Entre 7 de fevereiro e 31 de
março / 1 de abril, ocorre o 40.º aniversário do estabelecimento do subsídio de
desemprego, uma das conquistas da revolução abrilina, conseguida em 1975 e tão
importante como o salário mínimo nacional, decretado no ano anterior.
Com efeito, o Decreto-Lei
n.º 169-D/75, de 31 de março, criou o subsídio de
desemprego com vista à “instituição de sistemas que assegurem o
poder de compra das classes desfavorecidas, independentemente das contingências
acidentais da prestação de trabalho”, como se lê no seu texto preambular. No
entanto, a génese deste esquema de proteção social vem de antes, nomeadamente
dos programas dos governos provisórios (designadamente
os III e IV governos provisórios), e, em especial, do “Programa
de Política Económica e Social”, mais conhecido como “Programa Melo
Antunes”, dado que era este militar de abril quem liderava a equipa que o
elaborou e que, além deste, integrava Rui Vilar, Silva Lopes, Maria de Lourdes
Pintasilgo e Vítor Constâncio.
Melo Antunes foi
ministro sem pasta nos II e III governos provisórios e ministro dos negócios estrangeiros
no IV; Rui Vilar foi ministro da economia e Silva Lopes foi ministro das finanças
no III governo provisório; Maria de Lourdes Pintasilgo foi ministra dos
assuntos sociais, nos II e III governos provisórios; e Vítor Constâncio foi
Secretário de Estado do Planeamento nos I e II governo provisórios.
O “Programa Melo
Antunes” foi aprovado em Conselho de Ministros em 7 de fevereiro de 1975, ainda
na vigência do III governo provisório.
Ora, o seu n.º 2
preconiza a “instituição de subsídio de desemprego, tendo em atenção as
possibilidades financeiras do País e as caraterísticas de uma situação em que o
desemprego é em larga medida estrutural e que, por isso, exige maior esforço na
criação de novos empregos do que na atribuição de subsídios a todos os
trabalhadores desempregados”.
Por seu turno, o n.º
3 propõe a “estruturação do gabinete de gestão do Fundo de Desemprego”, o “redimensionamento
dos seus recursos financeiros” e a “definição do seu programa de aplicações”.
As suas prioridades serão: a intensificação da “concessão de subsídios,
empréstimos e outras modalidades de apoio financeiro a favor de empreendimentos
ou unidades produtivas, com o objetivo de criar empregos e de evitar
despedimentos”; a seleção dos “recursos que deverão ser afetos à concessão de
subsídios de desemprego”; e a vigilância adequada a “assegurar que os apoios
financeiros concedidos são efetivamente aplicados com o objetivo de criar
empregos ou evitar despedimentos”.
Assim, o dia 7 de fevereiro de 1975 é o
primeiro marco público do estabelecimento do subsídio de desemprego.
Deve, entretanto, anotar-se que o
documento entende que o desemprego tem de ser um fenómeno transitório, porque o
importante, pese a índole “estrutural” da situação existente de desemprego, é a
“criação de novos empregos”. É um desiderato que não tem sido tido na devida
conta no decurso dos quarenta anos de democracia social e política.
Mais. A afetação de recursos “à concessão
de subsídios de desemprego” nem constitui a primeira medida do gabinete de
gestão do Fundo de Desemprego. Vem, antes, na sequência da primeira, que é a concessão
de subsídios, empréstimos e outras modalidades de apoio financeiro a favor de empreendimentos
ou unidades produtivas, com o objetivo de criar empregos e de evitar
despedimentos.
O outro marco do subsídio de desemprego é
o dia 20 de fevereiro de 1975. Pela manhã, o Conselho de Ministros do III
governo provisório aprovou o decreto-lei que dá forma de lei (ainda não havia Parlamento), que viria a ser promulgado e publicado mais tarde, já na vigência do IV
governo provisório, sendo primeiro-ministro o general Vasco Gonçalves, como nos
anteriores II e III.
Em seu discurso na tarde daquele dia, o
chefe do governo clamava que pedia austeridade “porque temos a noção das
realidades e sabemos que dias duros se aproximam”. E adiantava que o fenómeno
do desemprego na Europa era “próprio do sistema”. Nestes termos, não
ultrapassando o sistema em que vivemos “de um dia para o outro”, assegurava:
“Queremos atingir uma sociedade justa, mas até lá muito trabalho teremos de
produzir, muito osso teremos de roer e teremos de ter uma coisa sempre na
mente: é que devemos procurar atingir
essa sociedade justa por via pacífica”. (cf Filipe Paiva Cardoso, in jornal
I, de 21-22 de fevereiro, pg 30).
E, a 21 de fevereiro, o “Programa Melo
Antunes” era publicado na íntegra pela generalidade da imprensa, sublinhando a
instituição do subsídio de desemprego, na atenção às “possibilidades financeiras
do país” e às “caraterísticas de uma situação em que o desemprego é em larga
medida estrutural”.
É óbvio que muitos esqueceram e esquecem a
complementaridade do subsídio de desemprego e a sua marca nitidamente
subsidiária. E, como uns esqueceram o incentivo à criação de emprego, outros
descuraram o trabalho produtivo e a procura ativa de emprego, enquanto outros,
ainda, não asseguraram que “os apoios financeiros concedidos são efetivamente
aplicados com o objetivo de criar empregos ou evitar despedimentos”. Muito se
abusou, a fiscalização não agiu e agora procedeu-se a cortes cegos em termos de
montantes, universo de abrangidos e duração. E o desemprego, que subiu
assustadoramente, diminui agora um pouco por via da emigração, da aposentação
antecipada, da rescisão por mútuo acordo e da menor frequência (ou prestação de informação aos mesmos) dos centros de emprego e menos pela criação de emprego.
Numa das suas charlas dominicais na RTP 1,
no ano passado, o ex-primeiro-ministro, em quem se deixou de acreditar e que
hoje é mais conhecido pelo designativo de recluso n.º 44, defendia que mais do
que o esforço por baixar o desemprego, o mais importante era pugnar pela
criação de emprego, o que não estava a acontecer
***
Passando pelo
diploma que estabelece a criação de um esquema se subsídios de desemprego – o
DL n.º 169-D/75, de 31 de março, que entrou em vigor a 1 de abril – há que
referir que se trata de um instrumento legal, que “pretende
contribuir para a instituição de sistemas que assegurem o poder de compra das
classes desfavorecidas, independentemente das contingências acidentais da
prestação de trabalho”.
E não deixa o
seu texto preambular de assinalar, em especial, os seguintes pontos do regime
jurídico do subsídio de desemprego: o âmbito
pessoal, segundo o qual o subsídio é atribuído à pessoa do trabalhador por
contra de outrem e não à organização; as exclusões,
regime segundo o qual se devem ter em conta as “caraterísticas especiais do
regime de prestação de trabalho, as “grandes dificuldades de controlo da
situação de desemprego”, a “lógica do sistema de proteção, o qual supõe capacidade
para o trabalho, e, ainda, a “condição de rendimentos”; as condições de
atribuição fundamentais, como a capacidade e disponibilidade para o trabalho e a
involuntariedade do desemprego; o emprego conveniente, segundo o qual o
trabalhador desempregado tem de aceitar a colocação que lhe for destinada pelo
centro de emprego respetivo, de acordo com as aptidões profissionais, nível
condigno de remuneração e as condições do posto de trabalho, a decidir por
comissão arbitral em caso de divergência; o dever de comparência, do desempregado em lugar
determinado pelo centro de emprego respetivo, no qual tem de estar devidamente
inscrito; o montante, que nunca será superior a dois terços da remuneração mínima nacional
mensal; e o período de concessão, estabelecido
ordinariamente em 180 dias, fixando-se porém, períodos mais longos em
relação a grupos etários de trabalhadores cuja capacidade de reemprego é
reduzida e ainda, de acordo com a mesma lógica, a faculdade de antecipar a
reforma.
De acordo
como regime de exclusões, excetuam-se
do subsídio de desemprego os trabalhadores cujos antigos empregos a doutrina
costuma qualificar de pouco significativos e os trabalhadores sazonais durante
a estação de inatividade habitual, os trabalhadores de serviço doméstico, os
que se encontrarem a receber uma pensão de invalidez ou reforma e, finalmente,
os trabalhadores que, embora desempregados percebam por si, ou cujo agregado
familiar aufira em globo, determinados rendimentos.
Todos estes
aspetos são regulamentados no articulado no decreto-lei que vale como lei ao
abrigo da Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de
maio, da Junta de Salvação Nacional, que atribuía poderes legislativos ao
governo por ainda não estar constituído o Parlamento. Vêm nele ainda
estabelecidas as entidades que gerem o sistema, bem como as fontes do seu
financiamento.
***
Que dizer de
um regime experimental, plasmado no predito diploma, que se autoimpunha a
revisão passados quatro meses da sua entrada em vigor (vd art.º 31.º)?
A legislação foi
evoluindo nem sempre no melhor sentido, mas alargando o universo dos trabalhadores
abrangidos.
Em 1975, o
número de desempregados era de 140 mil, em resultado da crise da transição para
a democracia, que, além de todo o movimento de desregulação, implicou um programa
de integração de cidadãos oriundos dos quadros complementares das forças
armadas até então envolvidos na guerra colonial e o retorno de civis nacionais.
Dez anos depois, o número de desempregados cifrava-se nos 405 mil, por força das
constrições socioeconómicas que obrigaram à 2.ª intervenção do FMI. Em 2014,
havia 726 mil desempregados (13,5%), tendo em conta
a relativização das leituras estatísticas.
Quanto aos valores
de comparticipação, o decréscimo iniciou-se em outubro de 2011. E agora está em
valores mínimos, quer de montantes (abaixo do salário mínimo nacional), quer do universo (35,2%) dos trabalhadores abrangidos, quer da duração média (12 meses, mas variável consoante a idade e tempo de descontos).
Foi a troika,
foi o governo, senhores! Até quando? Vasco Gonçalves já não volta. E Costa,
Coelho, Portas, Jerónimo, Catarina, Pinto?
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