Notei com algum prazer que o
libreto para a celebração da Eucaristia, a 15 de fevereiro, presidida pelo
Santo Padre, concelebrada com os cardeais, incluindo os novos, que serão
investidos nessa função amanhã, dia 14 de fevereiro, inclui a leitura da 2.ª
leitura em Língua Portuguesa.
É um trecho da 1.ª epístola de
São Paulo aos Coríntios (1.ª Cor 10,31 – 11,1), como 2.ª leitura do VI Domingo
do Tempo Comum, Ano B, que se transcreve, dada a sua abrangência:
“Quer comais, quer bebais, ou façais
qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus. Portai-vos de modo que não deis
escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à Igreja de Deus. Fazei como eu, que em tudo procuro
agradar a toda a gente, não buscando o próprio interesse, mas o de todos, para
que possam salvar-se. Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo”.
Penso que isso se deverá ao facto de
três dos novos 20 cardeais pertencerem ao mundo da lusofonia: Dom Manuel José
Macário do Nascimento Clemente, patriarca de Lisboa, Portugal; Dom Arlindo
Gomes Furtado, bispo de Santiago, Cabo Verde (o primeiro deste país); e Dom Júlio Duarte Langa, bispo emérito de Xai-Xai,
Moçambique (um dos cinco novos cardeais com mais de 80
anos, portanto, não eleitores).
***
Ora, à saída de um encontro de
trabalho que, no contexto do consistório ordinário, reuniu com o Papa 164
cardeais e próximos futuros cardeais, o patriarca de Lisboa defendeu a
importância de uma maior valorização da Língua Portuguesa nos trabalhos das
grandes reuniões de cardeais e da Santa Sé: “Seria
bem importante, porque o português tem uma expressão grande na vida da Igreja” –
explicitou aos jornalistas Dom Manuel Clemente.
Depois
de sublinhar que “ainda não se fala português como língua oficial” (nem de trabalho,
acrescento eu)
nestes encontros e noutros similares, o Presidente da Conferência Episcopal
Portuguesa sublinhou que a nossa língua facilita uma aproximação maior entre os
vários cardeais lusófonos, que vão passar a ser 13 a partir de domingo, dia 15,
sete dos quais com direito a voto num eventual conclave.
O
patriarca confessa que a língua materna (portuguesa, corrijamos, já que o português pode
não ser língua materna de muitos cidadãos lusófonos) “ajuda muito” nos
encontros entre prelados de Portugal, Brasil, Angola, Moçambique e Cabo Verde,
os países de Língua Portuguesa com representação no novo Colégio Cardinalício da
Igreja Católica. Faltam, em termos do Sacro Colégio, representações de São Tomé
e Príncipe, Guiné-Bissau e Timor-Leste (e porque não a Guiné-Equatorial, que integra a
CPLP?).
“Quando
falamos em português há muitas coisas que vêm ao de cima e que têm a ver com o
nosso património comum”, a Língua Portuguesa, falada, segundo o site do Observatório da Língua Portuguesa, que reúne diversas
fontes para construir as suas estatísticas, por 244,392 milhões de falantes (que até
2050 aumentará para 335 milhões) – sendo o português a quarta língua mais
falada do mundo, atrás do mandarim, do espanhol e do inglês, e a terceira mais
usada no Facebook.
***
Por seu turno, o Presidente
do Pontifício Conselho da Cultura (PCC), cardeal Gianfranco Ravasi, elogiou o
papel da lusofonia na vida da Igreja, reconhecendo a importância de Portugal na
difusão da mensagem católica:
“Sempre admirei a cultura
portuguesa, porque tinha a capacidade do gérmen, da semente, de conseguir
fundir-se em contextos muito diversos, através da sua própria língua, da sua
própria cultura, absorvendo também elementos indígenas”, declarou à Agência Ecclesia o cardeal italiano, o equivalente
ao Ministro da Cultura nos governos ocidentais.
Este responsável por um
dos dicastérios da Cúria Romana teceu estas considerações a respeito do
consistório em decurso para a criação de cardeais, convocado pelo papa
Francisco, após o qual o colégio cardinalício vai passar a contar com 227
membros (125 eleitores e 112 com mais de 80 anos), dos quais 13 são oriundos de
Igrejas lusófonas: seis do Brasil, três de Portugal, dois de Moçambique, um de
Angola e um de Cabo Verde.
Mas o cardeal Gianfranco
Ravasi, doutor honoris causa pela Universidade Católica Portuguesa, apadrinhado
pelo padre José Tolentino Mendonça, vai mais adiante ao considerar que a
nomeação do patriarca de Lisboa reconhece este legado da “sede patriarcal, que
é o lugar da partida, para lá da pessoa” do seu atual titular. “É um
reconhecimento a uma cidade, a uma sede cristã e cultural”, precisou.
Já, com a criação de um
cardeal de Cabo Verde, o cardeal assegura que Francisco considera a real dignidade
da presença das “periferias portuguesas” no concerto das Igrejas locais e, por consequência,
na Igreja Universal.
O Presidente da
Pontifício Conselho da Cultura, sobre a área lusófona, especifica que ela
apresenta os dois rostos da Igreja: o rosto antigo, europeu, e o rosto novo,
que foi gerado ao longo dos séculos, mas agora é independente. Se efetivamente “Portugal,
realisticamente, é um país mínimo no contexto internacional, como era no
passado, mas foi capaz – de uma forma diferente da Espanha, que usou sobretudo
o poder militar – de alargar-se à África, à Ásia, à América Latina, levando a
sua própria língua, a sua própria cultura”.
***
Ora, se Portugal e a Santa
Sé sempre mantiveram estreitas relações diplomáticas, se a presença portuguesa
em Roma tem sido significativa, nomeadamente no Concílio de Trento e no
Vaticano I (no Vaticano II pouco mais que normal teria sido se não fossem os bispos
brasileiros) bem como através do Colégio Português e do Instituto e Igreja de
Santo António dos Portugueses, é de perguntar porque é que a Língua Portuguesa entra
com atraso considerável e notória dificuldade nas questões da Santa Sé (ou nem entra). Se é verdade que o Osservatore Romano produz uma edição
semanal em português, também é certo que os documentos pontifícios e dos diversos
dicastérios da Cúria Romana ou não são traduzidos para português ou o são com
atraso. Além disso, habitualmente traduz-se mal para a nossa língua.
Não discuto se deve
prevalecer o português europeu, do Brasil, de África ou de Timor e de Macau (refiro-me obviamente às diferenças
sintáticas e não propriamente à realização ortográfica). Interessa é que os
documentos, os discursos sejam vertidos em português e que esta língua seja
admitida regularmente como língua de trabalho nos diversos eventos em que
participem portugueses. Hoje já não se justifica que os portugueses, sobretudo
em momentos decisivos, tenham de fazer o sacrifício de se exprimir em outra
língua.
Será que os portugueses e
os outros elementos da lusofonia, nomeadamente os eclesiásticos, que prestam
serviço em Roma e no Vaticano não poderão prestar este serviço à língua, em prol
de si mesmos, mas sobretudo dos destinatários dos conteúdos dos documentos e
dos discursos – oficiais, oficiosos e não só?
Bem sei que aquando da
reforma litúrgica, que preconizou, ao lado da manutenção do latim como língua oficial
litúrgica na Igreja Latina, a produção dos textos litúrgicos em vernáculo, os responsáveis
da tradução dos respetivos materiais passaram por muitas dificuldades. Eram somente
dois os países independentes cuja língua oficial era o português. E os portugueses
europeus tiveram dificuldade em aceitar a preponderância do país gigante em
relação ao país originário do português. Porém, agora que são oito os países
lusófonos (e
a região especial de Macau) e foi criada a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), a plataforma criada
pode gerar maior e mais construtivo entendimento para uma boa política, gestão
e afirmação da língua portuguesa. Os responsáveis pela liturgia nos países da
lusofonia acabaram por chegar a consenso em relação aos textos que nas celebrações
constituem parte que a assembleia pronuncia e àqueles que configuram o
essencial das fórmulas sacramentais.
É certo que é sobre os
Estados que recai o ónus da política da língua e de promover a sua presença nos
diversos areópagos internacionais. No entanto, a Igreja Católica, cuidando do
bem dos seus membros, não pode descurar a questão da língua e deve levar assiduamente
e a tempo e horas a produção doutrinal, discursiva e disciplinar do Papa, dos
organismos da Cúria Romana e dos eventos que se desenrolam no Vaticano. Caso contrário,
regista-se uma incoerência entre o discurso que enaltece a devoção ao Romano
Pontífice e seus colaboradores e serviços e a incúria na transmissão dos meios
que fomentam essa devoção e comunhão eclesial.
Do zelo do prestígio da Língua
Portuguesa pelos nossos representantes políticos pouco podemos esperar, dado
que, a cada passo, os vemos e ouvimos a falar em línguas estrangeiras numa
subserviente prostração perante o estrangeiro. Será que podemos legitimamente
esperar a mesma postura da parte dos eclesiásticos, que fazem questão de dizer
que a Igreja está onde os outros não sabem ou não querem estar?
Isto acarreta custos
pecuniários? Mas alguém conhece alguma iniciativa de relevo que não os acarrete?
Será que o poder político e o poder eclesiástico não podem disponibilizar umas
verbas e umas vontades ao serviço linguístico para bem dos cidadãos (terrenos e celestes)? Ou será que os
cristãos serão cidadãos do Céu apenas depois da morte? É também uma questão de fé!
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