder político. Ora,
não há nenhum magistrado (judicial ou do Ministério Público) que não aplique ou
nenhum cidadão que não seja obrigado a respeitar um código processual. E, que
eu saiba, também estes resultam dos decisores políticos, ainda que ouvidas as
instâncias do direito. Mas, em relação ao novo acordo ortográfico, um juiz terá
dito ao funcionário que escrevesse sem erros. E, ante a objeção neo-ortográfica
do funcionário, esclareceu que o acordo não estava em vigor em Portugal (confundiu o juiz a não
obrigatoriedade de aplicação com a questão da vigência).
***
Voltando à PACC, a menos
que se pressuponha ser intenção governamental fragilizar ao máximo a escola
pública (excluindo
da carreira ao maior número de docentes e esmifrando a própria carreira), abrindo largos
caminhos aos privados, é de acompanhar a posição de Pedro Tadeu:
“É estranhíssimo que o ar de tragédia nacional com que o ministro
comentou os resultados de uma prova cujo enunciado, como já foi demonstrado por
inúmeros analistas, era um verdadeiro desastre, não tenha sido acompanhado pelo
anúncio de uma reforma, um inquérito, uma simples análise ao sistema de
formação de professores, a questão que é aqui essencial”.
Aliás,
soube-se hoje que o Tribunal
Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF)
considerou nulo o diploma que criou a prova de avaliação de professores, tendo
o Ministério da Educação e Ciência (MEC)
já anunciado que irá recorrer da decisão.
Já
em 2013, aquando da publicação do despacho do calendário da realização da PACC,
a Federação Nacional de Professores (Fenprof) avançou com várias providências
cautelares, sendo que algumas suspenderam provisoriamente a realização da prova.
Agora, trata-se de decisão, não de uma providência cautelar, mas de ação
principal que percorreu todos os trâmites processuais, embora na alçada da
primeira instância. Com efeito, o TAF de Coimbra proferiu sentença: anular o
despacho com que o MEC lançou a aplicação da PACC.
No seu acórdão – revela a
Fenprof – o TAF considera que o diploma “ofende o princípio da segurança
jurídica imanente da ideia de Estado de Direito Democrático, bem como a
liberdade de escolha da profissão” prevista na CRP.
Por mim, penso que a
primeira razão está inteiramente acertada, ao passo que a segunda é de mérito
duvidoso, já que a liberdade de escolha de profissão não é um direito absoluto,
devendo pautar-se por regras definidas por lei. Caso contrário, seria necessária
uma “varredela” por esse país fora a desviar todos os escolhos que impedem o
acesso às profissões
Porém, a respeito da
anulação decretada pelo TAF, João Louceiro, da Fenprof, explicou à Lusa que esta
decisão significa que as provas até agora realizadas já “não podem produzir os
efeitos que o ministério pretendeu”, sublinhando que a “sentença representa uma
enorme derrota de quem continua a insistir na aplicação de uma prova que o
tribunal vem assinalar que enferma de ilegalidade”. Por seu turno, também fonte
do MEC revelou à Lusa que “irá interpor recurso para o Tribunal Central
Administrativo Norte (TCAN) no respetivo prazo legal, ato que tem efeitos
suspensivos da decisão”.
E o renomado colunista
Pedro Tadeu, acima referido, pergunta-se porque interessa ao ministro fazer
provas que chumbam professores em vez de fazer travar o escoamento para a
docência dos incapazes, nas Escolas Superiores de Educação (e eu acrescento “nas
Universidades”).
E conclui que “melhorar a formação dos professores de forma a impedir que os ‘burros’
possam ensinar, não interessa. Interessa é deixá-los entrar no sistema para
acabar de vez com o prestígio da profissão docente e ganhar os líderes de
opinião para o processo, em curso, de destruição do ensino público...”
***
Por mim, digo e redigo que tem de
cuidar-se das condições do ingresso na formação inicial dos professores (não
virem para esta atividade os que não sabem ou não querem mais nada); zelar pela qualidade
científica, pedagógica e ética da formação, ao nível da excelência; e fazer
avaliação profissional dos recém-formados na aproximação à escola (num
período probatório ou similar)
sob a supervisão de
um docente mais antigo e experiente. Por outro lado, cuidar da formação
contínua dos docentes, dado que há por aí muita coisa a melhorar, a atualizar e
a reconverter.
Porém, não posso deixar de
reiterar a necessidade de estender o mesmo rigor às demais formações
académicas, no atinente às competências no domínio da língua portuguesa,
capacidade de raciocínio, formação cívica e ética, cultura geral e quiçá nas
áreas específicas. Ou será que os outros diplomados mostram um êxito perfeito
nas matérias em que foram diplomados. Todavia, os ministros não vêm a público
lavar roupa suja! Porque será?
Por fim, um recadinho às escolas
(públicas
e privadas): essas
notas correspondem mesmo aos reais níveis de aprendizagem no português, nas
outras línguas, na matemática, nas outras ciências, nas artes e nas expressões.
A leitura comparada das estatísticas e das declarações públicas faz-me suspeitar
da mascaração da situação ou, em linguagem beata, do esvaziamento da água benta
das igrejas.
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