Soube-se hoje, dia 16 de
fevereiro, pelo Jornal de Notícias (JN), que se demitiu das funções de
diretor do Departamento de Eletrónica, Telecomunicações e Informática da
Universidade de Aveiro (UA)
o professor Arnaldo Martins e renunciou ao cargo de Presidente do Conselho
Geral (cargo
que ocupava desde 2009)
daquela instituição do ensino superior o octogenário Alexandre Soares dos
Santos, antigo líder do grupo Jerónimo Martins.
O motivo destes atos de demissão
e renúncia prendem-se com incidentes ocorridos na sessão daquele órgão de
conselho superior e de supervisão em sessão de dias antes do Natal. Arnaldo
Martins foi apresentar ao conselho o balanço do seu mandato de diretor daquele
departamento, que é uma das bandeiras da UA. O Presidente não gostou do que
ouviu, irritou-se, interrompeu a apresentação e atacou duramente o
apresentador, um homem com 58 anos de idade e 35 anos de carreira na UA.
A razão daquela postura de Soares
dos Santos prende-se com a alegada falta de respeito para com o conselho geral
presente naquela apresentação como com o facto de o presidente ter confessado
que “não tinha percebido nada do que o departamento fazia”. O então diretor do
departamento em causa mostrou-se surpreendido, alegou que fez a apresentação
nos termos usuais e declarou-se desautorizado publicamente – pelo que
apresentou de imediato o seu pedido de demissão, apesar de considerar positivo
o seu mandato, “nas condições em que vivemos”. Mantém-se interinamente como
diretor até à sua substituição.
Seis horas depois, o presidente,
que já tinha caído em si e se sentira mal pela forma como reagira, terá sido
abordado por outro dos conselheiros, o qual, em jeito de ajuste de contas, o
confrontou duramente pela forma como atacara Arnaldo Martins. Por seu turno,
Soares dos Santos, desagradado pela forma como foi enfrentado, optou pela
renúncia ao cargo.
Segundo o que refere o JN, o conselho geral (CG) já tinha sido palco de
episódios similares, que não chegaram a desfecho como o deste episódio,
sobretudo no atinente a apresentações dos dirigentes dos respetivos
departamentos. O presidente do CG parece que era useiro e vezeiro no
alinhamento com “critérios empresariais de custo-benefício e de resultados de
curto prazo, tidos por pouco adequados a alguns tipos de ciência e de
investigação”, em especial para determinado setor da UA. Ora, todos sabemos que
o tempo da aprendizagem é diferente do tempo do trabalho e também o tempo da
empresa é diverso do tempo da investigação e da ciência.
Por sua vez, o reitor Manuel
Assunção, que se escudou no enunciado de que “as renúncias devem ser
explicitadas por quem as pediu” (“apresentou”, diria eu), desmentiu o que se afirma da
postura habitual de Soares dos santos. Afiança que nada disso é verdade, pois o
antigo líder do grupo Jerónimo Martins “teve a humildade de perceber que a
cultura empresarial não é a do mundo académico”. Ademais, o seu relacionamento
com os restantes membros do CG e com os outros académicos “sempre foi muito
bom”. E concluiu que “foi uma enorme perda para a Universidade de Aveiro”.
***
Sobre o episódio ou episódios,
oferece-se-me tecer dois tipos de comentários: um ad casum; e outro de caráter genérico.
Comentando o sucedido, quero
afirmar, em primeiro lugar, que o presidente de um órgão colegial de composição
tão alargada e sem funções executivas tem fundamentalmente o papel de
moderador, competindo-lhe: abrir as sessões, encerrá-las e suspendê-las (quando
o julgar necessário ou conveniente);
cumprir e fazer cumprir o regimento; introduzir neutralmente o debate; dar a
palavra e retirar a palavra (quando o orador, depois de
advertido, ultrapassou o seu tempo ou proferiu enunciados insultuosos); marcar o tempo de votações e
proclamar resultados. Raramente, cabe ao presidente tecer comentários de
caráter técnico-científico ou tomar posição própria a partir do lugar e da
condição de que preside (se o pretende fazer, deve fazer
substituir-se na mesa e ocupar o seu lugar de membro do colégio). Por outro lado, é consensual
que, nestes órgãos colegiais de direção estratégica, quem lá vai fazer as suas
presentações (projetos, relatórios, balanços…) costuma dispor do tempo
adequado à explanação das peças que lhe cabe apresentar, sendo temerário urgir
junto do apresentante o tempo, bem como ajuizar se está ou não a sair do tema,
dada a normal complexidade das questões técnicas.
Pelas declarações de Soares dos
Santos (às vezes, tão arrogantes quanto sensatas), duvido de que o senhor hoje
disponha desta paciência e disciplina. Quem está habituado a mandar, quer
mandar e tem a certeza de que sabe tudo e, quando dá conta de que não sabe,
irrita-se, indispõe-se. É óbvio que Soares dos Santos, inteligente como é e
dada a marca empresarial que não se lhe apaga, iria reconhecer o seu erro – o
que não quer dizer que oferecesse condições de mudança de postura.
Acredito que o reitor fale com
razão do bom relacionamento do “presidente” com os outros elementos do CG e com
os académicos. Era o que faltava! Todavia, penso que não lhe é lícito branquear
a situação, remetendo para outrem a explicitação das renúncias ou afiançando o
alegado facto de o senhor empresário saber ou ter percebido a diferença entre a
cultura académica e a empresarial. Por um lado, se o presidente do CG não tem
de se explicar publicamente porque não representa a instituição, o mesmo não
acontece com o reitor, que, representando a Universidade, deve explicações à
comunidade científica e à sociedade civil. Por outro lado, o reitor deve
atravessar-se pela sua universidade e pelos responsáveis dos seus
departamentos.
Quanto aos critérios de
custo-benefício, eles têm de ser cuidados em qualquer organização, quer se
trate de uma empresa, quer se trate de uma escola ou de uma universidade. E não
se devem hostilizar os critérios económicos. São mesmo bem-vindos. O que deve ser
rejeitado em absoluto é o critério economicista e excessivamente financeiro, a
que tudo tenha de subordinar-se. A previsão e afetação de recursos, também os
financeiros, é inerente a qualquer programa ou projeto. Importa, contudo,
ponderar a adequação da afetação de recursos ao respetivo projeto, programa ou
ação; e aferir se é possível e plausível esperar resultados a curto prazo, a
médio ou somente a longo, tendo em linha de conta a especificidade de cada
projeto, programa, ou ação. O mal acontece quando queremos opinar sobre aquilo
que nos escapa!
Em termos gerais, parece-me que
se vem cometendo um erro de perspetiva. Sendo de saudar a interação
escola/comunidade e universidade/malha empresarial e ou de serviços, é
necessário do meu ponto de vista observar alguns princípios:
- A cooperação entre partes não
pode implicar a anulação ou a submissão de qualquer uma, antes devendo cada uma
posicionar-se num patamar de igualdade.
- Devem ser respeitadas as especificidades
de cada uma, sem que uma possa invadir as competências da outra.
- A cooperação será válida se
visar objetivos comuns, se dirigir ao bem comum e aceitar a mútua crítica
construtiva, arredando-se toda e qualquer espécie de postura espezinhante, adulatória,
destrutiva ou sistematicamente contestatária.
- Muito embora a sociedade tenha
a expectativa de a escola e a universidade perceberem o devir social e
responderem, quanto possível, às razoáveis aspirações e objetivos da sociedade,
nem por isso se pode aceitar que a sociedade ou alguma (s) das suas empresas ou
algum (uns) serviços dirijam superiormente a instituição escolar e/ou
universitária ou as organizações em que estas se materializam.
- Tanto as escolas (e
universidades) como
as empresas e serviços podem assumir critérios e modus operandi importados de um lado ou de outro, mas não de forma
acrítica e muito menos em jeito de cópia/colagem.
- Por isso, nunca percebi nem
aceitei que um conselho geral de escola ou conselho geral de universidade,
enquanto órgão superior e de supervisão ou de direção estratégica possa ter na
sua composição a totalidade ou a maioria de elementos exteriores à
escola/universidade, muito menos a presidência.
- Do meu ponto de vista, as
entidades representativas da sociedade, do mundo empresarial ou dos serviços poderiam
e deveriam ter assento num órgão consultivo, cuja composição poderiam integrar
em maioria ou até na totalidade, reservando a presidência para o dirigente
máximo da organização académica respetiva, que ali teria um papel moderador e
de primeiro ouvinte.
- De resto, há tantas formas de
escola/universidade e empresa e/ou serviço servirem em regime de igualdade,
pelo lado das parcerias e dos acordos de prestação de serviços, com o
clausulado de mútuas obrigações, direitos e contrapartidas.
***
Finalmente, quando vejo um CG de
universidade presidido por Fernando Ulrich ou Soares dos Santos, pergunto-me se
um banco ou uma empresa aceitaria ser superiormente dirigida pelo reitor de uma
universidade ou pelo diretor de uma escoa básica e secundária, a não ser por
algum motivo de oportunidade e por tempo muito limitado. E, se cabe à malha
empresarial trilhar as vias do crescimento e do desenvolvimento, compete ao
poder político formular as opções estratégicas e cabe à escola, sobretudo à
universidade, ser o leme ou o motor lúcido do desenvolvimento. Aqui, peço
desculpa ao professor Marçal Grilo (que escutei no passado
dia 14 na entrevista A propósito na
SIC Notícias), mas
sigo o professor Cavaco Silva (estou à vontade, pois, o tenho
criticado bastante),
que proferiu, no outro milénio, mais exatamente a 21 de novembro de 1992, um
enunciado que contém uma frase sentenciosa que nunca mais esqueci: “Estamos
numa escola. E a escola é o verdadeiro motor do desenvolvimento sustentável”. E
é mesmo! Por isso, não é lícito desvirtuá-la.
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