quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Nossa Senhora de Lourdes, a fé e os doentes

Passa hoje, 11 de fevereiro, o Dia Mundial do Doente, em que se faz a Memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, um título local da Imaculada Conceição.
A invocação de Maria como Nossa Senhora de Lourdes funciona para quem estudou (e creio que para quem nele lecionou) no Seminário de Resende, dedicado à Mãe de Deus sob aquele título, como um marco devocional interessante e uma recordação indelével da memória. Poderão alguns dizer que nem sempre pelos melhores motivos. No entanto, a vida faz-se de tudo e será bom que sejam os motivos estruturantes a comandar a vida.
Por mim, longe de qualquer razão de queixa, tenho a relevar as gratas memórias e o contributo daquele ambiente de pessoas e circunstâncias para a construção da personalidade e da formação específica que perdura ao longo da vida. Anoto a satisfação com que respondi a umas alunas minhas que, nos últimos anos da sua escolaridade, me perguntavam se eu tinha frequentado o Seminário de Resende e me fizeram avivar a memória por algo que os responsáveis lhes disseram a meu respeito, segundo o que elas referiam.
Quanto a Lourdes, no departamento francês dos Altos Pirenéus, outrora localidade de diminuta dimensão, tornou-se uma cidade relativamente populosa, por via das numerosas e frequentes peregrinações ao santuário mariano nas proximidades da Gruta de Massabielle – hoje um dos maiores centros de peregrinação do mundo católico, a par de Fátima, em Portugal, Aparecida, no Brasil, Medugorge, na Bósnia e Herzegovina, Guadalupe, no México, e São Pedro, em Roma.
Nossa Senhora de Lourdes é a invocação resultante das aparições da Virgem na referida Gruta de Massabielle, na margem esquerda do rio Gave, a Bernardette Soubirous e presenciadas por várias pessoas em ocasiões distintas. Iniciaram-se a 11 de fevereiro de 1858, doze anos depois do previsto por Nossa Senhora em La Salette e 4 anos depois da definição dogmática da Imaculada Conceição de Maria pelo Papa Pio IX, pela bula Ineffabilis Deus.
A veracidade das aparições de Lourdes (como as outras que suportam santuários, ponto de convergência de peregrinos) não constitui artigo de fé católica. Não obstante, há conteúdos que evidenciam, especificam e atualizam pontos fundamentais da doutrina. Recomendar a oração (rezar o terço do rosário é uma das formas mais fáceis e simples de o fazer), apelar ao arrependimento e ao abandono do pecado, induzir a fé e a sua prática, propor a pureza de costumes ou evidenciar a Imaculada Conceição constituem pontos basilares da mensagem cristã. Depois, os grandes santuários marianos tornam-se pontos fulcrais de evangelização pluridimensional, locais de intensificação da vida cristã e palco de desenvolvimento cultural e económico (este último, graças à obrigação de obviar às necessidades de peregrinos, turistas e curiosos). Tanto assim é que os últimos Papas visitaram este local. Bento XV, Pio XI e João XXIII visitaram o santuário de Lourdes enquanto bispos (João XXIII, então cardeal Roncalli, consagrou, a 25 de março de 1958, a Basílica subterrânea de São Pio XX); Pio XII visitou o santuário como delegado papal e abordou uma peregrinação centenária numa das suas cartas encíclicas (“Le Pèlerinage de Lourdes”); João Paulo II visitou o santuário por três vezes e só não veio ali presidir ao Congresso Eucarístico Internacional de 1981, devido às consequências do grave atentado de que foi alvo a 13 de maio do mesmo ano, na Praça de São Pedro, tendo nomeado como seu delegado o cardeal Gantin; e Bento XVI concluiu lá, em 15 de setembro de 2008, a visita que fez a França, comemorando assim o sesquicentenário das aparições.
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As aparições iniciaram-se a 11 de fevereiro de 1858. Bernardette, camponesa e pastora de 14 nos, foi questionada pela mãe por afirmar que tinha visto uma senhora na gruta de Massabielle, perto da cidade, enquanto apanhava lenha com a irmã e uma amiga. A senhora continuou a aparecer sucessivamente, tendo perfeito 18 encontros, em que, através da humilde vidente, a Imaculada chamou os pecadores à conversão e despertou na Igreja um intenso movimento de oração e caridade, sobretudo em benefício dos doentes e dos pobres.
A 11 de fevereiro, Bernardette fora, com a irmã Toinette e a amiga Jeanne Abadie, recolher um pouco de lenha para conseguir dinheiro para compra de pão. Ao preparar-se para atravessar o Gave, sentiu o som de duas rajadas de vento, mas sem que a vegetação mexesse. Olhando para a gruta de Massabielle, divisou uma luz que envolvia uma menina vestida de branco, com uma faixa azul na cinta, orante com um rosário nas mãos e uma rosa de ouro amarelo em cada pé.
Foi Toinette quem revelou à mãe o segredo que Bernardette pretendia manter. E as duas receberam castigo corporal por alegadamente terem inventado uma história.
Passados três dias, as meninas voltaram à gruta. E, ante a pretensão de Bernardette de a Senhora “menina” aceitar a água benta que lhe trazia para demonstrar que não se tratava de uma visão maligna, a visitante limitou-se a inclinar a cabeça quando a água lhe foi oferecida.
A 18 de fevereiro, a Senhora pediu-lhe que voltasse à gruta durante duas semanas, prometendo fazer feliz a vidente, não neste mundo, mas no outro.
Com a divulgação da notícia, os pais e as autoridades policiais e municipais proibiram a menina de retornar à gruta, mas ela contrariou a proibição. E, a 24 de fevereiro, a “Visão” pediu oração e penitência pela conversão dos pecadores. No dia seguinte, a convite da “Aparição”, Bernardette cavou o chão e bebeu água da nascente que encontrou ali. Administrada a pacientes de todos os tipos, aquela água milagrosa operou muitas curas, algumas delas não explicáveis medicamente.
Medida governamental proibiu o acesso à gruta e emitiu sanções duras a quem tentasse ultrapassar o perímetro de delimitação da área vedada.
Entretanto, como as aparições de Lourdes ganharam dimensão pública, o processo tornou-se uma questão nacional e o imperador Napoleão III emitiu, a 4 de outubro do mesmo ano, ordem de reabertura da gruta. Por sua vez, a Igreja Católica, por motivos prudenciais, decidiu ficar institucionalmente longe da polémica.
Bernadette, como conhecia bem a localidade, conseguiu visitar a gruta à noite, mesmo durante a situação de veto governamental. E foi durante este período que, a 25 de março, dia da Anunciação do Senhor, que a Senhora Se revelou: “Eu sou a Imaculada Conceição”. E, a 7 de abril, domingo de Páscoa naquele ano, o médico que examinou a vidente observou que as suas mãos seguravam de uma grande vela acesa, vindo a chama a envolver-lhe toda a mão esquerda, mas não ficaram quaisquer queimaduras.
Quando da sua ida pela última vez à gruta, a 17 de julho, Bernardette confessou que nunca tinha visto a Senhora tão bonita antes como desta vez.
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Perante as interrogações de nível nacional, a autoridade eclesiástica, até agora tão reservada, decidiu-se pela criação de uma comissão de inquérito a 17 de novembro. E, a 18 de janeiro de 1860, o bispo de Tarbes declarou que efetivamente a Virgem Maria apareceu a Bernardette Soubirous. E o Papa Pio IX autorizou o culto da Virgem Maria em Lourdes, em 1862.
Bernardette, de compleição fraca e saúde muito frágil, atribuíveis à pobreza familiar, nomeadamente as condições da habitação, iniciou o noviciado, em 1866, no convento de Saint-Gildard e, em 30 de julho do ano seguinte, fez a profissão religiosa na Congregação das Irmãs da Caridade de Nevers, passando a dedicar-se à enfermagem até que a doença a imobilizou, em 1878, e lhe causou a morte em 1979.
Imensa multidão assistiu ao seu funeral, a 19 de abril daquele ano.
A 20 de agosto de 1908,Monsenhor Gauthey, bispo de Nevers, constituiu um tribunal eclesiástico para investigar “o caso Bernardette Soubirous”.
A vidente de Lourdes é uma das personalidades femininas mais veneradas com o culto de dulia (veneração como santa) por todo o mundo. O facto do deu corpo incorrupto, em razão do qual o povo lhe chamou “Santa Dormente”, os sues milagres não póstumos e as crenças acerca das aparições da Virgem deram azo a que a população de Nevers, onde faleceu, da França e da Europa a incorporasse como santa, até mesmo antes da sua morte. O Papa rapidamente autorizou o seu culto como Venerável.
Entretanto, foi canonizada a 8 de dezembro de 1933, festa (hoje solenidade) da Imaculada Conceição, pelo Papa Pio XI, como Santa Bernardette de Lourdes.
Os factos catapultaram Lourdes para um dos maiores centros do culto mariano do mundo, frequentado anualmente por uns 6 milhões de peregrinos.
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A Lourdes ficam associados os doentes. Com efeito, Bernardette era de saúde muito débil, tendo sido a doença que a impediu de trabalhar e a vitimou. Atribuem-se à sua intercessão muitos milagres de cura de doentes, quer em vida quer postumamente.
Por outro lado, o percurso terreno de Jesus de Nazaré atraiu doentes do corpo, do psíquico e do espírito. E Jesus, que passou pelo mundo fazendo o bem, pregou a boa nova do reino e curou muitos doentes e aleijados. E ainda hoje, muitas vezes, as curas, muitas delas miraculosas, confirmam o poder de Deus, a fé dos crentes, a colmatação das necessidades dos homens e mulheres. E, quando a economia da fé tem o dedo materno de Maria, parece que a hipótese da cura redobra, já que Ela é a testemunha dramática dos sofrimentos e desvarios dos homens. A Virgem, enquanto Consoladora dos Aflitos e o Auxílio dos Enfermos, não desilude, mas faz o apelo à fé e ao arrependimento com a consequente mudança de vida.

E obviamente que, se Ela é pressurosa no aviso a Cristo, “eles não têm vinho”, também não desiste do apelo, “fazei o que Ele vos disser” (Jo 2,3.5).

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