terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Os quarenta anos do subsídio de desemprego. Que tal?!

Entre 7 de fevereiro e 31 de março / 1 de abril, ocorre o 40.º aniversário do estabelecimento do subsídio de desemprego, uma das conquistas da revolução abrilina, conseguida em 1975 e tão importante como o salário mínimo nacional, decretado no ano anterior.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 169-D/75, de 31 de março, criou o subsídio de desemprego com vista à “instituição de sistemas que assegurem o poder de compra das classes desfavorecidas, independentemente das contingências acidentais da prestação de trabalho”, como se lê no seu texto preambular. No entanto, a génese deste esquema de proteção social vem de antes, nomeadamente dos programas dos governos provisórios (designadamente os III e IV governos provisórios), e, em especial, do “Programa de Política Económica e Social”, mais conhecido como “Programa Melo Antunes”, dado que era este militar de abril quem liderava a equipa que o elaborou e que, além deste, integrava Rui Vilar, Silva Lopes, Maria de Lourdes Pintasilgo e Vítor Constâncio.
(vd Arquivo Ernesto Melo Antunes em http://ernestomeloantunes.com.pt/paes.htm, ac a 23-02-2015).
Melo Antunes foi ministro sem pasta nos II e III governos provisórios e ministro dos negócios estrangeiros no IV; Rui Vilar foi ministro da economia e Silva Lopes foi ministro das finanças no III governo provisório; Maria de Lourdes Pintasilgo foi ministra dos assuntos sociais, nos II e III governos provisórios; e Vítor Constâncio foi Secretário de Estado do Planeamento nos I e II governo provisórios.
O “Programa Melo Antunes” foi aprovado em Conselho de Ministros em 7 de fevereiro de 1975, ainda na vigência do III governo provisório.
Ora, o seu n.º 2 preconiza a “instituição de subsídio de desemprego, tendo em atenção as possibilidades financeiras do País e as caraterísticas de uma situação em que o desemprego é em larga medida estrutural e que, por isso, exige maior esforço na criação de novos empregos do que na atribuição de subsídios a todos os trabalhadores desempregados”.
Por seu turno, o n.º 3 propõe a “estruturação do gabinete de gestão do Fundo de Desemprego”, o “redimensionamento dos seus recursos financeiros” e a “definição do seu programa de aplicações”. As suas prioridades serão: a intensificação da “concessão de subsídios, empréstimos e outras modalidades de apoio financeiro a favor de empreendimentos ou unidades produtivas, com o objetivo de criar empregos e de evitar despedimentos”; a seleção dos “recursos que deverão ser afetos à concessão de subsídios de desemprego”; e a vigilância adequada a “assegurar que os apoios financeiros concedidos são efetivamente aplicados com o objetivo de criar empregos ou evitar despedimentos”.
Assim, o dia 7 de fevereiro de 1975 é o primeiro marco público do estabelecimento do subsídio de desemprego.
Deve, entretanto, anotar-se que o documento entende que o desemprego tem de ser um fenómeno transitório, porque o importante, pese a índole “estrutural” da situação existente de desemprego, é a “criação de novos empregos”. É um desiderato que não tem sido tido na devida conta no decurso dos quarenta anos de democracia social e política.
Mais. A afetação de recursos “à concessão de subsídios de desemprego” nem constitui a primeira medida do gabinete de gestão do Fundo de Desemprego. Vem, antes, na sequência da primeira, que é a concessão de subsídios, empréstimos e outras modalidades de apoio financeiro a favor de empreendimentos ou unidades produtivas, com o objetivo de criar empregos e de evitar despedimentos.
O outro marco do subsídio de desemprego é o dia 20 de fevereiro de 1975. Pela manhã, o Conselho de Ministros do III governo provisório aprovou o decreto-lei que dá forma de lei (ainda não havia Parlamento), que viria a ser promulgado e publicado mais tarde, já na vigência do IV governo provisório, sendo primeiro-ministro o general Vasco Gonçalves, como nos anteriores II e III.
Em seu discurso na tarde daquele dia, o chefe do governo clamava que pedia austeridade “porque temos a noção das realidades e sabemos que dias duros se aproximam”. E adiantava que o fenómeno do desemprego na Europa era “próprio do sistema”. Nestes termos, não ultrapassando o sistema em que vivemos “de um dia para o outro”, assegurava:
“Queremos atingir uma sociedade justa, mas até lá muito trabalho teremos de produzir, muito osso teremos de roer e teremos de ter uma coisa sempre na mente: é que devemos procurar atingir essa sociedade justa por via pacífica”. (cf Filipe Paiva Cardoso, in jornal I, de 21-22 de fevereiro, pg 30).
E, a 21 de fevereiro, o “Programa Melo Antunes” era publicado na íntegra pela generalidade da imprensa, sublinhando a instituição do subsídio de desemprego, na atenção às “possibilidades financeiras do país” e às “caraterísticas de uma situação em que o desemprego é em larga medida estrutural”.
É óbvio que muitos esqueceram e esquecem a complementaridade do subsídio de desemprego e a sua marca nitidamente subsidiária. E, como uns esqueceram o incentivo à criação de emprego, outros descuraram o trabalho produtivo e a procura ativa de emprego, enquanto outros, ainda, não asseguraram que “os apoios financeiros concedidos são efetivamente aplicados com o objetivo de criar empregos ou evitar despedimentos”. Muito se abusou, a fiscalização não agiu e agora procedeu-se a cortes cegos em termos de montantes, universo de abrangidos e duração. E o desemprego, que subiu assustadoramente, diminui agora um pouco por via da emigração, da aposentação antecipada, da rescisão por mútuo acordo e da menor frequência (ou prestação de informação aos mesmos) dos centros de emprego e menos pela criação de emprego.
Numa das suas charlas dominicais na RTP 1, no ano passado, o ex-primeiro-ministro, em quem se deixou de acreditar e que hoje é mais conhecido pelo designativo de recluso n.º 44, defendia que mais do que o esforço por baixar o desemprego, o mais importante era pugnar pela criação de emprego, o que não estava a acontecer
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Passando pelo diploma que estabelece a criação de um esquema se subsídios de desemprego – o DL n.º 169-D/75, de 31 de março, que entrou em vigor a 1 de abril – há que referir que se trata de um instrumento legal, que “pretende contribuir para a instituição de sistemas que assegurem o poder de compra das classes desfavorecidas, independentemente das contingências acidentais da prestação de trabalho”.
E não deixa o seu texto preambular de assinalar, em especial, os seguintes pontos do regime jurídico do subsídio de desemprego: o âmbito pessoal, segundo o qual o subsídio é atribuído à pessoa do trabalhador por contra de outrem e não à organização; as exclusões, regime segundo o qual se devem ter em conta as “caraterísticas especiais do regime de prestação de trabalho, as “grandes dificuldades de controlo da situação de desemprego”, a “lógica do sistema de proteção, o qual supõe capacidade para o trabalho, e, ainda, a “condição de rendimentos”; as condições de atribuição fundamentais, como a capacidade e disponibilidade para o trabalho e a involuntariedade do desemprego; o emprego conveniente, segundo o qual o trabalhador desempregado tem de aceitar a colocação que lhe for destinada pelo centro de emprego respetivo, de acordo com as aptidões profissionais, nível condigno de remuneração e as condições do posto de trabalho, a decidir por comissão arbitral em caso de divergência; o dever de comparência, do desempregado em lugar determinado pelo centro de emprego respetivo, no qual tem de estar devidamente inscrito; o montante, que nunca será superior a dois terços da remuneração mínima nacional mensal; e o período de concessão, estabelecido ordinariamente em 180 dias, fixando-se porém, períodos mais longos em relação a grupos etários de trabalhadores cuja capacidade de reemprego é reduzida e ainda, de acordo com a mesma lógica, a faculdade de antecipar a reforma.
De acordo como regime de exclusões, excetuam-se do subsídio de desemprego os trabalhadores cujos antigos empregos a doutrina costuma qualificar de pouco significativos e os trabalhadores sazonais durante a estação de inatividade habitual, os trabalhadores de serviço doméstico, os que se encontrarem a receber uma pensão de invalidez ou reforma e, finalmente, os trabalhadores que, embora desempregados percebam por si, ou cujo agregado familiar aufira em globo, determinados rendimentos.  
Todos estes aspetos são regulamentados no articulado no decreto-lei que vale como lei ao abrigo da Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de maio, da Junta de Salvação Nacional, que atribuía poderes legislativos ao governo por ainda não estar constituído o Parlamento. Vêm nele ainda estabelecidas as entidades que gerem o sistema, bem como as fontes do seu financiamento.
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Que dizer de um regime experimental, plasmado no predito diploma, que se autoimpunha a revisão passados quatro meses da sua entrada em vigor (vd art.º 31.º)?
A legislação foi evoluindo nem sempre no melhor sentido, mas alargando o universo dos trabalhadores abrangidos.
Em 1975, o número de desempregados era de 140 mil, em resultado da crise da transição para a democracia, que, além de todo o movimento de desregulação, implicou um programa de integração de cidadãos oriundos dos quadros complementares das forças armadas até então envolvidos na guerra colonial e o retorno de civis nacionais. Dez anos depois, o número de desempregados cifrava-se nos 405 mil, por força das constrições socioeconómicas que obrigaram à 2.ª intervenção do FMI. Em 2014, havia 726 mil desempregados (13,5%), tendo em conta a relativização das leituras estatísticas.
Quanto aos valores de comparticipação, o decréscimo iniciou-se em outubro de 2011. E agora está em valores mínimos, quer de montantes (abaixo do salário mínimo nacional), quer do universo (35,2%) dos trabalhadores abrangidos, quer da duração média (12 meses, mas variável consoante a idade e tempo de descontos).

Foi a troika, foi o governo, senhores! Até quando? Vasco Gonçalves já não volta. E Costa, Coelho, Portas, Jerónimo, Catarina, Pinto?

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