quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Ser oposição e dizer bem do país

Durante a sessão de lançamento da edição diária em suporte digital do órgão oficial do PS Ação Socialista, dirigido por Edite Estrela, o secretário-geral António Costa, num evento da comunidade chinesa, na semana passada, a propósito do início do novo ano chinês, ousou dizer que Portugal está hoje bastante diferente de 2011. Tal arroubo discursivo foi acolhido pelo Governo e deputados da maioria parlamentar como sendo um elogio à política implementada e desenvolvida em Portugal nos últimos quatro anos.
É certo que o secretário-geral do Partido Socialista perante um grupo de estrangeiros que vêm investindo em Portugal não pode oferecer um discurso miserabilista sobre o país e naturalmente se terá sentido obrigado a puxar por Portugal. No entanto, um político experimentado como este, embora formalmente no cargo de líder partidário há uns três meses, deveria ter a obrigação de saber que as suas palavras seriam ouvidas pelos portugueses e, em especial, pelos políticos, nomeadamente pelos da maioria parlamentar que suporta o Governo atual e está empenhada em disputar e ganhar as próximas eleições legislativas.
Se reconheceu o valor do investimento chinês e a sua valia para o progresso de Portugal, na ótica socialista, não deveria dizer que o país está bastante “diferente” de há quatro anos (que muitos entenderam naturalmente como “melhor”) e sobretudo não tinha que agradecer à China o apoio dado a Portugal. E qual apoio? A compra da EDP e da REN, a participação nos controversos vistos Gold?
Luís Marques Guedes, Ministro da Presidência do Conselho de Ministros e dos Assuntos Parlamentares, veio logo a apontar as declarações do líder da oposição como o reconhecimento do trabalho do Governo. E deputados das bancadas parlamentares do PSD e do CDS vieram dizer que a António Costa fugiu a língua para a verdade.
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Por seu turno e a contrario, Alfredo Barroso, um dos fundadores do PS, em 1973, e atualmente o militante n.º 15, veio à liça declarar a sua desfiliação do Partido Socialista, argumentando que nunca lhe passara pela cabeça que um secretário-geral do seu partido ousasse “prestar vassalagem à ditadura comunista e neoliberal da República Popular da China e se atrevesse a declarar, sem o menor respeito por centenas de milhares de desempregados e cerca de dois milhões de portugueses no limiar da pobreza, que Portugal está hoje melhor do que há quatro anos”. E aproveita o ensejo do sucedido com aquilo a que chama a “chinesice de Costa”, para escalpelizar as “miseráveis campanhas que a ralé que tomou conta do aparelho do PS é capaz de se atrever a desenvolver” contra si – ele que se apresenta com larga experiência na política e na administração pública, sem que alguma vez se tenha governado à custa dessas mesmas suas atividades.
Depois, Barroso considera esta “chinesice” como um tiro de canhão no coração do PS ou o passo fatal que nunca deveria ter sido dado, “por uma questão de coerência e dignidade” e por respeito pelos portugueses, “vítimas da brutal política de austeridade levada a cabo, com crueldade e enorme insensibilidade” por este governo, “com a conivência de Cavaco Silva”.
Mais. O ora desfiliado entende que o passo costista representa “uma humilhação e uma vergonha” para os verdadeiros socialistas, supondo como o anterior secretário-geral se esteja a rir da figura do seu sucessor, ao tempo, tão crítico.
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Fonte oficial da direção do Partido Socialista explicou que o segmento discursivo de Costa que é de interpretações abusivas manifesta “sentido de estado”, quando Ferro Rodrigues fala em “frase imprecisa”.
Também a predita fonte oficial precisa que António Costa não disse que Portugal está “melhor”, mas apenas “diferente”.
Ora, a meu ver, havia outra formas de garantir o sentido de estado, por exemplo, elogiando a capacidade de investimento dos chineses e destacando a importância e o interesse do seu contributo para o progresso do país, para o futuro do país. Naquele contexto, “diferente” é necessariamente “melhor”, dado que o horizonte de comparação é um tempo curto (2011-2015). O ano 2011 coincide com o início da atual governação. Ora entender-se-iam de maneira diferente as suas palavras, se Costa tivesse referido um horizonte temporal diferente, por exemplo, desde 2000, os últimos 15 anos ou a última década.
De resto, fez bem em não dizer mal do país, mas poderia, na lógica socialista, criticar o governo, ou dizer que poderíamos ter um país em melhores condições.
Quanto ao pensamento do secretário-geral, o líder parlamentar socialista sublinha que ninguém tem dúvidas da sua opinião sobre a real “situação do país” e sobre as “políticas de austeridade”, que levaram a que “Portugal estivesse sob vigilância da Comissão Europeia”. Depois, critica a tentativa de isolar aquela frase imprecisa como sinal de que “a política atingiu graus baixos”.
Ferro deveria saber que a política atingiu graus baixos, mas não apenas agora nem só por culpa dos deputados da maioria, como a vigilância por parte da Comissão Europeia não começou com o atual Governo. Por outro lado, António Costa, secretário-geral e candidato a primeiro-ministro, deveria já ter dito ao país mais pormenores daquilo a que vem e em que consiste a sua alternativa de governação. Dizer que não é o Syriza, mas saúda a postura da Grécia pouco adianta.
Costa, por sua vez, veio afirmar-se “perplexo” com a polémica gerada em torno das suas afirmações, frisando que fazer oposição não o pode inibir de defender o país, sobretudo quando se discursa “no exercício de funções institucionais junto de investidores estrangeiros”, em que “tem de transmitir-se uma mensagem de confiança”. No caso vertente, entendeu que não devia, “em vez de valorizar os aspetos positivos de Portugal”, concentrar-se “no fracasso da política do Governo e nos seus resultados, como o aumento brutal da pobreza, o desemprego, a estagnação económica, os cortes de pensões e de salários”.
E passou ao contra-ataque criticando o executivo de coligação de direita, referindo que, “aos investidores estrangeiros temos de dar uma mensagem de confiança”, pois, “para diminuir a confiança já chega o Governo e não precisa da ajuda da oposição”.
Quanto às suas palavras, lamentou que agora se pretenda a retirada do seu discurso varzinense do seu contexto e colocá-lo “num outro contexto”. Porém, tal tentativa “não altera a dura realidade”, que ainda no passado dia 25 “a Comissão Europeia veio descrever de forma clara: Portugal mantém graves desequilíbrios que requerem uma vigilância apertada; Portugal mantém altos níveis de desemprego; Portugal foi o país da Europa em que mais aumentou a pobreza” – mais de 210 mil pessoas só entre 2012 e 2013. Por outro lado, Bruxelas “confirmou a injustiça da política seguida ao sublinhar que os cortes nos apoios sociais atingiram de forma desproporcional os mais pobres e não aqueles que têm maior realidade”.
 Quanto à posição de Alfredo Barroso, reitera a sua estima pelo histórico socialista, respeitando “qualquer que seja a sua decisão”. No entanto, prometeu procurar contextualizar-lhe pessoalmente a sua intervenção “para que a possa interpretar corretamente”:
Eis a declaração nuclear do segmento discursivo que motivou a desfiliação de Barroso:
“Como nós dizemos em Portugal, os amigos são para as ocasiões e, numa ocasião difícil para o país, em que muitos não acreditaram que o país tinha condições para enfrentar e vencer a crise, a verdade é que os chineses, os investidores chineses disseram presente, vieram e deram um grande contributo para que Portugal pudesse estar hoje na situação em que está, bastante diferente daquela que estava há quatro anos”.
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Evidentemente que os amigos são para as ocasiões; e o investimento estrangeiro é bem-vindo. Deve certamente puxar-se pelo país e dar aos investidores uma mensagem de confiança. Todavia, o político tem de saber medir as suas palavras e dispor de habilidade suficiente para escolher as palavras de modo que não possam ser interpretadas em sentido diferente da intenção que teve ao proferi-las.

De resto, opor-se a um governo não implica a oposição a tudo o que o Governo diz ou faz, mas à linha política seguida em termos globais e em muitos itens setoriais (também pode ser oposição em tudo, mas não é necessário). Porém, a oposição ao Governo não pode ser oposição ao país, mas apenas configurar uma maneira diferente – e até contrária – de entender e servir o país.

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