terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Não, senhores Ministro e ex-Ministros (as)!

Os destinatários desta reflexão deveriam ser, pelo teor do que, a seguir, se explana, não somente o atual Ministro da Educação, mas também os que anteriormente sobraçaram a pasta da Educação e/ou a da Ensino Superior, bem como os magnânimos professores das instituições do ensino superior e outros.
Depois de ter ouvido, no passado domingo, o comentário do Professor Marcelo Rebelo de Sousa e de ter lido hoje no DN on line, um texto de Pedro Tadeu sob o provocatório título Quem foi o burro que deu canudo aos professores burros (?), senti uma certa obrigação de voltar ao tema da PACC (prova de avaliação de conhecimentos e capacidades) a que têm de sujeitar-se aqueles que detêm um diploma de habilitação académico-profissional para a docência e que tenham menos de cinco anos de experiência docente.
Já, em tempos, o conselho científico do IAVE-IP se pronunciou sobre a PACC, contestando a estrutura, o conteúdo e o ajustamento à finalidade para que foi criada – o que foi considerado intervenção fora do âmbito das suas competências por parte do Presidente daquele instituto.
Por seu turno, Marcelo, embora reconhecendo como lamentável haver tantos candidatos à docência a dar erros, reconheceu que aquela prova não avalia competências específicas para a docência (mesmo sem ter em conta a posição de Vasco Pulido Valente sobre a correção e validade de algumas questões), que podia ser apresentada a outros grupos profissionais e o panorama de respostas não seria muito diferente, considerando que a maior parte dos seus alunos, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, dão erros como os detetados nas respostas da PACC. Por outro lado, embora tivesse criticado a postura dos candidatos a professores e as alegadamente aligeiradas afirmações de Mário Nogueira, não deixou passar em claro aquele pelo menos aparente gosto do Ministro da Educação de referir, em abono das suas razões, que houve quem tivesse dado 20 erros numa só frase, como que se legitimando para manter a prova por necessária e eficaz para escolher os melhores.
Não esqueço que, ali pelo ano de 2004, uma conhecida professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade do Porto revelou, num encontro de professores, que invariavelmente os seus alunos, mesmo os estagiários para o ensino, cometiam, ano após ano, erros ortográficos e de sintaxe.
Pelo menos desde a década de oitenta do século passado, se disseminou a ideia, falando de professores, de que “todos somos professores de português”. E a Direção Regional de Educação do Centro programou e desenvolveu algumas ações de formação contínua de docentes em torno daquele chavão. E, ainda hoje, o normativo sobre a avaliação dos alunos do ensino básico determina que
“A aprendizagem relacionada com as componentes do currículo de caráter transversal ou de natureza instrumental, nomeadamente no âmbito da educação para a cidadania, da compreensão e expressão em língua portuguesa e da utilização das tecnologias de informação e comunicação, constitui objeto de avaliação em todas as disciplinas, de acordo com os critérios definidos pelo conselho pedagógico” (sublinhei).

Da experiência que tenho no ensino retiro que, se um aluno se encontra em situação dúbia sobre transição para o ano seguinte, um dos critérios de decisão em conselho de turma é o do domínio da língua portuguesa.
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Ora, o predito colunista Pedro Tadeu sustenta que, a dar crédito às declarações do Ministro da Educação de que terá havido quem tenha dado “20 erros numa frase”, temos uma conclusão implícita de que “há professores burros a dar aulas”, até porque dos que se sujeitaram à PACC alguns já detêm alguma experiência no ensino e, mesmo que não a detenham, são portadores de um diploma académico-profissional para a docência. Não se trata de licenciados, ou agora mestres, em qualquer área do saber e que pretendem uma qualificação profissional para o ensino, como era corrente no século passado. E o colunista, como consequência, pergunta: “Se é assim, quem foi o burro que lhes deu o canudo para serem professores?”.
Mas o Ministro, que se apresentou como o paladino do rigor, quando entrou para a governança, deveria ser mais cuidadoso nas suas afirmações. Mesmo fazendo o discurso do lamento, poderia ter notado que os 2490 professores (aliás, candidatos a professores) representam a pequeníssima fatia de 0,14% do universo total dos professores do ensino público, como refere entre parêntesis Pedro Tadeu. E dessa fatia – digo eu apoiado nos dados revelados – 34,7% dos examinados não cometeu qualquer erro (ortográfico, de acentuação, de pontuação ou de sintaxe). É, pois, injusto medir tudo pela mesma bitola.
Já agora, apraz-me, a talho de foice, esclarecer que os erros mais graves na expressão escrita do Português não são todos os erros ligados à escrita, mas os de sintaxe e os ortográficos que se prendam com a estrutura fundamental dos vocábulos.
Demais, em vez de professores e outras pessoas ligadas à cultura ou à administração pública e empresarial de impacto público se andarem a digladiar, teimar ou a divertir em torno das velhas ou novas ortografias, deveriam estudar mais a língua portuguesa, promover mais o seu correto uso e zelar mais a sua política e valia internacional. Todos sabem que foram os poderes legítimos que determinaram a nova reforma ortográfica. Estas reformas, embora devam ser apoiadas em pressupostos científicos (que estão longe de ser unívocos), são decididas pelo poder político. Ora, não há nenhum magistrado (judicial ou do Ministério Público) que não aplique ou nenhum cidadão que não seja obrigado a respeitar um código processual. E, que eu saiba, também estes resultam dos decisores políticos, ainda que ouvidas as instâncias do direito. Mas, em relação ao novo acordo ortográfico, um juiz terá dito ao funcionário que escrevesse sem erros. E, ante a objeção neo-ortográfica do funcionário, esclareceu que o acordo não estava em vigor em Portugal (confundiu o juiz a não obrigatoriedade de aplicação com a questão da vigência).
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Voltando à PACC, a menos que se pressuponha ser intenção governamental fragilizar ao máximo a escola pública (excluindo da carreira ao maior número de docentes e esmifrando a própria carreira), abrindo largos caminhos aos privados, é de acompanhar a posição de Pedro Tadeu:
“É estranhíssimo que o ar de tragédia nacional com que o ministro comentou os resultados de uma prova cujo enunciado, como já foi demonstrado por inúmeros analistas, era um verdadeiro desastre, não tenha sido acompanhado pelo anúncio de uma reforma, um inquérito, uma simples análise ao sistema de formação de professores, a questão que é aqui essencial”.

Aliás, soube-se hoje que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF) considerou nulo o diploma que criou a prova de avaliação de professores, tendo o Ministério da Educação e Ciência (MEC) já anunciado que irá recorrer da decisão.
Já em 2013, aquando da publicação do despacho do calendário da realização da PACC, a Federação Nacional de Professores (Fenprof) avançou com várias providências cautelares, sendo que algumas suspenderam provisoriamente a realização da prova. Agora, trata-se de decisão, não de uma providência cautelar, mas de ação principal que percorreu todos os trâmites processuais, embora na alçada da primeira instância. Com efeito, o TAF de Coimbra proferiu sentença: anular o despacho com que o MEC lançou a aplicação da PACC.
No seu acórdão – revela a Fenprof – o TAF considera que o diploma “ofende o princípio da segurança jurídica imanente da ideia de Estado de Direito Democrático, bem como a liberdade de escolha da profissão” prevista na CRP.
Por mim, penso que a primeira razão está inteiramente acertada, ao passo que a segunda é de mérito duvidoso, já que a liberdade de escolha de profissão não é um direito absoluto, devendo pautar-se por regras definidas por lei. Caso contrário, seria necessária uma “varredela” por esse país fora a desviar todos os escolhos que impedem o acesso às profissões 
Porém, a respeito da anulação decretada pelo TAF, João Louceiro, da Fenprof, explicou à Lusa que esta decisão significa que as provas até agora realizadas já “não podem produzir os efeitos que o ministério pretendeu”, sublinhando que a “sentença representa uma enorme derrota de quem continua a insistir na aplicação de uma prova que o tribunal vem assinalar que enferma de ilegalidade”. Por seu turno, também fonte do MEC revelou à Lusa que “irá interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) no respetivo prazo legal, ato que tem efeitos suspensivos da decisão”.
E o renomado colunista Pedro Tadeu, acima referido, pergunta-se porque interessa ao ministro fazer provas que chumbam professores em vez de fazer travar o escoamento para a docência dos incapazes, nas Escolas Superiores de Educação (e eu acrescento “nas Universidades”). E conclui que “melhorar a formação dos professores de forma a impedir que os ‘burros’ possam ensinar, não interessa. Interessa é deixá-los entrar no sistema para acabar de vez com o prestígio da profissão docente e ganhar os líderes de opinião para o processo, em curso, de destruição do ensino público...”
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Por mim, digo e redigo que tem de cuidar-se das condições do ingresso na formação inicial dos professores (não virem para esta atividade os que não sabem ou não querem mais nada); zelar pela qualidade científica, pedagógica e ética da formação, ao nível da excelência; e fazer avaliação profissional dos recém-formados na aproximação à escola (num período probatório ou similar) sob a supervisão de um docente mais antigo e experiente. Por outro lado, cuidar da formação contínua dos docentes, dado que há por aí muita coisa a melhorar, a atualizar e a reconverter.
Porém, não posso deixar de reiterar a necessidade de estender o mesmo rigor às demais formações académicas, no atinente às competências no domínio da língua portuguesa, capacidade de raciocínio, formação cívica e ética, cultura geral e quiçá nas áreas específicas. Ou será que os outros diplomados mostram um êxito perfeito nas matérias em que foram diplomados. Todavia, os ministros não vêm a público lavar roupa suja! Porque será?

Por fim, um recadinho às escolas (públicas e privadas): essas notas correspondem mesmo aos reais níveis de aprendizagem no português, nas outras línguas, na matemática, nas outras ciências, nas artes e nas expressões. A leitura comparada das estatísticas e das declarações públicas faz-me suspeitar da mascaração da situação ou, em linguagem beata, do esvaziamento da água benta das igrejas. 

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